Produção de Nathália da Silva e Leticia Gonçalves
Esse texto faz parte da série Energia de Gostosa, que mostra a diversidade de mulheres no funk, rap e trap carioca
O fazer artístico exige criatividade, mas também depende de muita garra. E foi na vontade de fazer sua música acontecer que Pamela Lopes Rodrigues se tornou a rapper Ella Lopes. Nascida em Nazaré, Minas Gerais, Ella teve uma infância conturbada por conta do pai, que era um homem violento com a sua mãe. Vivenciando episódios traumáticos na infância, a artista conta que aprendeu a cantar porque não sabia falar. Desde então, a música foi seu ponto de fuga e expressão.
Aos 17 anos, Ella conheceu rap através da igreja e nunca mais parou. Neste meio tempo, se tornou mãe e passou a desbravar o mundo em busca dos seus sonhos. Depois de muitas andanças, chegou no Rio de Janeiro e fez desse lugar o espaço para sua criatividade e correria.
“Sou Pamela Lopes Rodrigues, mas o Rodrigues eu tirei do nome, porque eu não gosto do meu pai mais, entendeu? Eu tenho 34 anos, sou natural de Belo Horizonte, mas moro em Madureira. A Ella Lopes é um personagem que vive a fama até o último, que tem um ego enorme, que tem talento para caralho, mas a Pamela é o amor da vida do meu filho”, explica Ella.
Ella é mãe de cinco crianças: Mateus, de 14 anos; Zayan, de 11; Antônia, de 10; Celina, de 6 e Ana Lua, de 6 meses. Na vinda para o Rio, Zayan e Antônia precisaram ficar em Minas Gerais. Mateus atua como DJ nos show da mãe e Celina já mostra a sagacidade nas rimas, com música própria “tudo que eu quiser minha mãe me dá“. Assim, a arte de Ella se liga a sua vivência enquanto mãe assim como o seu maternar se liga ao seu eu artístico.
“Não coube tudo na mochila. Eu tenho dois filhos que moram em BH. Eles estão com saudade de mim. Mas eu não posso voltar sem um Nike no pé e a chave da casa da minha mãe. Eu educo eles com rima. Eles acreditam mais no meu sonho do que eu”, conta Ella.
Com tatuagem no rosto e rimas pesadas sobre a realidade de ser uma mulher preta na cena do rap, Ella afirma que essa postura firme de mandar o papo reto é uma forma de impor o respeito neste circuito machista.
Correria: a maternidade e o rap se misturam
“É uma mistura de arrependimento com ação“, declara Ella Lopes sobre a experiência de criar seus filhos. Ela acrescenta que poderia ter construído mais coisas para sua família e que, muitas vezes, se vê dividida entre o sonho de sua carreira e a responsabilidade de garantir o sustento da casa. Por outro lado, ela ressalta o individualismo que domina a cena e afirma que “pequenas coisas”, como pontua, poderiam ser resolvidas se os MCs se unissem e buscassem se fortalecer.
“A sexualização dos corpos não permitem a união dentro do hip-hop. E cada vez mais mulheres vão desistir do hip-hop, cada vez mais mães vão morrer de fome, cada vez mais crianças vão parar no hospital desnutridas porque o hiphop não tem união nenhuma”, aponta a artista sobre a falta de oportunidade para mulheres dentro do rap.
O arrependimento surge não apenas pela falta de incentivo e apoio, mas também pela forma como a sociedade, dentro da lógica do sistema capitalista, tende a excluir e invisibilizar mães com filhos. Elas são frequentemente deixadas à margem, enfrentando barreiras tanto no acesso a oportunidades quanto no reconhecimento de seu valor e potencial.
Ella afirma que é preciso “ter responsabilidade quando se tem um público”. De 2022 para cá, ela tem levado a música mais a sério. Nesse meio tempo já passou por mais de 150 rodas culturais da cidade. A falta de grana é um grande desafio, mas não se torna um empecilho. Ella já foi andando da Tijuca até o Manguinhos só para se apresentar. História como a dela mostra a importância de valorizar e potencializar artistas independentes que mesmo sem suporte entregam uma arte de excelência.
“Eu gosto das pessoas me olhando quando eu passo. Afinal, eu quero ser famosa. Mas o que eu quero para mim e minha carreira é muito além de fama e dinheiro. As pessoas nunca vão comprar sua música. Eles compram a história que você está contando”, reflete Ella Lopes.
