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Um juiz contra o país inteiro

Dessa vez, a ordem de bloqueio partiu do juiz Marcel Montalvão, da cidade de Lagarto, um município do interior de Sergipe que tem cerca de 100 mil habitantes com a justificativa de que o aplicativo teria se recusado a cooperar com a investigação acerca do tráfico de drogas na localidade. O juiz esperava que o WhatsApp fornecesse a localização de onde mensagens eram enviadas pelos suspeitos, informações essas que o aplicativo simplesmente não tem: em respeito aos seus usuários, ele não guarda qualquer informação de mensagens trocadas ou de posicionamento geográfico dos mesmos. O aplicativo simplesmente não conta com o banco de dados que o juiz fantasiou existir.

A solução do Magistrado para a suposta “não cooperação” da plataforma de mensagens: a suspensão de suas atividades. Ficam claros, aqui, ao menos três pontos. O primeiro é a total desinformação do juiz acerca do funcionamento do aplicativo, que não possui os dados por ele buscados. O segundo é a falta de foco na resolução do problema: o objetivo da investigação em curso era desarticular atividades criminosas no município de Lagarto; como obter os dados do aplicativo não era possível, o juiz deveria focar na segunda melhor opção para resolver o problema. Ao invés de mobilizar o serviço de inteligência local para solucionar o problema, no entanto, ele optou por penalizar milhões de brasileiros, de todo lugar, por sua própria falta de criatividade em encontrar as informações necessárias. O terceiro ponto é a evidente distorção que o sistema jurídico brasileiro proporciona, permitindo a um juiz qualquer uma concentração superdimensionada de poder, abrindo margem para a tomada de uma decisão totalmente desproporcional.

A ordem de bloqueio do aplicativo é, além de inútil para resolver os problemas do juiz, absolutamente pirotécnica. Por sinal, a afeição de Marcel Montalvão pela pirotecnia é evidente: há alguns meses, por motivos semelhantes, ele deu ordem de prisão ao vice-presidente do Facebook na América Latina. Enquanto o juiz ganha cobertura midiática nacional por conta da desproporcionalidade de suas decisões, a criminalidade em Lagarto só aumenta. E, enquanto isso, uma multidão de brasileiros sofre com uma série de prejuízos, de todas as espécies. Punir o WhatsApp não soluciona os problemas a serem resolvidos.

Felizmente, na terça-feira, a decisão de bloquear o aplicativo foi revogada. Mas fica a indignação frente uma medida que é tão autocrática quanto impertinente. É desproporcional e incabível que um juiz de um município de 100 mil habitantes interfira nas atividades de um serviço que hoje pode ser considerado de utilidade pública para um país inteiro. Que tenha sido a última ocasião em que a liberdade do fluxo de informações no Brasil é comprometida por uma decisão egoísta, desinformada e descabida.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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