O Favelagrafia conquistou o Rio de Janeiro e diversas cidades brasileiras através da fotografia. Cerca de nove fotógrafos registram o cotidiano de suas comunidades utilizando apenas um iPhone e muito talento. Tem como foco eternizar as histórias de moradores que vivem nas favelas cariocas, realçar sua beleza e exibir o lado positivo e distante daquele que a mídia tradicional divulga. Os integrantes são moradores do Morro do Borel, Santa Marta, Morro da Mineira, Complexo do Alemão, Providência, Cantagalo, Babilônia, Rocinha e Morro dos Prazeres.
O projeto repercutiu e adquiriu mais visibilidade após uma publicação nas redes sociais. A foto com jovens segurando seus instrumentos musicais representando uma arma, gerou muitos elogios e divulgações dos internautas e alguns artistas, como Isis Valverde, Jorge Aragão, Caio Blat, entre outros. Anderson Valentim é o fotógrafo que registrou e compartilhou a importância da arte nas favelas. Os jovens Márcio Santana, Israel, Misael, Gilson e Matheus Silva procuraram um futuro melhor através da música, longe do caminho das drogas ilícitas e da criminalidade. Todos os membros são amigos de Valentim, e tocam na mesma banda, a ‘Slim Afrikan’.
Anderson conta que se surpreendeu com tamanha repercussão e que sua intenção era apenas passar uma mensagem de amor e paz nas comunidades, e acabar com os rótulos de que na favela existe somente a violência. O carioca de 34 anos, relembra bons momentos de sua infância ao andar por becos e vielas fotografando o dia a dia no Morro: “Eu sempre amei o Borel, amo o Morro. Apesar dele ser famoso pela violência, aqui você pode chegar a qualquer hora que não terá nenhum problema. Ele tem uma história linda, as pessoas são boas com as outras. E tem uma galera excepcional aqui, de artistas trazendo os traços no sangue, do universo da arte, não só do samba, mas de tudo. O Morro é espetacular.” O fotógrafo afirma que o atual objetivo do projeto é crescer cada vez mais e alcançar outras comunidades do Rio de Janeiro.
Entre os dias 05 de novembro e 04 de dezembro, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM) recebe a exposição “Favelagrafia”, resultado do projeto de mesmo nome, criado pela NBS Rio+Rio com o objetivo de trazer um novo olhar sobre as favelas, através de seus moradores. Cada fotógrafo terá em torno de 20 imagens selecionadas, dispostas em vielas fotográficas, que compõem a exposição no MAM.
As obras foram escolhidas pelos próprios fotógrafos junto ao curador da mostra, André Havt, Diretor de Arte da NBS e um dos idealizadores do projeto, respeitando o conjunto da linguagem e a linha de trabalho de cada fotógrafo. “O mais interessante durante este processo é ter a certeza que estes nove fotógrafos são artistas em potencial que estão se credenciando para serem olhados pelo mundo. Tem sido fantástico poder acompanhar e contribuir para a evolução do olhar deles. Como também tem sido igualmente fantástico aprender a desconstruir meu olhar com cada um deles”, diz Havt.
Para a diretora da NBS Rio+Rio, Aline Pimenta, o sucesso do projeto é fruto da dedicação e competência de cada um dos participantes. “Os nove fotógrafos selecionados para o Favelagrafia representam perfeitamente o potencial e o talento das favelas. A exposição no MAM coloca holofotes nestes talentos, desconstruindo a imagem estereotipada que a sociedade tem sobre a favela”.
Ygor Raphael, bailarino e morador do Complexo do Alemão. Foto: Josiane Santana
O jornal Voz da Comunidade conversou com Josiane Santana dos Santos, integrante do Favelagrafia e moradora do Complexo do Alemão. A carioca conta que no ano de 2013, trabalhou para um projeto da prefeitura do Rio de Janeiro e em algumas das gestões havia vagas de cursos para a comunidade. Ela logo se interessou e se inscreveu no curso de fotografia, onde se tornou funcionária e aluna também. Santana relembra momentos de depressão e afirma que a fotografia chegou como uma cura em sua vida, desde então seguiu estudando e comprou sua câmera fotográfica. Participou do curso de fotografia do Voz da Comunidade em parceria com a UNISUAM e o CRJ Alemão, em 2015. Atualmente ela trabalha com books, e segue colaborando com alguns coletivos no Alemão e na Maré. Também exercer a profissão em intervenções artísticas e culturais, e para o ‘Favelagrafia’.
Josiane ingressou na faculdade de jornalismo por consequência do seu amor pela fotografia. Ela conta das novas conquistas adquiridas através do novo projeto: “Essa exposição no MAM é algo que nos deixou muito felizes. Na verdade, nunca imaginei isso em minha vida. Uma mulher favelada expondo suas fotos no MAM. Acredito que o Favelagrafia tem tudo pra ser exibido sim em outros países. O projeto está evoluindo bem, acho que todos os fotógrafos e inclusive eu, estamos conseguindo derrubar essas barreiras e mostrar um outro lado. Um lado riquíssimo e super positivo que essas favelas possuem e que superam todas essas coisas ruins.”
Moradora do maior conjunto de favelas cariocas, mãe e determinada, Josiane Santana tem orgulho da comunidade em que nasceu. Reconhece que sua realidade não é a mesma daqueles que nela vivem, pois reside nos acessos, na famosa “pista”. Mas afirma que ama fotografar a favela e mostrar quantas possibilidades e potencialidades ela tem. E vive a mesma dor que todos os moradores, preocupações e sonha com um futuro melhor para a comunidade.
Quando questionada sobre a mensagem que o projeto pretende transmitir aos moradores de dentro e fora das favelas do Rio de Janeiro, ela ressalta a importância de mostrar a realidade. Desconstruir as “maquiagens” em todos os fatores: “Sabemos que a vida dentro de uma comunidade não é fácil, e que não há interesse por parte do governo em mudar para melhor a vida desses moradores. A mídia também ajuda na montagem de uma imagem de que está tudo “perfeitamente sob o controle” para quem está de fora. Nós vamos lá e fotografamos a verdade no interior desses becos. A falta do saneamento básico, da acessibilidade, mobilidade e moradias precárias. Mas também mostramos que mesmo com todos esses problemas, tem um povo que resiste, cheio de vida e de alegria. Que não abaixa a cabeça diante das dificuldades. Que dentro das favelas tem uma juventude produzindo, estudando, fazendo a diferença. Tem arte, tem cultura, tem música, tem festa. Favela vai além de tiro, violência e tristeza”, concluiu Josiane, afirmando ao jornal Voz da Comunidade que o Complexo do Alemão recebeu o projeto de uma forma positiva.
O Favelagrafia é incentivado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, através da Secretaria Municipal de Cultura, idealizado pela NBS Rio+Rio, com realização da ISL Produções e patrocínio do Consórcio Linha 4 Sul.
A exposição será gratuita e durante este período, serão apresentados também um livro e um site documentando o projeto, trazendo o perfil dos fotógrafos e seus dados para contato. Algumas das fotografias a serem expostas também já estão disponíveis no Instagram @favelagrafia, que compartilha alguns momentos do projeto.