Lançada em 2024, a música Diss pra mim une rap e maternidade em uma caneta afiada, estampada pela capa que traz Ella Lopes ao lado de seus três filhos. Já na introdução, a voz de Celina, sua filha, emociona ao dizer: “Mãe, não desiste não! Aquelas mulheres precisam de você“. A canção entrelaça versos em inglês e português para narrar a trajetória de Ella, revelando vivências intensas, relatos comoventes de sua mãe e momentos marcados por dor e profundas transformações.
Em uma carta aberta publicada em seu perfil no Instagram, no fim do mesmo ano, Ella dirige palavras carregadas de esperança e gratidão aos filhos, revelando com sensibilidade a troca que rola durante a criação de suas crias.
“Vai doer, mas vai passar. E quando passar, nossa família vai estar completa, juntinha no sofá no próximo fim de ano! Obrigada, Deus, porque sem essas crianças eu não seria nem metade do que o Senhor me transformou hoje.”

Rodas Culturais cariocas
“A roda cultural não tem cultura? Não tem uma batalha de conhecimento? A cultura é só sangue? Nós já morre todo dia”, reflete a artista, questionando os fundamentos do Hip Hop e expressando sua indignação com a mensagem que tem sido propagada. Para ela, o verdadeiro compromisso das ruas vai além da violência — é sobre consciência e resgate da vida de cada pessoa.
Ella Lopes idealizou uma roda cultural voltada para crianças no Bairro 13, em Costa Barros, na Zona Norte do Rio. A Roda Cultural de Costa Barros surgiu do desejo de transformar a realidade local por meio do Hip Hop, oferecendo oficinas, atividades educativas, ações de reciclagem e doações de roupas e alimentos — tudo com o apoio do comércio local, em parceria com ONGs e moradores da comunidade.
No entanto, o projeto foi interrompido em 2024, após o agravamento da violência na região. A perda do apartamento de sua família e a morte trágica de dois alunos, vítimas da guerra armada, marcaram profundamente essa pausa forçada.
Ainda assim, após tudo o que aconteceu, Ella promete retomar o projeto com ainda mais força e determinação. E afirma com convicção: “Quem tem o poder da fala precisa ir aonde ninguém quer ir.”
Em paralelo, Ella desenvolveu a escolinha de Hip Hop Formando sua Camisa 10 como uma ferramenta educativa, unindo a conscientização sobre reciclagem ao reforço das matérias em que os alunos mais tinham dificuldade. Como seus filhos já estudavam na rede — a filha na creche e o filho no ensino médio — o acesso às escolas foi facilitado. Com diálogo aberto com os diretores, ela conseguiu implantar o projeto em ambas as instituições. Com o crescimento e a adesão cada vez maior das crianças, a iniciativa ganhou força e se expandiu, tornando ainda mais necessária a continuidade do trabalho de base com as crianças da Roda Cultural de Costa Barros.
O futuro no rap
“Meu sonho é ser rica, porque tenho muitas pessoas para ajudar“, revela Ella, expressando sua ambição de proporcionar bem-estar tanto para os seus quanto para si mesma. Seu foco é transmitir uma mensagem que salve, mantendo o mesmo compromisso que o rap sempre teve: a busca pela coletividade.
Ella relembra como um dos momentos mais marcantes de sua carreira o dia em que cantou para 50 mil pessoas na Bienal do Rio. Manamoa, artista de Santa Catarina, a convidou para uma participação no palco principal, no mesmo dia em que ela havia feito um show considerado fraco em outro espaço do evento. Estava triste, mas aquele convite transformou completamente seu dia. Na mesma ocasião, Spike foi campeão da batalha — uma noite intensa, sobre a qual ela afirma: “Cantei mesmo, foi muito bonito mesmo.”
Outro momento inesquecível foi quando lotou a Febarj duas vezes: uma nos 50 anos do Hip Hop e outra em seu último show, em outubro, pouco antes do nascimento de sua filha. Foi ali que ela realmente acreditou ser uma artista de casa cheia, capaz de esgotar ingressos e tocar o público com sua presença. Passou a confiar em seu potencial e na certeza de que pode virar o jogo e conquistar o sucesso.
A artista tem como inspirações e forças as mulheres. Sua luta é por elas, porque acredita que apenas outra mulher, que compreende essa realidade de dentro, pode apontar caminhos possíveis e ajudar a romper o ciclo repetitivo em que muitas estão presas — engravidando cedo, se envolvendo em relações conturbadas, se separando, recomeçando, mas sem alcançar estabilidade, sem conseguir um emprego, fazer um curso ou se profissionalizar. Para Ella, é necessário oferecer presença, escuta e direcionamento para que essas mulheres possam enxergar novos futuros e reconstruir suas histórias.