O Rio de Janeiro é a cidade brasileira com mais casos de tuberculose do século 21 e uma grande preocupação é a alta incidência na população das favelas e periferias. A pesquisadora infectologista Valéria Rolla, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI-Fiocruz), afirma que a doença já é uma endemia internalizada nas favelas, ou seja, todos os anos há em média o mesmo número – que nesse caso é expressivo – de infectados nesses territórios.
De acordo com os dados do Ministério da Saúde, a cidade carioca registrou 324 mil casos desde 2001. Só no ano de 2023, que ainda não acabou, temos 6.120 casos registrados no Rio, segundo os dados do Observatório Epidemiológico da Cidade do Rio de Janeiro (EpiRio). Bangu, na Zona Oeste, e Rocinha, na Zona Sul, apresentam os maiores índices de tuberculose.
A Rocinha, em especial, é uma preocupação do diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Jarbas Barbosa. Ele alertou que a incidência da doença na maior favela do país é dez vezes maior que a média do País, informou O Globo.
Paloma Monteiro, de 32 anos, é moradora do Jacarezinho, Zona Norte do Rio, e teve tuberculose ganglionar em 2020, ano em que o Rio registrou mais de 8 mil casos da doença em geral. “O primeiro sintoma foi um caroço dolorido no pescoço e febre, sempre no mesmo horário. Como a febre estava persistente, eu procurei o médico na primeira semana. A princípio pensavam ser caxumba, mas o caroço só ia aumentando e eu estava muito indisposta, com muitas dores nas pernas, mas sem tosse”, relembra.
Paloma contou que o diagnóstico foi feito em um mês na clínica da família de seu território e concluiu o tratamento de seis meses, que é o tempo necessário para a cura da tuberculose. Ela pontuou que começou a se sentir melhor em 15 dias e que é aí que muitas pessoas abandonam o tratamento, erroneamente.
De acordo com Renato Cony, subsecretário de Atenção Básica de Saúde do Rio de Janeiro, os números alarmantes estão diretamente associados à cobertura de saúde da população.
“Quando ampliamos a assistência e chegamos àquelas áreas mais vulneráveis, damos acesso às pessoas que já tinham as doenças, mas antes eram invisíveis às estatísticas. O município do Rio tem números altos de tuberculose porque temos hoje um serviço de saúde que vai a todos os lugares da cidade e enxerga esses pacientes”, comenta ele.
“Em 2008 tínhamos 126 equipes de saúde da família e 3,5% de cobertura. Hoje são 1.294 equipes e 57,29% de cobertura. Além disso, temos 13 equipes de Consultório na Rua e saímos de 4 equipes de Atenção Primária Prisional para 22, com 100% de cobertura de saúde da população carcerária”, explica o subsecretário.
Para a pesquisadora infectologista do INI-Fiocruz, Valéria Rolla, os altos índices de tuberculose no Rio não se devem somente ao aumento da cobertura dos serviços de saúde.
“O Rio tem comunidades localizadas em morros, o que dificulta o acesso não só dos próprios moradores, mas também dos agentes de saúde. Além disso, em dias de operação, por exemplo, as pessoas ficam sitiadas, sem conseguir sair de casa. Esse tipo de situação associada às aglomerações nos domicílios aumentam a transmissão e diminui a chance de cura dos que estão em tratamento e não conseguem manter a adesão”, explica Valéria Rolla.
“Toda comunidade tem um número de casos alto; as condições e localização da moradia são fatores que podem facilitar muito a transmissão. A pessoa transmite ao tossir, ao falar, ao espirrar e ao cantar (só olhar o vidro do telefone após uma conversa para ver as milhares de gotículas que são expelidas). Mas o aerossol (que é o responsável pela transmissão de muitas doenças incluindo TB) fica suspenso no ar durante horas e mesmo dias se não houver ventilação e luz ultravioleta.”, argumentou.
“O maior desafio que temos no tratamento de tuberculose é a adesão. Um número muito grande (em torno de 17%) abandona o tratamento e depois precisa recomeçar tudo do zero! Isso se não tiver adquirido resistência“, alerta a infectologista.
Tipos de tuberculose
A tuberculose pode ocorrer em qualquer parte do corpo, mas a forma mais comum e de mais fácil diagnóstico é a pulmonar, em que o diagnóstico é feito através de um exame de escarro e uma radiografia de tórax, exemplificou Valéria Rolla.
“Existe tuberculose pulmonar e extrapulmonar, que pode ser: ganglionar (chamado de íngua), pleural, óssea, cutânea, ocular renal, etc. Afinal, em qualquer local pode ter tuberculose e é uma causa também de esterilidade em mulheres quando os órgãos reprodutivos são acometidos”, comenta.
A infectologista pontua que toda tuberculose pulmonar é transmissível e as extrapulmonares, de forma geral, não são porque é necessário expelir a micobactéria (não é microbactéria) para transmitir.