Está parado no Superior Tribunal de Justiça (STF) o projeto de lei que visa descriminalizar a posse de maconha para consumo próprio. Essa pauta se confunde com a “liberação das drogas”, mas não é disso que se trata. O que será definido é a quantidade de maconha que o usuário poderá portar para consumo próprio e, assim, desconfigurar um possível flagrante de tráfico. Atualmente essa avaliação é feita pela polícia. O tráfico de drogas continuará sendo crime. Quem for detido com uma quantidade da substância acima do definido na Lei será preso.
Esse projeto de Lei, que encontra-se parado devido ao pedido de vista (pedido de mais tempo) do ministro Dias Toffoli, é muito importante porque deixariam de acontecer grandes injustiças. Segundo recentes pesquisas, a grande maioria dos presos por tráfico são negros e jovens de até 30 anos. Os estudos mostram também que, para ser enquadrada como traficantes, uma pessoa branca precisa estar com 80% a mais de maconha do que uma pessoa negra e que mais de 70% das prisões em flagrantes por tráfico tem uma única testemunha: policiais militares.
O placar até o momento é de 5 a 3. Cinco ministros foram a favor da descriminalização do porte de maconha para uso próprio: Gilmar Mendes (relator), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber (já aposentada).Três são contra e votaram pela manutenção como crime do porte de maconha para consumo: Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques.
Ainda faltam os votos do próprio Toffoli, e dos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia. Flávio Dino não votará no caso porque sua antecessora na Corte, Rosa Weber, já apresentou seu voto.
Qual o debate?
O que se discute no STF é a possibilidade de uma mudança na Lei de Drogas, de 2006, mais especificamente da constitucionalidade do artigo 28. A norma estabelece que é crime adquirir, guardar ou transportar drogas para consumo pessoal.
Pela lei, a punição para esse crime envolve penas alternativas, como medidas educativas, advertência e prestação de serviços, e não leva à prisão. O problema é que existe uma diferenciação clara e objetiva na norma entre viciado e varejista de drogas. Os policiais e o sistema de Justiça acabam tratando de discriminatória as pessoas detidas nessa situação e assim os punidos pelo crime mais grave (tráfico) são em sua maioria pretos e favelados.
O artigo da Lei de Drogas trata de drogas no geral, sem especificar sobre determinados entorpecentes ou substâncias. Ao julgar o caso, os ministros que votaram a favor da descriminalização optaram por restringir os efeitos só à maconha, mantendo como crime o porte para uso pessoal das demais drogas.
O caso analisado pelo STF tem repercussão geral, ou seja, o entendimento que vier a ser tomado pela Corte deverá ser adotado em processos semelhantes em toda a Justiça. Uma eventual descriminalização do porte de maconha para consumo, por exemplo, faria com que pessoas abordadas com a quantidade da droga considerada para consumo não sofressem as consequências penais, e o fato não entraria para seus antecedentes criminais, evitando, assim também, algo que é muito preocupante no país ainda: o encarceramento em massa, sobretudo de negros.
Para o advogado André Barros, mestre em ciências penais, especialista em direitos humanos e consultor da Comissão de Direito Cannábico da OAB/ RJ, a única razão para continuarem criminalizando a posse de maconha é o racismo. Em seguida, ele explica. “A Lei de Drogas tem três crimes: Comprar, vender e financiar. O comprar é que está em julgamento no STF, que é o Artigo 28, que se resume em comprar, portar para uso próprio, plantar pequenas quantidades e coisas desse tipo. Isso tudo está previsto na Lei de drogas de 2006. Para esse crime não existe mais pena de prisão, no máximo é pena de multa e se a pessoa não pagar não pode ser substituída por pena de prisão (a pessoa vai pra “Dívida Ativa” do município). O Artigo 33 que é expor à venda, vender ou fornecer (mesmo que gratuitamente) tem pena de 5 a 15 anos de reclusão. É sobre a justificativa de combater esse crime que eles entram nas favelas onde a maioria da população é negra. E tem o artigo 36, que é financiar e custear o tráfico de drogas (pena de oito a 20 anos de prisão). Nesse crime, que é mais grave, superior inclusive ao crime de homicídio simples (pena de seis a 20 anos de prisão), você não encontra um inquérito policial aberto. Porque esse é o crime do milionário. Esse é o traficante e com certeza esse indivíduo não está na favela. Eu não conheço um milionário que esteja preso por financiar o tráfico de drogas. Então, se não tem inquérito policial para o crime mais grave, não tem nem investigação para crime mais grave da Lei de drogas. Logo, esse negócio de só entrar na favela para combater o tráfico não existe. Não existe combate ao tráfico de drogas nenhum. O que existe na favela é racismo!”, explicou.