Este artigo é direcionado para a juventude das favelas. Tenho certeza que você já encontrou dificuldades para estudar porque não tinha ideia do que funcionava mais para você e ainda por cima vivemos em um cenário que inclui conflitos, especialmente os marcados pelos tiroteios, além dos “mix sonoros” caracterizados por misturas de estilos musicais no território de favela: é o forró na casa de trás, o funk 150 bpm na casa do lado e o samba na casa da frente. E às vezes tem música na nossa casa também. Isso tudo é incrível, é característico do território de favela, que é vivo e diverso mas, para estudar e se concentrar, não é muito interessante. Minha proposta aqui é te ajudar a estudar dando dicas que possuem evidências científicas, sobretudo nas neurociências. Não se trata de uma receita ou de um manual já que somos todos muito diferentes uns dos outros e os territórios de favela também variam muito. Mas as evidências científicas nos ajudam a pensar no que tem funcionado nos estudos e vou te dar algumas dicas de como a gente pode adaptar para aplicar a técnica em território de favela quando necessário. Também vou te indicar aplicativos de celular que podem ser utilizados para estudos.
Vamos lá?
A primeira dica e talvez mais importante de todas é: planejamento. Não tem como você não saber o que vai fazer. É claro que o nosso dia a dia é complexo, muitas partes dele são pouco previstas mas o planejamento nos ajuda a sentar para estudar com um “guia”, reduzindo as chances de que a gente se perca no processo. E, para se planejar, é preciso de quatro itens básicos:
1.Objetivos a atingir (por exemplo: “aprender equação do 2º grau” ou “melhorar minha compreensão sobre sistema nervoso”). São as famosas metas. Pode substituir essa parte pela pergunta: “O QUE EU QUERO FAZER?”
2. Tempo disponível para atingir os objetivos. A pergunta aqui seria: “QUANTO TEMPO TENHO?”. Importante: procure fazer um planejamento que dê para cumprir dentro do tempo que você tem para evitar frustrações, que podem desmotivar. Mas se não der tempo de alguma coisa, tudo bem, só sinalizar no próprio planejamento ou em algum outro lugar que não deu tempo de cumprir um objetivo ou de realizar alguma parte da metodologia, que é o próximo tópico.
3. Metodologia: estratégias escolhidas por você para atingir os objetivos propostos. Por exemplo: ler textos sobre o tema, assistir videoaulas no YouTube, fazer exercícios, jogos, gravar a própria voz para depois escutar, dentre outras possibilidades. E já já vou dar dicas de metodologia. Aqui a sua pergunta seria: “COMO EU VOU ATINGIR OS OBJETIVOS?”
4. Recursos que você vai precisar (por exemplo: “precisarei dos meus cadernos de Matemática e Biologia e vídeos no YouTube sobre os temas de interesse”). Aqui a pergunta a se responder é “COM O QUE PRECISO ATINGIR MEUS OBJETIVOS?”
E aí você pode organizar esse planejamento onde quiser: em papel, caderno, folha, word, na mão, enfim. O importante é registrar esse planejamento se possível e ter fácil acesso a ele. Outros itens podem ser acrescentados como “avaliação” para ver se você atingiu os objetivos propostos. Há também aplicativos muito incríveis para te ajudar a se organizar. Meus dois preferidos são o Google Keep, que é simples e intuitivo de mexer e ainda sincroniza com seus e-mails do Google (Gmail). Mas eu prefiro mesmo o Evernote, que é bem mais encorpado, permitindo organizar sua vida em cadernos e notas dentro dos cadernos; notas essas que podem virar lembretes, de maneira que você faça lista de tarefas. Você também pode anexar imagens, gravação de voz e ele até escaneia documentos. Eu uso para tudo, praticamente. O Evernote sincroniza com qualquer local em que tiver o programa instalado ou, ainda, pode abrir no navegador. Por fim, recomendo o Google Agenda, para organizar seus compromissos com hora marcada, inclusive horas reservadas para estudar; ele sincroniza com a agenda do Gmail. Tanto o Evernote quanto o Google Agenda te dão lembretes acerca de tarefas (no caso do Evernote) e compromissos marcados (no caso do Google Agenda).
