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Quando crescer: Crianças sonham e profissionais do CPX e Vidigal incentivam através do exemplo

Reunimos crianças de diferentes idades para falar de seus sonhos e mostramos exemplos de profissionais da favela
Foto: Josiane Santana / Voz das Comunidades

Por Ana Clara Pertile e Andrezza Paulo

Outubro é o mês de celebrar os pequenos. Ser criança é sinônimo de inocência, diversão, sorrisos, abraços, de aventura, imaginação e, claro, de sonhos. Neste mês especial, o Voz das Comunidades fez uma pergunta importante para crianças do Complexo do Alemão: O que elas querem ser quando crescer?

Isabelly Regina tem 6 anos e mora na Nova Brasília com os pais e os irmãos. Caçula da família, ela tem consciência do que quer ser no futuro: 

“Meu sonho é que todas as crianças pudessem ser cuidadas. Quero ser babá quando crescer, porque eu gosto muito de crianças. Na minha escola, tem crianças malvadas, mas do mesmo jeito eu gosto delas. Elas são minhas melhores amigas! A gente brinca, conversa e sentamos juntas todos os dias”, conta. 

A menina também demonstra preocupação com a sociedade e apresenta outra função que gostaria de exercer. “Também queria ser médica para cuidar da saúde de todos os meus amigos e dos adultos. No outro dia, eu fui tomar vacina e vi pessoas doentes lá e eu fiquei tão triste que queria ser médica”, continua a menina.

O sonho de Isabelly de ver as crianças cuidadas e a vontade de ser babá expõe uma das atividade mais antigas do país: o cuidado. No Brasil colonial, a função aparece na figura das mulheres escravizadas que exerciam o papel de amas de leite ou ama-secas (as cuidadoras do período pós-amamentação), cuidando dos filhos das sinhás. 

Nos séculos 19 e 20, elas passam a ser reconhecidas como governantas. A partir da década de 1950, surge a figura da babá com a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Hoje, a falta de vagas nas escolas é um fator importante na contração dessas profissionais. Só em 2023, 13 mil crianças com menos de 6 anos ficaram sem vaga nas creches e escolas municipais do Rio de Janeiro. 

Sandra Ferreira, 45, é moradora do Vidigal e trabalha como babá. Antes, ela trabalhava como manicure, mas na pandemia, perdeu o emprego e ficou sem ter como sustentar sua filha. Uma amiga ofereceu trabalho cuidando de crianças e hoje, Sandra não se vê sem elas: 

“Os salões fecharam e não tinha dinheiro pra me manter. Mãe solo, com uma filha na época de 7 anos! E então uma amiga muito querida, a Sara do Alto, me arrumou meu primeiro emprego de babá. De lá, não parei. Fui conhecendo pessoas e cuidando de crianças cada vez mais novas. Até meu último amor, que tinha 1 mês de idade e agora vai fazer 4 anos. Estou na casa de dois irmãos, cuidando de uma menina de 6 anos e o irmão que vai fazer 4. Descobri com as crianças como ser paciente e brincalhona. Eu adoro as crianças e me divirto muito com elas”, diz Sandra. 

Jogando com as palavras

Outra profissão fundamental para a cidade e para a favela é a de eletricista, que tem seu dia celebrado no dia 17 deste mês. 

Luciano da Silva é profissional da área no Complexo do Alemão. “Exercer essa função na minha comunidade hoje é satisfatório e tem campo de trabalho. Meu conselho é ser profissional e ser a pessoa que faz um trabalho que contribui com a comunidade. Tente buscar o que é melhor pra você, faça cursos e busque experiência profissional”.

O eletricista Luciano da Silva, conhecido como Lolo, já concluiu mais de 8 cursos na área e enfatiza a importância de se profissionalizar
Foto: Josiane Santana / Voz das Comunidades

O Sr. Lolo, como é conhecido, explica que teve a oportunidade de estudar há quase 20 anos e isso mudou sua vida: “Sou eletrotécnico desde 2005. Fiz o segundo grau técnico, uma empresa confiou em mim, pagou meu curso pelo SENAI, investiu em mim e hoje eu tenho 8 cursos na área elétrica”, conta o profissional. 

Embora os sonhos e desejos de cada criança sejam diferentes, ao perguntarmos, todas surpreendem sendo decididas e incisivas naquilo que querem. “Meu sonho é ser jogador de futebol! Eu jogo desde os três anos, driblo todo mundo, faço gol e já ganhei várias medalhas”, conta Enzo Gabriel Saldanha. 

O menino de 6 anos, morador da Fazendinha, respondeu que gostaria de ser jogador de futebol ou professor de inglês, sem hesitar nenhuma vez. O futuro jogador continuou discorrendo sobre seus planos futuros, que vão desde ganhar prêmios e ser camisa dez até ajudar a avó e a mãe.

O lateral esquerdo da Fazendinha faz sucesso na escolinha de futebol e traça os caminhos pro sucesso
Foto: Josiane Santana / Voz das Comunidades

“(…) eu quero muito jogar como camisa dez e ganhar o prêmio do gol mais bonito, jogar na seleção e também ajudar o mundo, minha vó e minha mãe”. Questionado sobre uma outra opção de profissão, Enzo contou que seria professor de inglês. “Em segundo lugar, eu quero ser professor de inglês, porque o tio da minha escola é muito legal. Ele ensina coisas legais e eu gosto de aprender assim”, finalizou. 

