Projeto Orquestra Bela Oeste dá outro tom para a relação entre civis e militares na Vila Kennedy
No meio da tarde de uma quarta-feira de inverno com sensação térmica de deserto, no Teatro Mário Lago, na Vila Kennedy, Zona Oeste, uma orquestra heterogênea até na média de idade dos integrantes tocava músicas como o forrozinho “Eu só quero um xodó” e o animado tema do filme “Piratas do Caribe”. A exibição arrepiou até quem se amarra num funk e torce o nariz para música clássica. Era mais um dia de ensaio para o Projeto Orquestra Bela Oeste.
A orquestra foi fundada ano passado, graças ao reencontro casual, na fila de uma loja de decoração, entre Binho Cultura, escritor e cientista social, e Carlos Pimenta, músico e atualmente reserva da Polícia Militar. Pimenta é padrinho de Binho e chegou a ser maestro dele. Os dois eram moradores de uma comunidade vizinha, a Vila Aliança.
No encontro inesperado, depois de pedir a benção, Binho já foi ao assunto sobre a orquestra. Contou que esse era seu sonho, que ao produzir uma festa literária procurou um grupo para tocar na abertura do evento e não encontrou nada. Pimenta respondeu que tinha tentado o mesmo projeto na Vila Aliança há um tempo, mas não havia conseguido. Também era o sonho dele.
Mas como “sonho que se sonha só é só um sonho e sonho que se sonha junto é realidade”, Pimenta lançou para Binho as palavras que marcariam a criação da Orquestra Bela Oeste. “Eu sou capitão músico da Polícia Militar, subcomandante da companhia de músicos. A nossa banda é a primeira e uma das melhores do Brasil. Os meus homens estão à sua disposição. Os professores serão os músicos da banda sinfônica”.
Além do grupo musical, nasceu uma relação em que, nas palavras de Binho, “a polícia baixou as armas e pegou nos instrumentos”. Em contra- par da, os professores viram cair por terra as munições de preconceito com “os canas”. “No início os alunos tomam um susto, porque vários fatores colocam um muro entre a polícia e a sociedade. Agora eles dizem: ‘ele é policial, mas é um cara legal’”, diz Ricardo Moreira, um dos cinco professores do projeto.
O passo seguinte foi definir um lugar para a orquestra: a comunidade Vila Kennedy. O espaço: Teatro Mário Lago, do estado. Depois vieram as parcerias com a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), que abraçou a ideia e cedeu um dos professores, Thiago Brito. E a mais importante: com escolas municipais da região, para divulgar a iniciativa. “Os alunos se surpreendiam quando a gente dizia que os músicos eram policiais”, recorda Binho.
Com um currículo com apresentações como a da inauguração para autoridades, com a presença do ex-secretário de segurança, José Mariano Beltrame, um concerto da paz, além dos ensaios, o grupo se prepara para o próximo dia 30 de outubro. A Orquestra Bela Oeste vai abrilhantar a comemoração do aniversário do Bangu Shopping.
Da turma de artistas, um é Dandara Caroline,19 anos, e outro Walker Pereira, de 22. No caso dela, quando não está nos ensaios é jovem aprendiz como caixa de supermercado. Já ele é frentista em um posto de gasolina. Os dois conheceram o projeto de maneiras diferentes, mas são unidos pelo amor à música. Falam em coro – sem nem necessidade de ensaio -: “Somos uma família!”. Ela quer ser regente e toca violino com uma leveza que só compete com a beleza do seu sorriso tímido.
Walker toca saxofone, que conseguiu comprar depois de muito tempo trabalhando. “Consegui comprar, trabalhei muito, ralei demais para ter o meu”. Dandara, que vai prestar vestibular para música este ano, concorda com Walker quando diz que o projeto mudou a visão deles sobre o policial militar. “Antes nós não confiávamos nos policiais; hoje a gente vê que eles são pessoas honestas”, afirma Dandara.
Esse é um dos motivos para Walker querer que a Orquestra ganhe visibilidade. “Não por vaidade, mas para as pessoas verem o valor disso, dos nossos professores policiais. Eles são homens, pais de família, filhos, pessoas iguais a nós”. Vencida a batalha do preconceito contra os homens de farda, o inimigo maior é outro. O desafio de manter a orquestra no meio da crise e sem financiamento privado. Pimenta conta que uma parte dos instrumentos são próprios, a outra eles conseguiram com uma doação de um comerciante local. “A gente tem dificuldades enormes. Algumas vezes falta água, copo descartável. Com a única doação de R$ 5 mil do patrão de um dos alunos, conseguimos comprar um violino, flauta, estante, cadeira, impressora. Não tínhamos nada disso”.
Mesmo depois da criação da orquestra, Binho não parou de sonhar. “Agora queremos ir ao programa Encontro com Fátima Bernardes para falar da aproximação da polícia com a favela através da música e, assim, virar uma referência, para que outros batalhões no Brasil inteiro possam dar esse passo”. Com o objetivo de construir uma relação humana e de harmonia entre a favela e a polícia, a Orquestra Bela Oeste vive, na prática, o sonho de todos os moradores de comunidades.