[Alerta de gatilho; tema: suicídio e saúde mental]
De acordo com o estudo “Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros 2012 a 2016”, do Ministério da Saúde e da Universidade de Brasília, a morte por suicídio entre jovens negros vem apresentando resultados preocupantes: em 2012, a taxa de mortalidade por suicídio foi de 4,88 óbitos por 100 mil entre adolescentes e jovens negros e a taxa de mortalidade por suicídio entre adolescentes e jovens brancos foi de 3,65 óbitos por 100 mil.
Mas será que esse cenário melhorou de 2012 para 2016? Não. Pelo contrário: a taxa de suicídio entre jovens negros aumentou 12%, alcançando 5,88 óbitos por 100 mil adolescentes e jovens negros em 2016, ao passo que no grupo de jovens brancos essa taxa foi de 3,76 óbitos por 100 mil, o que não representa um aumento significativo, estatisticamente, de 2012 para 2016.
Vamos a mais uma comparação:
“O maior risco [de mortalidade de jovens negros por suicídio] foi observado em 2016 onde a cada 100 suicídios em adolescentes e jovens brancos ocorreram 145 suicídios em negros; isto é, em 2016, o risco de suicídio foi 45% maior em adolescentes e jovens negros comparados aos brancos.” (p. 29)
No sexo feminino, a cada 100 suicídios em adolescentes e jovens brancas, ocorreram 123 suicídios entre as negras no ano de 2012. Em 2015, o risco de suicídio entre adolescentes e jovens negras foi 36% maior que entre adolescentes e jovens brancas. Em 2016, adolescentes e jovens negras apresentaram um risco de suicídio 20% maior que entre brancas.
Em uma análise dentro do grupo de jovens negros que cometeram suicídio entre 2012 e 2016, os dados mostram que meninos negros se suicidaram mais do que meninas negras, batendo uma média de risco de suicídio 5,5 vezes maior para meninos negros em comparação às meninas negras. Segundo o estudo: “na população negra adolescente e jovem, a cada suicídio no sexo feminino ocorreram, em média, seis no sexo masculino, entre 2012 e 2016” (p. 42).
Se cruzarmos as taxas de suicídio com dados do Atlas da Violência 2019 sobre homicídio, podemos notar que, além de negros serem as maiores vítimas novamente, também concluímos que o sexo masculino está mais vulnerável (especialmente dos 15 aos 29 anos), assim como é o grupo que mais comete suicídio:
“Observando especificamente o grupo dos homens jovens, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes chega a 130,4 em 2017. Dos 35.783 jovens assassinados em 2017, 94,4% (33.772) eram do sexo masculino.” (p. 27).
No que se refere à evasão escolar, também não temos dados otimistas em relação a jovens pobres e negros, especialmente do sexo masculino. Meninos negros e pobres são os que mais sofrem com problemas de repetência e abandono.
Apresentei todos esses dados em sequência porque tenho como hipótese principal de que o motivo do maior índice de suicídio entre jovens negros em relação a jovens brancos seja o conjunto de aspectos das desigualdades raciais, tanto no que se refere aos problemas no sistema de segurança pública quanto aos problemas educacionais (e outros).
Se, por um lado, nossa autoestima é colocada em risco em quase 24 horas por dia por conta de medos e inseguranças provenientes de um cenário nada favorável para nós, por outro, a autocobrança toma conta de nossos corpos e mentes como se, para nós, fosse proibido falhar já que é urgente que ocupemos e nos mantenhamos em outros espaços que não os reservados pela estrutura racista. E essa autocobrança excessiva também prejudica nossa autoestima e ativa gatilhos de ansiedade por vezes.
Conclusão de número 1: seja qual for a posição que tivermos, somos negros, somos pobres…o medo de tudo vir abaixo é enorme…no fundo, sabemos que esse medo existe. E o sentimos.
Conclusão de número 2: é difícil ter saúde mental que, sem cuidados, aguente a isso tudo.
Portanto, passou muito da hora de entendermos o quanto é URGENTE o cuidado com nossa saúde mental, com nossos afetos, especialmente com nós mesmos. E deixo aqui o apelo para que repensemos a ideia de masculinidade negra. Acho que os dados são taxativos quando mostram que a coisa tá pesada para o nosso lado. E podemos agir para mudar isso, seja para desagregar a figura do homem negro à imagem do “homem agressivo” e hipersexualizado ou para estimular redes de apoio/proteção entre nós. Laerte, colunista do Voz, traz um pouco esse debate de forma sensacional em um de seus artigos.
Tá tudo bem pensar que podemos chegar a lugares de prestígio. Podemos muito! Tanto podemos quanto estamos chegando cada vez mais. Então, segue firme! “Faz isso por nós”, como disse Emicida em seu último trabalho.
Ao mesmo tempo, tá tudo bem falhar de vez em quando (isso não tira seu brilho) e tá tudo bem “deixar ir” de vez em quando: nem tudo precisamos controlar. Na verdade não estamos no controle sobre quase nada (e fiquemos felizes com isso).
Eu sempre fui de querer controlar tudo, especialmente meus pensamentos. Hoje, trabalhando como professor da rede pública, essa vontade de controlar tudo (especialmente as ações) e de achar que sempre preciso fazer mais vem sendo colocada à prova como nunca antes. E venho notado que quase nada está sob nosso controle e a flexibilidade de aceitar isso com leveza pode nos levar a caminhos muito mais prósperos pessoalmente e profissionalmente. Não é nem um pouco fácil mas, preto, você consegue; preta, você consegue. Você é incrível, assim como nossos ancestrais que derramam lágrimas de orgulho por nos verem chegar até aqui.
Precisamos respeitar nossos sinais de “socorro” e os atender, assim como de nossos irmãos. Sinal de “socorro” tem cor: #AmarElo. Amemos nossos elos, conosco e com os que caminham ao nosso lado.
Antes que o sinal fique vermelho, acesse: https://www.cvv.org.br/ ou ligue para o 188. Se cuide. Faça terapia (é tão bom…experiência própria). Carinho especial com nossa saúde mental é poderosa ferramenta de resistência.
Ubuntu.