“Não é porque tive uma adolescência pobre, que me tornei bandido. Desde sempre sou Capoeirista.”
No Brasil colonial, a população negra sofreu diversos tipos de repressões pelos senhores, donos de fazendas. Numa tentava de defesa, os negros do engenho criaram os seus gingados que, de alguma maneira, iam protegê-los das agressões físicas e humilhações. A partir daí, a capoeira torna- se uma intervenção de grande reputação. Exemplo disso, até hoje, é que existem grandes mestres de capoeira espalhados pelo país.
Um desses grandes mestres está aqui no Complexo do Alemão. Juarez Ferreira conta sobre a sua vida e os motivos que o levaram a jogar capoeira. Falante toda a vida, com memórias boas e emocionantes, vai fazer algumas pessoas se identificarem com a sua história.
Aos 61 anos de idade, próximo de completar 62, agora em setembro, ele relata que a vontade de lutar capoeira surgiu quando menino. Na época de carnaval, na qual via os homens jogando capoeira no bloco Cacique de Ramos. Um certo homem sergipano, de grande influência, resolveu proporcionar algumas aulas gratuitas para eles, na Grota.
Com uma infância muito pobre, não tendo como se manter numa academia de ensinamentos de capoeira, trabalhar foi a solução. Juarez ajudava a carregar as bolsas de feira das senhoras, já trabalhou como engraxate e cabeleireiro. Todo esse esforço foi para juntar uma boa quantia de dinheiro e poder pagar a aprendizagem do seu esporte.
Filho de pais honestos e rígidos na criação, entre oito irmãos, o capoeirista sempre buscou ajudar em casa. A comida era feita no fogão a lenha. Com a modernidade, eles tiveram a oportunidade de ter um fogão a gás. Quase 1km é a distância entre estação do teleférico do Alemão até a UPA do Itararé, era o caminho que Juarez percorria para comprar o botijão de gás sozinho. Diversas festas de final de ano e aniversários, todos em sua casa, recebiam doações de roupas, alimentos dos patrões de sua mãe. “Todo domingo o almoço era galinha”. Era o almoço especial.
Casado há trinta e quatro anos, pai de dois filhos biológicos e uma adotiva e cinco netos, ele expressa nas palavras o orgulho de ter os seus descendentes praticando o mesmo esporte. Numa determinada época de sua vida, Juarez ficou sem lutar capoeira. Seu filho Diego, hoje vice-campeão brasileiro de capoeira, quando adolescente quis ser capoeirista. A partir daí, o seu pai retoma o seu ofício.
O capoeirista é convocado para participar de bastantes eventos e campeonatos que acontecem no Brasil. A sua atuação pelo Complexo do Alemão, e até mesmo pelos lugares que frequenta, pode-se dizer que é pelo seu caráter e pela dedicação ao seu trabalho. Partindo desses princípios de honestidade, surgiu a oportunidade de dar aula no CRJ (Centro de Referência da Juventude); ele permanece lá até hoje, desde a inauguração.
A sua dedicação e influência são tão fortes que já estão preparando uma academia na Holanda com o seu nome e um convite para dar aula lá já está confirmado. Este gesto é uma homenagem de um aluno holandês que se formará com ele em pouco tempo. Uma argentina e uma inglesa também já tiveram aula com ele. Uma estudante já escreveu sobre ele e até em revista já teve uma citação sobre o seu trabalho. Inclusive, foi chamado para participar dos Jogos Pan- Americanos. O que poucos sabem é que existem dois tipos de capoeira: a sem doutrina, que é a de rua, e a com mestre, que segue todo um ritual. Juarez já doutrinou muita gente, até mesmo um rapaz que veio da capoeira “loucona”, que é a de rua. O esporte não é dicil de aprender, basta ter força de vontade, diz o capoeirista.
Hoje, católico, Juarez diz nunca ter sofrido preconceito por causa do esporte, porém, uma associação da capoeira ao candomblé por parte de um determinado grupo religioso, o faz ver o quanto ainda há gente ignorante. Ter uma ligação parecida não quer dizer que é! O praticante de candomblé se expressa de forma espiritual, pondo em desempenho a sua atividade religiosa, ao contrário da capoeira, que visa à defesa, à dança, um exercício reconhecido por todos e que, de fato, é uma expressão cultural. Ou seja, religião e cultura estão interligados. Saber distinguir é primordial.
“Sairia para fazer o trabalho lá fora, mas sentiria saudades das crianças daqui” – resposta dada quando foi perguntado se ele sairia do Complexo do Alemão. De fato, ele não nega a sua raiz. Sabe tudo de capoeira e narra como ninguém o passado da localidade onde vive até hoje, no antigo Largo da Morte. Becos, matos, vielas, falta d’água e luz, poucas casas, obras, mudança… De lá para cá, tudo mudou.
Além da capoeira, Juarez também tem o dom de fazer alguns instrumentos como berimbau, atabaque, entre outros. Um berimbau de formato reduzido é o que ele mais faz para vender. “Muitos revendedores compram comigo e o produto faz sucesso lá embaixo.” São trinta e pouco anos de capoeira, tempo que foi moldando a experiência e a complexidade do artista.