Beatriz Tavolaro, de 26 anos, moradora da Pedra do Sapo, é professora de inglês na ONG Talentos do Morro. Após se formar no curso, conquistou o diploma de professora e enxergou no novo idioma uma forma de mudar a realidade das crianças da favela. 

“Junto com a coordenação da ONG trouxemos essa oportunidade de aprender uma nova língua, um idioma internacional, que resulta em uma abertura de portas para a vida profissional e também cultural”. E a educadora continua contando como essa profissão é importante para os alunos: “Meu objetivo é fazer com que as crianças, por meio de trabalhos lúdicos; oficinas de corte e colagens; e com as aulas comuns possam entender que existem vidas e lugares fora da favela e que eles podem começar daqui de dentro”. 

Sonhar e realizar

É extremamente importante lembrar aos mais novos que o lugar onde eles estão agora não precisa ser o mesmo onde estarão a vida toda. E é exatamente isso que Vanessa Souza, moradora da Nova Brasília, sempre ensina à sua filha Anne Beatriz, de 12 anos. Que é preciso acessar outros lugares e lutar pelos seus sonhos! 

Beatriz, mais conhecida como Anne Bellize, com autorização de sua mãe, já teve diversos trabalhos, todos eles informais. Já foi empreendedora de bijuterias, modelo, dançarina, mas o sonho da pré-adolescente é dividido em três partes: ser atriz, empreendedora e modelo fotográfica. 

Anne Bellize, além de realizar os trabalhos como modelo fotográfica atualmente, estuda na escola tradicional de teatro O Tablado
Foto: Josiane Santana / Voz das Comunidades

A menina não só sonha, como já exerce parte dessas profissões. Ela nos contou que após achar uma Barbie parecida com ela e fazer um ensaio fotográfico, o sonho de ser modelo começou a se tornar realidade. “(…)fiz um ensaio fotográfico com o meu vestido, porque eu consegui encontrar uma barbie parecida comigo e minha mãe pediu pra fazer o vestido da boneca parecido com o meu. A gente fez as fotos para termos como lembrança e acabou viralizando”. 

Anne além de se preocupar com os lugares que quer ocupar na sociedade, também pensa no dia em que seus sonhos vão possibilitar uma transformação do mundo. “Eu sonho com um mundo melhor, sem preconceito, onde todo mundo tenha os mesmos direitos, independente da cor da pele ou da classe social. Porque aqui dentro da favela tem muitos talentos, mas ficam escondidos por não encontrar as oportunidades”.

A arte da transformação

Mudar a realidade por meio da arte e da cultura não é algo de agora, porém enxergar o teatro como instrumento dessa mudança, é. O teatro nas favelas do Rio de Janeiro emergiu como uma forma de expressão cultural e resistência social nas últimas décadas. A partir dos anos 1980, artistas começaram a utilizá-lo como uma ferramenta para abordar questões sociais, refletindo na arte as realidades das favelas.Resultando, assim, em cada vez mais espaços sendo ocupados por favelados e escolas artísticas abrindo vagas para os alunos de origem pobre. 

É isso que aconteceu com Mayara Mota, atriz profissional de 23 anos e moradora do Aterro no CPX. Ela que ingressou na escola de teatro Miguel Falabella por conta de uma bolsa. A atriz relata sobre a realidade de se enxergar a arte profissão e não apenas como um hobby.

“Eu sempre fui uma criança muito artística, participava de dança das oficinas. Fiz danças urbanas e com 15 anos, ingressei na Escola de Teatro Miguel Falabella. Minha primeira peça foi a ‘A vila como ela é’ – o teatro lotou e depois disso, a gente foi só crescendo. (…) eu comecei a me ver profissionalmente como atriz, quando entramos em temporada em julho do ano passado com a peça “Comédia do subúrbio”. Tinham mais de 500 pessoas na estreia e atingiu mais do que a capacidade”.

Mayara é atriz profissional, ingressou na Escola Artística Miguel Falabella e estreou em peças como “ A vila como ela é” e “Comédia do Subúrbio”
Foto: Josiane Santana / Voz das Comunidades

Mayara disse que não é fácil, mas é uma realidade que a deixa feliz, mesmo sabendo que ela precisa trocar algo de diversão para ensaiar e trabalhar. “É uma realidade muito complicada. Os ensaios são árduos, o valor que a gente recebe não é muito, então ainda não consigo viver só do teatro. Porém é uma felicidade muito grande trabalhar e viver com o que você ama fazer, e também ver os mais novos chegando com essa mesma garra”.

O que as crianças sonham, imaginam e verbalizam de ser quando crescerem está diretamente ligada com a representatividade que elas têm por perto, seja na televisão, na família ou na internet. Exemplos como os de Sandra, Luciano, Beatriz e Mayara não só corroboram para que os pequenos venham com mais vontade, mas também abrem os caminhos para eles seguirem.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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