Repense no elogio – #Opinião

A propaganda da Avon gerou polêmica, mulheres se identificando com princesas que condizem com seus padrões estéticos. “Prefiro esta princesa porque ela tem cabelo crespo”, “prefiro esta porque ela é corajosa”, disseram que não gostavam de ser elogiadas como princesas, devido ao sentimento de fragilidade inerente à palavra… Ah! Agora elogiar uma mulher como princesa é errado?! Que absurdo! Então mulheres têm que carregar cimento, tijolo, trocar pneu, fazer trabalho de homem! Se não quer ser chamada de princesa tem que fazer trabalho de homem!… É caro leitor, se esta fosse minha opinião, o jornal do Voz das Comunidades teria de se desculpar com você, por ter um colunista tão ruim em seu corpo de membros…

É isto que temos visto bastante nas redes sociais após a propaganda da Avon, e para quem não viu se trata basicamente de meninas dizendo com quais princesas elas se identificam mais pela cor da pele ou por atributos que geralmente são atribuídos aos meninos, coragem e etc. Os que me acompanham sabem que eu tenho um grave defeito, eu não sou de trazer muitos dados, de trazer muita ciência para defender minhas teses, mas gosto de falar na linguagem do povo, simples, gosto apenas de refletir para gerar reflexão. E eis que quero propor uma reflexão aos héteros, brancos, classe média e aos machistas em geral: Amigo da classe/etnia/gêneros privilegiados, você já estudou história? Se você estudou, deve conhecer Kant, Schopenhauer, Platão, Einstein, Rousseau, Henrique VIII, Dom João VI e etc. Deve saber quem foram os renascentistas, iluministas, protestantes, romanos, os grandes navegadores, os presidentes do Brasil e tantos episódios e feitos históricos escritos por homens que nas fotos do livro de história se parecem muito com você, têm um tom de pele branco e cabelo parecido com o seu.

Cite-me agora alguns negros ou mulheres que entraram para a história, não vale os clichês que todos nós decoramos: Luther King, Mandela, Nat King Cole, Escrava Isaura, Zumbi, eu quero de fato muito mais do que isto vindo da sua memória, quero que busque a fundo e iguale o número de ícones negros e brancos no seu hall de grandes personalidades da história. Você consegue? Não, provavelmente não. E onde eu quero chegar?

Quero que entenda que a propaganda da Avon foi uma grande crítica social. E o que ela tem a ver com as imagens dos livros de história? Ora, a sua perspectiva de identidade e de posição no mundo tem muito a ver com as personalidades dos livros de história, com a cor das pessoas de terno empoderadas que passam por você na calçada ou em carros importados na rua. Sim, uma simples cor presente em diversos contextos do seu dia, na sala do seu patrão, no escritório do seu advogado, no consultório do seu médico ou dentista, na imagem do seu livro de história e até mesmo na princesa de um filme da Disney constroem a sua perspectiva de identidade e posição no mundo.

Vivemos em um país de maioria parda, grande parte da população é negra, rivalizando em porcentagem com os brancos e, no entanto, contamos nos dedos os personagens negros em novelas, filmes, seriados e, quando o assunto se trata de papel protagonista… Esquece, muito raro de achar, até nem tanto, mas compare com o número de protagonistas brancos. Claro, compreendo que antigamente o público-alvo da classe artística europeia e americana eram homens brancos, afinal, tinham maior poder de consumo sobre a produção artística, mas se você nascesse negro, se sentiria no mundo com o mesmo valor de um branco? Então veja os filmes, as imagens dos livros de história. Se você nascesse mulher, se sentiria no mundo com o mesmo valor que um homem? Então olhe quem ocupa os cargos mais altos da empresa em que você trabalha, veja as imagens dos livros de história.

Então quando uma garota se identificar com o cabelo crespo de uma princesa, ótimo, para ela isto é tão importante quanto o fato de o Superman, o Homem-aranha, o Homem de Ferro, o Thor, o Wolverine e mil outros se parecerem mais com você. E quando uma mulher não quiser ser chamada de princesa por achar que a imagem de uma não condiz com a sua por ela querer aparentar coragem e outros atributos que não são tão personificados em personagens que são salvos por príncipes do topo de uma torre… Não é porque ela quer se tornar macho como um machista, mas é porque ela quer ter o prestígio que a sociedade convencionou a confiar ao homem. Lamentável, lamentável, lamentável… Repense no elogio, Princeso.

Esta coluna é de responsabilidade de seus autores e nenhuma opinião se refere à deste jornal.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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