É o mês Internacional do Orgulho LGBTQIA+, uma data histórica para a comunidade porque, desde 28 de junho de 1969, em um bar em Stonewall, em Manhattan, Marsha P. Johnson, uma travesti, liderou as iniciativas contra as ações truculentas da polícia naquela noite, que ficou conhecida como a Revolta de Stonewall. Desde então, iniciaram-se movimentos em busca de garantia de direitos e cidadania, que se perpetuou durante décadas, inclusive no Brasil.
A resistência contra as opressões do Estado são históricas. Violência e negação de direitos à população LGBTQIA+ estão presentes na realidade de quem vive, por exemplo, em favelas. Porque não conseguem acessar tais direitos para a plena cidadania, seja por conta da evasão escolar, pela segurança pública e ausência de políticas de acesso ao emprego formal. Além da LGBTIfobia, esbarram no preconceito por conta de identidade de gênero ou pela discriminação por serem moradoras de favelas.
O primeiro contato com a LGBTfobia se dá na educação básica, com bullying, levando a sair ou ser expulso da escola ainda nos primeiros anos do fundamental. Lorena Clarindo, de 30 anos, travesti negra e moradora do Complexo do Alemão, diz que já sofreu discriminação nesse ambiente que deveria ser mais acolhedor. “Sofri muito bullying na escola e nas ruas da favela. Parei de estudar na 8º série para trabalhar”, contou. A moradora revelou que passou 9 anos no mercado de trabalho formal e que nunca sofreu preconceito ou discriminação, mas que, enquanto moradora de favela, nunca viu as políticas LGBTQIA+ chegarem. “Se não fosse as ONGs, eu não saberia ir até o juiz para mudar meu nome, não saberia que tinha direito ao médico… não saberíamos como agir.”
Para a educadora popular e mulher transexual, Nlaisa Luciano, os espaços educacionais não foram construídos para receber os corpos LGBTQIA+. “Muitos espaços não foram pensados considerando corpos ditos dissidentes”, além da população LGBTQIA+ estar muito atrás no que diz respeito à ocupação e permanência. “Vem de um processo no qual as favelas passam um período letivo onde muitas aulas são canceladas pelas constantes presenças de operações policiais, ou seja, já estamos desniveladas em relação a outra parte da sociedade”, revelou.
A política de segurança pública adotada pelo Estado nas favelas segue promovendo a morte da juventude negra, apostando no confronto, colocando todas as vidas em risco e violando os direitos humanos em operações policiais. A presença das forças de segurança colocam em dúvida o funcionamento das instituições e dos aparelhos governamentais. Michele Seixas, lésbica, moradora do Complexo de Alemão e especialista em direitos humanos, gênero e sexualidade, ressaltou que as operações policiais colocam a população em perigo constante. “Penso que, no contexto de favela, o primeiro ponto, que é emergencial, que ainda não conquistamos, e penso que nem tão cedo vamos conquistar, e que é obrigação do estado, é garantir a vida.”
Corpos LGBTQIA+ e mercado de trabalho
O mercado de emprego formal ainda se mantém distante para a população LGBTQIA+ de favelas, ainda mais durante a pandemia da Covid-19. Os casos de desigualdade e vulnerabilidade, como o desemprego e a falta de moradia, foram fortemente vivenciados por essa população. Michele afirma que a comunidade vem numa falta de emprego desde sempre e que se escancarou nesse período: “Isso se intensificou depois da pandemia, se não o “nós por nós”, muitos de nós teríamos passado fome.” contou.
Para compreender melhor essa realidade, a equipe do Voz foi conhecer o projeto Emprega Mina, na Maré, da Casa Resistência Lésbica, que existe desde 2022, e que atua desde a pandemia no acolhimento e atendimento a mulheres LBTs de favelas. Com encaminhamento para balcões de empregos, são recebidos currículos que são encaminhados para vagas em empresas parceiras.
Para Paloma Martins, coordenadora do Emprega Mina, as políticas públicas para inserção da população LGBTQIA+ não chegam nas favelas. “Os direitos chegam na teoria, mas na prática nunca acontecem”, contou. Que durante a pandemia houve mobilizações para distribuição de cestas básicas para as mulheres LBTs atendidas pela Casa, porque muitas dessas mulheres estavam desempregadas: “Muitas dessas mulheres chegaram aqui atrás de cestas básicas e, quando acabou a pandemia, ainda estavam sem emprego. Vimos a necessidade de criar e buscar parcerias para empregar essas minas.”
