Por: Lucia Judice
Este ano, eu andei pelos bastidores do carnaval pensando em como esta linda arte popular é rica de gente! Enquanto todo mundo falava de enredo patrocinado por ditador, investimentos dos bicheiros, escassez de recursos e outro babados, eu tinha meus olhos pregados nas mãos ágeis dos aderecistas, das peruqueiras e das costureiras suando nos barracões da Cidade do Samba. As Escolas de Samba que entram na avenida para realizar os Desfiles são formadas quase todas por pessoas das comunidade de onde vêm. Gente simples que forma uma mão-de-obra de mais de 4 mil empregos diretos e uns 15 mil indiretos. E este espetáculo, que a gente simples de comunidades faz, rende bilhões para a indústria hoteleira, aumenta o fluxo de dinheiro em toda cidade e entope os portos de transatlânticos cheios de turistas. Na TV, mais de 1,6 bilhões de telespectadores, um sexto do Planeta, assiste. São tantos números que corro o risco de cansar você.
No aniversário do Rio, o que mais se vê na imprensa nacional e internacional são fotos de carnaval, futebol e das nossas praias. Todos, cenários onde quem faz a festa é o povo. É o colorido de gente que torce, que assiste, que enche as ruas de alegria e irreverência, enche as areias de beleza sem preconceitos.
Mas, como em todo aniversário, é importante rever o que deu errado e projetar um futuro que vai dar certo. No Rio, todas estas festas que as pessoas simples fazem, para inglês ver, rendem quase nada para as comunidades em si e muito para o comércio e as gestões que as cercam.
Faça um exercício de ficção: imagine que alguém toque uma sirene e todos nas arquibancadas desapareçam. Pessoas como Marcelo Nuba, 40, o Anjinho Negro do Flamengo (foto a cima) que não perde uma só parda do me que ama, sempre vestido de anjo da paz. Ele que enfeita as fotografias de uma das maiores torcidas do mundo, sobrevivente da chacina de Vigário Geral que se faz representar com uma das mais singelas mensagens: paz entre as torcidas! A cada Campeonato Estadual, seu me (um dos mais bem remunerados junto com Corinthians) chega a receber algo em torno de 120 milhões de reais por conta da merecida audiência que seus torcedores dão à emissora que faz a transmissão. Entretanto, Marcelo, que sumiria se a tal sirene fictícia tocasse e não houvesse mais torcedor, tem que batalhar por um simples ingressos de arquibancada, mesmo sendo um reconhecido mascote do me por toda mídia.
Embora os espetáculos tenham resultados similares para a cidade, muitos salários de jogadores chegam a custar por mês o valor que uma Escola de Samba assume para pôr sete carros alegóricos com 30 metros e mais de 3 mil fantasias na avenida, ao fim de um ano de trabalho. E, antes que você comece a falar que os salários milionários de futebol são um erro, a solução não é simples. Lembre-se que se um destes jogadores não entra no Maracanã, o me não ganha, a audiência cai e os milionários valores criam asas e tudo desaba.
Este exercício vale para tudo, neste nosso Rio de Janeiro. Suma com as comunidades apaixonadas pelo carnaval e me diga do que adiantará discutir se quem vai investir nos enredos tem dinheiro sujo ou limpo. Me diga o que será do carnaval sem pessoas como Tina Bom Bom, passista por vocação, professora de centenas de artistas que enfeitam as passarelas do samba, que borda sua própria fantasia quando faltam recursos em sua escola de Belford Roxo.
Esta é a esperança que vou nutrir na minha alma, para os próximos aniversários desta cidade. Que tudo que nela exista de bom seja bem patrocinado, muito respeitado e sempre venha, em primeiro lugar, a gente talentosa que a faz ser assim, uma Cidade Maravilhosa.
Lucia Judice foi diretora de Markeng de duas Escolas de Samba do Grupo Especial, é consultora de Responsabilidade Social do C.R. do Flamengo e professora multimídia.