Cidinha do Corte, mais conhecida como Mãos de Ouro, é barbeira autodidata há 10 anos e trabalha melhorando a autoestima dos crias, deixando geral na régua máxima, diretamente de seu salão no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Sua história começou com uma máquina de corte que era do seu avô. Ela aprendeu assistindo vídeos no YouTube e, para testar se realmente sabia cortar, chamou seu afilhado Jonathan como cobaia. Errava, tentava de novo, e assim foi aperfeiçoando o talento que hoje é sua marca registrada. “Eu sou curiosa, coloco fé. Vejo uma coisa que nunca fiz na vida, e vou lá e faço“, Cidinha mostra sua garra e experiência no corre para conquistar seu sonho.
Seus sonhos são grandes. O principal? Cortar o cabelo do MC Poze do Rodo. Ela, que tem uma tatuagem em homenagem ao artista, é fã e o admira profundamente. “Eu converso com ele, eu creio que vai chegar minha hora”, diz com esperança sobre esse encontro futuro.
Sua vivência
“Cortava cabelo na cadeia também. Aprendi a cortar com a gilete do barbeador e um pente”, revela a barbeira sobre o período que esteve no sistema prisional. Ao mesmo tempo, conta que pensou em desistir diversas vezes, pelas coisas que se passavam em sua cabeça e pela realidade dentro da cadeia.
No final de 2015, sua vida deu uma reviravolta. A barbeira foi fazer um favor para uma comadre com uma moto emprestada, e havia 4 kg de cocaína pura no baú da moto quando foi parada pela polícia. Foi detida na mesma hora e passou um mês na prisão. Em 2016, o caso foi reaberto, e ela foi acusada de um envolvimento mais grave, sendo apontada como mandante do tráfico dentro do CPX da Penha. Foi expedido um mandado de prisão, e ela recebeu pena de cinco anos em regime semiaberto. Em 2019, foi presa novamente por um ano, ainda respondendo ao mesmo processo judicial.
Com muita luta e reunindo todas as provas, sua mãe mostrou que ela era trabalhadora, atuava no mercado da beleza e nunca teve envolvimento com o tráfico. Após cumprir sua sentença na cadeia, passou para o regime semiaberto por três anos, usando tornozeleira eletrônica e cumprindo todas as regras. “Eu paguei tudo”, afirma Cidinha.
A pesquisa conduzida pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro revelou que cerca de 80% das pessoas presas em flagrante são pretas ou pardas. Realizado entre setembro de 2017 e setembro de 2019, o estudo entrevistou 23.497 homens e mulheres conduzidos a audiências de custódia. O levantamento também aponta que esse grupo enfrenta maiores dificuldades para conseguir a liberdade provisória.
Referência para favela
Aparecida Almeida Peixoto, de 27 anos, nascida e criada no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, é conhecida por todos como “Cidinha”, apelido dado por sua avó ainda na infância. Com o tempo, o nome já era usado no dia a dia. Quando começou a cortar cabelo, o vulgo pegou de vez.
“Os meninos vinham bichudos (com os cabelos mal cuidados), eu cortava o cabelo deles. Eles paravam em frente ao espelho e diziam pra mim: ‘Tu é mão de ouro mesmo! A gente senta aqui com uma autoestima e sai com outra!”
A barbeira gosta de conversar e conhecer as pessoas. Com sua escuta ativa, vai além do corte: dá conselhos sobre aparência e caminhos bons a seguir. Um de seus clientes já chorou, dizendo que estava desanimado da vida. Outro só queria saber de fumar e beber, estava ligando para nada. Cidinha afirma: “Isso não é pra vocês. Eu converso com eles.” E com muitos, também dá sugestões de corte que valorizem o perfil e a autoestima de cada um.
O reconhecimento de Cidinha e sua marca registrada, “Mão de Ouro”, vem tanto dos elogios dos clientes quanto da sua própria autoconfiança. Curiosa por natureza e sem nunca ter feito um curso formal, ela aprende vendo vídeos e se joga sem medo: testa cortes que nunca fez antes e dá certo. Como ela mesma diz: “fica pra hora”. Entre os estilos mais diferentes que já fez, estão o “nevou com reflexo” e o “americano com militar”. Os crias ditam tendência e sempre chegam com novas ideias na barbearia, e Cidinha, se garante na sua arte para deixar cada um na régua.
