Considerações sobre um turismo do afeto
POR: Wellington S. Conceição, Sociólogo. Doutorando em Ciências Sociais (PPCIS-UERJ). Articulador local do Solos Culturais no Complexo do Alemão.
Publicado originalmente no site do projeto Solos Culturais
Há poucos dias atrás, ao pegar um bondinho do teleférico em Bonsucesso para me dirigir a mais um dia de encontro do Solos Culturais Alemão, me deparei com uma situação até então inédita naquele trajeto que repito várias vezes na semana. Dois turistas portugueses no mesmo bondinho que eu (denunciavam sua origem pelo característico sotaque) eram abordados por funcionários da Supervia, que agradeciam a visita e davam uma série de recomendações. Indicavam que soltassem na estação Palmeiras (a estação terminal), tirassem fotos por 10 minutos e que depois tomassem outro bondinho para retornar a Bonsucesso.
Ressalto que a estação Palmeiras é pouco habitada e movimentada em seu entorno mais imediato, o que dificulta um contato com moradores e comércio local. Essas informações obtidas se juntavam a outras observações que sempre me inquietavam, como por exemplo, a ausência de restaurantes e bares no entorno das estações que pudessem atender aos possíveis turistas, que poderiam querer conhecer aquelas favelas.
Conversando com os jovens moradores de lá, descobri que o turismo que chegou ao Alemão foi um turismo pelo alto, ou seja, pela visão do bondinho, com uma lógica semelhante a dos safaris africanos, onde você observa o exótico de perto, porém protegido pelo veículo do qual você não deve sair.
Na mesma semana, conversava com um colega pesquisador, o antropólogo Gabriel Ferreira, sobre o turismo na favela Santa Marta, em Botafogo, onde pude deduzir a partir de seus relatos etnográficos que, apesar da crítica de alguns moradores, os turistas interagem com a população local: crianças servem de guia, comércios locais lucram com os visitantes e, por vezes, afetos são construídos (e, por vezes, conflitos também). Ao pensar o caso do Alemão, refleti que o acontecia lá era muito diferente: um turismo intenso, que o teleférico facilitou mas que colaborou para a manutenção da distância social e afetiva entre visitantes e moradores.
Os turistas portugueses olhavam para a favela vista de cima com um verdadeiro olhar de superioridade: estranhavam a presença do asfalto, espantavam-se com construções que lhe pareciam esteticamente agradáveis e rejeitavam a presença de piscinas construídas em algumas casas. O turismo “do alto” reifica hierarquias e estereótipos, reforçando para as favelas e a sua população as mazelas do preconceito, das quais tentam incessantemente se libertar no decorrer dos seus mais de cem anos de existência.
Esse tipo de turismo não possibilita conhecer os vários pontos afetivos (comércios, residências, instituições, casas, praças, becos entre outros) que, além de encantadores e transformadores, ajudam a difundir novas representações das favelas, da favela como potência, como produtora e difusora de cultura, como espaço de encontro para negócios e relações sociais. Por isso, os jovens produtores do Solos Culturais Alemão estão amadurecendo um projeto de intervenção, que pretende acontecer no centro da cidade do Rio e que quer privilegiar, para os circulantes, o turismo de contato, simbolizado pelo mototáxi (definido pelo grupo como grande facilitador cultural das favelas), contrastado pelo turismo de distância que o modelo do teleférico difunde.
A ideia é mostrar que o Alemão visto de longe (pelo teleférico ou pela novela) não dá conta da sua realidade, que é mais ampla, rica e complexa. A ideia desse projeto é fazer um convite: “quer ser turista no Alemão? Conheça os pontos afetivos – vá de mototáxi”. O objetivo não é privilegiar um tipo de transporte, mas inaugurar uma nova era de relações entre moradores e visitantes.