A partir daqui, todas as dicas que vou dar, com exceção das adaptações e algumas dicas extras, são baseadas em evidências científicas e podem ser melhor compreendidas clicando aqui e aqui, ambos os links da Rede Nacional de Ciência para a Educação, que se trata de uma rede de pesquisadores concentrados em elaborar pesquisas de qualidade que podem ser utilizadas nos processos de ensino e aprendizagem.
A segunda dica é: espalhe seu tempo de aprendizagem, não coloque um tempo de 3 horas direto para estudar matemática. Estude 30 minutos, se dê um intervalo de 10 minutos e depois retorne para mais 30 minutos. Nos intervalos, você pode praticar exercícios de respiração e meditação/treinamentos mentais, que ajudam a relaxar e melhorar habilidades pró-sociais, como a empatia. O cérebro, ao pensar, se cansa tipo um músculo ao malhar. Da mesma maneira que um músculo é exercitado em várias “séries” na academia, com intervalos entre elas, o mesmo vale para o “exercício cerebral”, de maneira a não gerar cansaço excessivo e favorecer a formação de memória a longo prazo.
Terceira dica: minimize distrações. Isso é até engraçado de pensar quando a gente vive em um território repleto de estímulos, concorda? Então o que indico é sentar de frente para a parede se necessário, para evitar os estímulos visuais senão seu cérebro tende a querer se concentrar em várias coisas ao mesmo tempo e não foca 100% em nada. Se isole em um espaço com menos ruído possível, mas se não der, compre um fone de ouvido baratinho e coloque em playlists no YouTube com Lo-Fi, como esta ou até vídeos com sons para meditação. Eu sou fissurado em ASMR, um conjunto de sons e imagens que geram relaxamento. Há evidências científicas de que o ASMR ajuda a relaxar, reduzindo frequência cardíaca por exemplo, como aponta este estudo. Escrevi minha dissertação de mestrado quase inteira ouvindo ASMR. Às vezes tinha TV ligada, tiros, música, etc e estava eu lá focado da forma que dava. E às vezes não dava.
Quarta dica: faça testes e repetições, como quizzes e jogos. Pode usar seus livros ou exercícios na internet, o que você acha em rápidas buscas pelo celular mesmo. Se avaliar, se testar, com exercícios e quizzes rápidos durante o processo de ensino e aprendizagem é muito potente para aprender mais, porque ajuda o cérebro a formar memória a longo prazo. Então torne os quizzes frequentes em sua vida! É legal iniciar um dia de estudo com um pequeno quizz de revisão, por exemplo (revise sempre, nem que seja leitura rápida!), para te guiar o que vai estudar no dia e ajudar a estruturar o conhecimento. E, claro, faça simulados/testes periodicamente com os conteúdos que estudou. Os erros vão te orientar no que precisa melhorar.
Quinta e última dica: misture habilidades. Evite estudar um conteúdo só direto. Intercale alguns conhecimentos. Estude um pouco de Biologia, depois um pouco de Matemática e História. Sempre lembrando de criar intervalos de estudo. Tudo isso você define no planejamento.
Há outras dicas como associar falas e imagens, ensinar, dormir bem (muito importante!) dentre outras. E também há algumas coisas que achamos que funciona bem mas que na verdade não possuem muitas evidências científicas. Ah, evite deixar seu celular descarregado porque em casos de queda de luz ou de ficar dias sem luz, comum em território de favela, seu celular será realmente sua principal ferramenta de estudo e de comunicação, inclusive para recorrer a ajudas e outros espaços para estudar. Afinal, o uso do celular é estratégia para protagonismo juvenil.
Encontre o que mais funciona para você e lembre que aprendizagem não é um processo linear, ela demora um tempo para ocorrer e demanda misturas de conhecimentos, prática e esforço. Mas com todas essas dicas, com certeza tudo vai ficar mais simples.
Gostaria de buscar outros espaços para estudar? Procure uma biblioteca pública próxima de você ou até mesmo espaços de co-working (em resumo, co-working é trabalho feito com espaço e recursos compartilhados) e de estudos em shoppings. Em relação às bibliotecas, no Rio de Janeiro há várias disponíveis, como a biblioteca do Museu de Arte do Rio, das unidades do SESC, do Centro Cultural Banco do Brasil e outros.
Quer saber mais dicas de estudos e/ou lembrar delas quando quiser? Então veja o vídeo do meu canal sobre isso ou escute meu podcast sobre o tema.
E, por fim, neste link aqui, você acompanhar todo meu trabalho educacional e demais dicas que eu for descobrindo.