Texto: Thiago Torre
Não se faz banal dizer que, de verdade, estamos retrocedendo, e para um passado que jamais deveria ser revivido! Assim, na quarta-feira seis de fevereiro de 2019, foi divulgada uma nota técnica pelo Ministério da Saúde que propõe novas diretrizes de políticas nacionais em relação à saúde mental.
De acordo com um manifesto de repúdio do Conselho Federal de Psicologia, a nota técnica de n° 11/2019, publicada pela Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Ministério da Saúde, intitulada como “Nova Saúde Mental”, diz respeito à liberação de um financiamento para a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia.
Essa técnica, tida como eletrochoque, consiste na passagem de uma corrente elétrica de alta voltagem sobre a região temporal, com intenção de provocar, simplesmente, a perda da consciência. Nada além de uma sessão de tortura altamente punitiva. Contudo, à custa de enorme sofrimento e desrespeito aos direitos humanos. Inicialmente, isso pode causar catatonia no paciente, mas depois pode evoluir para convulsões e retardo, ambas a médio e longo prazo. Mas, meu bem, caso você apresentasse algum transtorno psiquiátrico, gostaria de passar por esse procedimento? Ahn?!
Parece-nos que toda a Luta Antimanicomial, tendo sido o movimento caracterizado pela luta de direitos das pessoas com sofrimento mental, acontecido em 18 de maio de 1987, perdeu o real sentido. A proposta desse movimento, chamado também de Reforma Psiquiátrica, era desativar os manicômios, dando liberdade para aqueles que sofriam transtornos mentais, a fim de que pudessem viver e conviver em sociedade como qualquer outro ser humano. O objetivo nada mais era do que tratar os enfermos apenas como pessoas, validando seus direitos como seres biopsicosocioculturais. Algum mal nisso?
A nova medida do Ministério da Saúde destrói a política de saúde mental quando priva o sujeito de sua liberdade, desfavorecendo sua autorregulação. Perdas significativas acontecem com a ampliação de leitos em hospitais psiquiátricos e nas comunidades terapêuticas, evidenciando a volta dos manicômios e ocasionando novamente o tratamento desumanizado para com seres humanos.
Os pacientes se encontravam em vulnerabilidade ao serem apenas institucionalizados quando enclausurados nas instituições psiquiátricas. Ao fechar das portas, torturas como procedimentos de eletrochoques, lobotomia, insulinoterapia e afins aconteciam, levando-os do adoecimento logo ao sofrimento mental, deixando em xeque sua condição como pessoa, como ser humano.
Um ganho da Reforma Psiquiátrica foi permitir que o paciente tivesse acesso à atenção fora dos muros do manicômio, podendo transitar livremente como todo e qualquer cidadão. Agora, parece que essa conquista está ameaçada e os pacientes psiquiátricos, prestes a serem novamente apenas marginalizados! Lamentável!
Nise da Silveira, mulher alagoana, médica, psiquiatra, recusou-se a aceitar toda forma de agressão a que os pacientes com transtornos mentais eram submetidos. Futurística, autônoma, decidida e transgressora, sabia comandar sua missão, sem ser comandada por ela. Sabia o que falava e fazia, por isso é referência na área do cuidado até os dias de hoje!
Foi presa e afastada do Serviço Público no período de 1936 a 1944. Em 1946, anistiada e reintegrada ao Serviço Público, fundou a Seção de Terapêutica Ocupacional no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, Zona Norte do Rio de Janeiro, onde retomou sua luta contra as técnicas psiquiátricas que considerava agressivas aos pacientes.
Seu trabalho resumiu-se às intervenções através de pintura e modelagem em ateliês, possibilitando que os enfermos restabelecessem vínculos com a realidade por meio da criatividade, uma expressão simbólica, revolucionando a prática psiquiátrica adotada naquela época.
Parece que voltamos à estaca zero mais uma vez. É o que se pode dizer quando o assunto é a saúde mental. Como se não bastasse a perda da subjetividade, há, atrelado a isso, uma gama de questões que colaboram com posturas que negligenciam a pessoa e colocam a doença no centro da atenção, ao invés da pessoa, ou seja, o paciente!
O psiquiatra Franco Basaglia também preocupava-se com essa reformulação de posturas que adoecem tanto quanto a doença. Buscava ações como a de trazer a inclusão de pessoas excluídas. Ações como essa que se perderam em meio ao caminho, ao longo dos anos.
Mas, pensando bem, meu bem, ficou combinado que, por sermos resistência, ninguém soltará a mão de ninguém! Termino esse artigo com uma frase da Nise da Silveira que diz assim: “Não se curem além da conta. Gente curada demais é chata”.
Nesse sentido: Deus me livre de ser uma pessoa normal!