Atualmente, o Emprega Mina conta com parceria de empresas parceiras e da Fiocruz para cursos de formação e capacitação para o mercado de trabalho de mulheres LBTs de favelas. A Casa Resistência fica no Salsa e Merengue, na Maré, que não pode ter seu endereço revelado para preservar a segurança de mulheres expulsas de casa.
A identidade de gênero, muitas vezes, determina a exclusão de travestis e transexuais de processos seletivos, explica Paloma: “Quando encaminhamos uma pessoas transexual a empresa, apenas envio o nome, quando chegam lá, e dão conta que não é uma pessoa cisgênero, começa a problemática. Dizem que não se enquadra na vaga oferecia”, revelou. Dados do 1º Dossiê Anual de Violências LGBTI+ em Favelas, apontou que metade dos entrevistados já afirmaram já ter sofrido alguma forma de discriminação sexual ou de gênero durante o trabalho. Do número total, 53% dos entrevistados se declaram negros.
O que diz o poder público?
A equipe de Voz das Comunidades procurou o Rio Sem LGBTIfobia, que existe desde 2010, vinculado a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, para questionar como o Governo Estadual sobre políticas para a população LGBTQIA+ de Favelas. Questionamos como o programa atua para desburocratizar o acesso aos direitos, em resposta, Ernane Alexandre, Superintendente do Programa, contou ao Voz que o Programa atua através dos Centros Comunitários, com a contratação da equipe do próprio território para a simplificar os termos jurídicos e de difícil entendimento para o acesso aos direitos, como requalificação civil (mudança de nome). “A gente tem feito um trabalho de base. Isso se deve a própria equipe que vem da própria comunidade e da militância, além de contar com a linguagem própria da comunidade LGBTI.”
Um fator muito latente que apareceu durante a reportagem foi a questão relacionada à segurança pública adotada pela Secretaria de Segurança Pública. Com isso, questionamos a superintendência sobre quais garantias o programa oferece às pessoas LGBTQIA+ de favelas. Em resposta, Ernane revelou que no dia 17 de maio, o programa lançou uma cartilha que seria lançada na Cidade da Polícia para formação dos agentes da segurança pública. “Esse evento na Cidade da Polícia é extremamente importante, pois explica as especificidades da população LGBT, mas há um certa resistência na adesão às questões relacionadas à diversidade”, contou.
Perguntamos sobre as frequentes operações policiais que violam o direito dos moradores e os aparelhos localizados dentro das favelas, além de quais são as orientações e ações que o programa estabelecia nesses casos. “A política do programa vai de encontro à garantia do direito à vida, da equipe e dos profissionais. Quando acontecem essas ocorrências, nós pedimos para que fechem os aparelhos. Não atendemos, não acolhemos, para não colocar as vidas em riscos.” Afirmou também que: “Não é porque é um programa do governo que vamos dizer que está tudo bem. Fazemos um trabalho através do Programa em prol da comunidade, nas áreas de assistência, saúde, cultura e da não propagação da violência”, acrescentou: “Já tivemos que fechar, a pedido da equipe técnica, por mais de quatro dias, por questões relacionadas à segurança pública”, afirmou.
O Programa Rio Sem LGBTIfobia, em 2023, disponibilizou ao Voz dados sobre a situação Empregatícia das pessoas LGBTQIA+ que são atendidas. Os dados revelam que 35,7% estão desempregados. O perfil econômico se mostra da seguinte maneira: 16,7% recebem abaixo de um salário mínimo, 14,6% um salário mínimo e 12,8% não têm renda. Ernane nos contou que muitos perfis vivem em muitas vulnerabilidades financeiras e que estão no trabalho informal.
Os moradores LGBTQIA+ do Complexo do Alemão e Vidigal podem procurar atendimento nos seguintes aparelhos:
Disque Cidadania & Direitos Humanos: 0800 0234567
Sede do Rio Sem LGBTIfobia: no Prédio da Central do Brasil, Praça Cristiano Ottoni, S/N (Sala 706) – Centro. Telefones: (21) 2334-9577 / (21)2334-9578
No Centro Comunitário: Rua Marcelo Machado, 51 – Maré, Rio de Janeiro. Telefone: (21) 97175-9884