Por: Marina Ribeiro
Data instituída por lei federal em dezembro de 2007, o 21 de janeiro faz menção à morte de Mãe Gilda (Gildásia dos Santos e Santos), fundadora do terreiro de candomblé Ilê Asé Abassá. Mãe Gilda foi alvo de ataque por pessoas de outras religiões em matérias jornalísticas intituladas “Macumbeiros e Charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. Após a publicação dessa matéria, Mãe Gilda foi perseguida ao ponto de atearem fogo em sua casa e terreiro. Foram inúmeras agressões verbais e físicas sofridas. Com a perseguição e sucessivas violências, Mãe Gilda ficou com sua saúde fragilizada e teve um infarto fulminante, indo a óbito em 21 de janeiro de 2000.
25 anos da morte de Mãe Gilda, vítima fatal da violência provocada pelo racismo religioso, Mãe Gilda não foi a primeira, não foi a última e, muito menos a única. Se por grande parte da sociedade sempre houve violência contra a população negra e suas diferentes manifestações culturais, comunitárias e religiosas. Por parte da população, também, sempre houve organização, resistência e luta para garantir o direito à liberdade de culto, sua prática de fé, assim como o cuidado dos espaços sagrados. Sempre foram os membros e lideranças religiosas de matriz africana que, cotidianamente, elaboram ações para sua proteção.
Não foram poucas as vezes que praticantes lotaram ruas e praças com caminhadas e atos para exigirem seus direitos e denunciarem inúmeras violações, como a destruição total de diversos terreiros, torturas, violências físicas e até mesmo a morte de membros de suas comunidades.
Contudo, no último dia 15/01, o povo de terreiro conquistou o início de uma resposta, o Ministério da Igualdade Racial (MIR) lançou a Política Nacional para os Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana*. O evento foi realizado no Ilê Axé Omiojuarô, Terreiro de Candomblé que fica em Nova Iguaçu (RJ) e contou com a participação da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e de importantes lideranças do estado do Rio de Janeiro, ativistas das comunidades de terreiro, dos Movimentos Negros e Movimento de Mulheres Negras.
A Política Nacional é um marco histórico para a luta de enfrentamento ao racismo religioso. Instituída pela Presidência da República em 24 de novembro de 2024, o plano reúne 93 ações envolvendo 11 ministérios. Dentre as principais está a capacitação de agentes da segurança pública, para atuar em casos de racismo religioso. Essa conquista é o resultado de uma construção coletiva realizada nos últimos anos em parceria com os Terreiros de Axé, organizações sociais dos Movimento Negro e Movimento de Mulheres Negras Brasileiros.
A política tem como principio respeitar o direito à autodeterminação, o reconhecimento da ancestralidade, o respeito às culturas e práticas tradicionais, a proteção contra discriminação e violência, o reconhecimento dos danos causados pelo racismo e a garantia de participação e controle social para assegurar esses direitos.
É importante registrar que até aqui pouco ou nenhum avanço em política pública foi empenhado por parte do poder público para enfrentar as violências geradas pelo racismo religioso e suas consequências para os povos de terreiro e comunidades tradicionais de religiões de matriz africana, sobretudo, no que se refere à proteção e à reparação.
O caminho para construir uma política pública “eficiente” é construída por muitas e contínuas etapas. Não é nada simples, o Estado e seus representantes precisam reconhecer uma demanda social referente à emergência de um problema político na sociedade. E se tivermos como marco o ano de 1888, ano em que a Lei Áurea foi promulgada, extinguindo a escravidão no país, temos 137 anos de resistência a violência racista e por garantia de direitos básicos.
E todo esse esforço, praticamente, perde todo o sentido quando a política pública não tem reservado orçamento consignado para atender o que é necessário à execução: a contratação de pessoal, equipe técnica competente com experiência em execução da política pública focalizada, à garantia de insumos e equipamentos para a realização do trabalho.
Política pública deve ser elaborada com base em evidências, diga-se de passagem que temos de sobra quando o problema em questão é o racismo sistêmico e uma das suas expressões, o racismo religioso. O lançamento da Política Nacional é o início, a primeira etapa para dar resposta em política pública, mas não é o suficiente para solucionar um problema público tão profundo e enraizado na sociedade brasileira, como o racismo.
*Evento de Lançamento realizado em parceria do Ministerio de Igualdade Racial com a ONG Criola, Ilê Axé Omiojuaro e Ilê Axé Omi Ogun Siwaju.
Marina Ribeiro
Cientista Social e Educadora Popular. Membra e articuladora da Coletiva Popular da Zona Oeste e da Teia de Solidariedade Zona Oeste.