A pandemia do Covid-19 mudou o jeito de viver de toda a população e muitos costumes foram deixados de lado. Entretanto, a produção de arte segue a todo vapor nas favelas do Rio de Janeiro e, através da coluna Voz em verso, traremos poesias de artistas da favela aos domingos.
Nesta segunda semana, o artista convidado é o poeta Hebert Vinicius, conhecido como Jump, de 27 anos e morador de Vigário Geral. Ex-atleta, descobriu no esporte a paixão pela educação e acabou se formando no curso de licenciatura em Educação Física. Em 2017, se afastou do esporte, conheceu o Slam (batalha de poesia falada) e as batalhas de Mcs. Jump coleciona diversos títulos em ambas as modalidades. Hebert criou, junto com amigos, um coletivo de artistas independentes, com quem apresentou e organizou duas batalhas de poesia e uma roda cultural. Atualmente, iniciou a carreira como cantor de rap e apresenta o Slam Virtual Tema em 2, no Instagram.
Ô mãe! Ô mãe preta!
Mãe Preta – Jump
De onde é que vem essa força pra suportar tanta treta?
São tantos dedos te apontando e nenhum se move pra te ajudar
O que te torna assim, tão forte, pra te fazer continuar?
Foi mãe aos dezesseis! Colocaram em pauta a sua conduta
O safado, agressor, te engravidou e foi embora chamando de “puta”
Sim! Mas aquela que pariu! Mais uma mãe de um filho que o “machão” não assumiu
Ele fugiu e a “errada” foi você, que criou sozinha esse “filho da luta”, que o pai, que era “santo”, nem viu nascer
Foram noites de lágrimas, mulher! Você você estava sozinha e se via perdida
Lutou contra os pensamentos que te mandavam tirar sua vida
O abuso fez parte da sua jornada. Eu sei, maltratava seu coração
Abuso no transporte, de madrugada, e á tarde, cantada do seu patrão
Mas você suporta e enxugava seu rosto mesmo tudo mandando você desistir
É que é preta, pobre e sem emprego, vai morrer de fome, sem ter pra onde ir
Eles provavam seu tempero no banquete que você fez
Enquanto isso, em seu barraco, sua dispensa em escacez
E a madame esnobe, sua patroa, te humilhava a semana inteira
Pouco se lixava pro seu bem estar e te atormentava até sexta-feira
Ela queria jantar com seu patrão e não tinha com quem deixar seu bebê
Enquanto sua cria, mãe preta, crescia e aprendia a falar sem você poder ver
Devia doer. Doía não ver a primeira palavra
O que ele aprendia você descobria quando chegava e alguém te contava
Tinha que cuidar do filho dos outros pra que o seu, em casa, não morresse de fome
E assim foi crescendo o seu menino, antes do Tempo virando homem
Cê fez o que podia, eu sei. Não merecia ser julgada
Enquanto estava ralando no trampo, o menino, na rua, fez a escolha errada
Aí te apontaram como culpada! Disseram que ele vivia jogado
Mas o aluguel não iria ser pago se o seu joelho não fosse ralado esfregando aquele chão…aquele chão que tinha que brilhar
Enquanto sua estrela ia sendo apagado e não tinha ninguém pra iluminar
Cê saiu sozinha do escuro e hoje tudo que tem vem de muito suor
Merecia muito mais, mulher
E eu sei que ainda vai ser melhor
Agressão do marido e apontada por todos! Nada disso te fez desistir
E hoje é inspiração pra todos nós, mãe preta, olhar pra você e te ver sorrir
Há quem me diga que tu é frágil. Prove então, quem puder
Mãe preta, pra mim, é sinônimo de força e quem me dera ser forte que nem mulher
Pois você é força, resistência, guerreira viva, inspiração
Através de mulheres como a senhora é que foi construída essa nossa nação
Muito obrigado, mãe! Por resistir e sobreviver
Nós, seus filhos, só estamos vivos, porque você decidiu não morrer
Viveu, nos deu vida e hoje nossa luta é toda por ti
O suor derramado do seu rosto é o que agora me faz não desistir
E se quiser continuar cozinhando, continue, não precisa parar. Mas será na cozinha da sua casa, pra você mesma degustar
Não mais na casa de madame! O juiz da vida bateu o martelo
A sentença foi dada, você venceu. Agora descanse no seu castelo! Quem se ajoelha hoje sou eu e ninguém me mandou, a vontade é minha
Ajoelho aos seus pés, mãe preta, pra saudar a mais bela rainha!