“Eu amo cortar cabelo, posso ficar 2h em uma pessoa só, mas vai sair exatamente como ela quer”, declara Cidinha sobre o prazer em sua profissão.
A rotina de trabalho é intensa, principalmente em épocas como Natal, Ano Novo e Carnaval. Cidinha contou que já chegou a ficar quatro dias virada para preparar seus clientes para as festas. “Antes, eu fazia isso (virava a noite trabalhando) porque estava de tornozeleira eletrônica, não podia sair e dormia mais cedo. Agora, eu tenho vida”, diz, ao relembrar o período em que se dedicava ao trabalho enquanto cumpria o regime semiaberto.
“No começo, me julgavam: ‘Vou cortar com mulher, nada!’ e isso me motivava ainda mais. Eu fui postando, os amigos foram vendo, demorou uns três, quatro anos para conquistar meus clientes de novo, ainda mais com tudo o que aconteceu”, afirma a barbeira.
O apoio e o incentivo de toda a sua família foram fundamentais em sua carreira. Todos fortaleceram seu corre e permaneceram por perto. Sua mãe dizia: “Foca nos trabalhos e nos objetivos”. Sempre presentes, afirmavam com orgulho: “Você é braba, continua!”
A barbearia da Cidinha
“O salão é de todos. Aí nós fica aqui jogando videogame, rola resenhas e bobeiras”, comenta Cidinha sobre a barbearia ser um espaço de acolhimento e pertencimento para os clientes. Por isso, ela sente a responsabilidade de deixar todos à vontade e bem recebidos — como se fosse uma família. Os clientes são fiéis e, com o tempo, acabam virando amigos da Cidinha. Aí pronto, vivem juntos! Até o cliente novo, mais tímido, chega e logo se sente em casa.
O videogame é um ponto-chave para trazer distração e diversão para dentro da barbearia. No jogo, eles apostam de tudo: corte, reflexo no cabelo, comidas e bebidas. Às vezes, até a própria Cidinha do Corte perde e os crias ganham corte de graça, numa troca genuína de papéis.
Herdou a casa da avó e construiu seu salão na parte de baixo há 10 anos. O espaço ainda está em reforma, aguardando a finalização de um banheiro. Por isso, no momento em que aplica tintas e produtos, precisa lavar o cabelo dos clientes na rua, usando uma mangueira e baldes, já que ainda não há lavatório. A conclusão do banheiro está próxima.
Com um faturamento médio de R$ 3 mil por mês, cada corte custa R$ 35. Por dia, Cidinha atende até 10 pessoas, sempre respeitando a ordem de chegada. Seu sucesso é tanto que, às 9h da manhã, quando abre a barbearia, já tem cinco crias esperando na calçada. Seu alcance vai além do Complexo da Penha — os clientes vêm de longe: Jacaré, Niterói, Ilha do Governador e Caxias. Mandam o endereço, e eles chegam.

Eu fiz o jogo virar
Cidinha faz de tudo: bigode, cavanhaque, barba, sobrancelha, cuida de toda a aparência masculina. E também atende mulheres que preferem os cabelos curtos. Além disso, acompanha outras mulheres que são barbeiras, sempre comenta e fortalece uma o corre da outra. Uma união de mulheres para mostrar seus trabalhos. E isso, a motiva a não desistir.
Os desejos de Cidinha se expandiram depois que terminou o período no sistema prisional. Ela conta que já colocou outro barbeiro para trabalhar com ela, mas as pessoas preferiam ser atendidas por ela e formavam fila atrás de fila. Disse que quer continuar ensinando outras pessoas a entrar na profissão. Há barbeiros que ela mesma ensinou, e hoje, estão no mesmo nível que ela, com confiança.
“Eu sei que tem muita coisa para aprender ainda, mas eu sei que sou referência e a mais braba”, muito à vontade, a barbeira Cidinha escancara seu valor na vivência, mas não dispensa os estudos.
A barbearia também é uma vontade, construir filiais em outras favelas, colocar diferentes pessoas para trabalhar. Ela diz que gostaria de fazer vários cursos, expor os diplomas na parede, para mostrar o que ela vem conquistando também.



