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Você sabe o que é trabalho do cuidado?

Trabalho de mães e cuidadoras é invisibilizado. Apesar das múltiplas jornadas de trabalho, mulheres não são devidamente valorizadas
Foto: Selma Souza/Voz das Comunidades
Foto: Selma Souza/Voz das Comunidades

A rotina de mulheres de favela tem diferentes faces. Elas podem ser trabalhadoras, mães, estudantes. Em alguns casos, tudo isso ao mesmo tempo. De todo modo, figuras femininas sempre terão algo em comum: a sobrecarga do cuidado como obrigação. 

Cerca de 69% das mulheres que moram em favelas são negras, segundo o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. Para falar dos impactos do trabalho do cuidado na vida dessas mulheres, é preciso fazer um resgate histórico do papel da mulher negra na sociedade brasileira. 

Durante a escravatura, pretas e pardas eram amas de leite, babás, cozinheiras, serventes, entre outros serviços domésticos. O corpo negro feminino era entendido apenas como ferramenta de serviço. De maneira que os sentimentos, sonhos e o próprio cansaço dessas mulheres não eram considerados.

Essa perspectiva ainda continua nos dias de hoje. Apesar da regulamentação do serviço doméstico, em 2013 essas profissionais ainda experimentam a ausência de direitos trabalhistas. Segundo o Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas, 65% das trabalhadoras domésticas são negras e têm renda inferior a um salário mínimo. 

Enquanto o trabalho doméstico se refere a afazeres necessários para o funcionamento de uma casa, o trabalho do cuidado está ligado às demandas básicas, emocionais e materiais de crianças, idosos, pessoas doentes e com deficiência. O ato de cuidar é realizado historicamente sem remuneração e impacta diretamente no cotidiano de quem cuida.

Ana Cláudia Alves, 44 anos, é mãe de seis filhos. Desde os 16 anos, ela se dedica a cuidar de alguém. Ela cuidou da irmã mais nova e dos seus filhos mais velhos. Agora, ela cuida dos três filhos mais novos e, em dois dias da semana, fica com sua avó de 91 anos. Além disso, Cláudia trabalha como faxineira e passadeira de roupas em alguns dias. 

Ana Cláudia dedica todas as horas do seu dia ao cuidado dos filhos. Foto: Selma Souza/Voz das Comunidades

Como em muitas famílias negras, na casa de Cláudia o trabalho do cuidado é geracional e coletivo. Na infância, ela e suas irmãs eram cuidadas pela avó para que sua mãe fosse trabalhar. Quando trabalhava fora, Cláudia contava com outras mulheres para ficar com seus filhos.

“Quando o mais velho nasceu, minha mãe e minha irmã ainda estavam vivas. Então elas sempre me ajudavam. Eu trabalhava como arrematadeira e faxineira. Depois, minha mãe teve minha irmã mais nova. Aí eu saí do trabalho para cuidar dela e do meu filho mais velho”, explica Cláudia.

Com o falecimento da mãe, a irmã mais velha de Cláudia, Rejane, era seu principal apoio no cuidado dos seus outros filhos. No entanto, em 2017, ela sofreu um AVC e ficou acamada. Cláudia mais uma vez assumiu o papel do cuidado e se responsabilizou pelas demandas de sua irmã durante três anos, até seu falecimento. Apesar de cuidar de tudo e todos, ela não se sente cuidada.  

“Eu sempre cuidei dos meus filhos. Também cuidei dos meus sobrinhos, levava na escola, olhava. Quando surgia uma faxina ou uma roupa para passar, eu também fazia. Meu dia começa acordando 6h da manhã.  Em relação ao meu cansaço, a única pessoa que me ajuda é Deus. É muita correria”, conta Cláudia. 

Além do cuidado dos filhos, Cláudia trabalha como faxineira e passadeira de roupas. Foto: Selma Souza/Voz das Comunidades

De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, mulheres gastam, em média, oito horas a mais do que homens em afazeres domésticos e/ou tarefas de cuidado. É tão comum ver essas pessoas vivendo múltiplas jornadas de trabalho que entender o cuidado como um trabalho se torna um desafio. 

“Esse trabalho não é invisível, mas sim invisibilizado propositalmente para que sempre seja executado com a mesma estrutura de gênero, raça e classe. É preciso repensar essa estrutura. Essas ações devem ser evidenciadas através de políticas que reconheçam que esse trabalho é um trabalho e precisa ser remunerado”, afirma Paola Lima, advogada e coordenadora de mobilização da Casa Fluminense. 

De acordo com o Mapa da Desigualdade 2023, menos de ¼ das crianças da região metropolitana do Rio estão matriculadas em creches. Com a falta de política que valorize o cuidado de forma central, mães e cuidadoras não conseguem participar do mercado formal de trabalho e outros direitos básicos para sobrevivência. Sair para trabalhar não é uma opção quando se tem alguém que precisa ser cuidado por você. Assim, essas mulheres enfrentam a falta de renda junto da sobrecarga.. 

O cuidado pode ser pensado como parte central de novas políticas públicas. Criar estratégias para diminuir a sobrecarga e formalizar a remuneração é fundamental para valorizar a dedicação de mães e cuidadoras.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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