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OPINIÃO – Revolucionário é ouvir mulheres negras com atenção

Foto da 1ª edição do torneio “Singulares”, idealizado pelo Slam das Minas SP.

Uma cultura, criada por homens negros de periferia, que falava e ainda fala,para outros homens negros de periferia. Essa definição poderia ser  bastante apropriada quando o assunto é o hip-hop, seja na gringa ou no Brasil. 

Levando em conta apenas o senso comum que foi construído nas mentes dos fãs de rap, onde somente figuras masculinas são lembradas como ícones do estilo musical, não há erro algum na afirmação anterior. Na verdade, erro não é o termo mais apropriado para essa situação, o que já não é o caso com a palavra manipulação

Os 5 Furiosos, um dos primeiros grupos de hip-hop dos Estados Unidos. 

Assim como a maior parte da história mundial é manipulada para que os importantes papéis exercidos por pessoas negras não sejam tidos como suficientemente relevantes, o mesmo acontece com a cultura hip-hop, mas de maneira diferente. Nesse gênero musical, as vítimas de apagamento histórico são as mulheres negras e o seu protagonismo no estabelecimento do que para muitos se tornou uma filosofia de vida. 

Desde o seu surgimento na Nova Iorque de 1970 até sua chegada ao Brasil da década de 1980, um comportamento consistente no universo que envolve o rap é o de subestimar mulheres pretas. Antes de tudo, é necessário fazer o recorte de raça, além de falar só sobre gênero. O hip-hop é mais um produto do brilhantismo de pessoas pretas que conseguiram utilizar sua criatividade para inventar mais uma forma de arte que, de certo modo, as ajudasse a combater os vários problemas sociais que sofriam (e ainda sofrem), como o encarceramento, a desigualdade socioeconômica e as altas taxas de homicídio. Esse é um bom momento para trazer um conceito defendido pela autora Djamila Ribeiro em seu livro Lugar de Fala, o da escala de privilégios de acordo com  gênero e raça. 

É o seguinte: em nossa sociedade existem pessoas que são mais e menos privilegiadas de acordo seu gênero (masculino ou feminino) e raça (que, neste caso, se restringe a negros ou brancos). Nessa escala, homens brancos encontram-se no topo, seguidos pelas mulheres brancas, que estão acima dos homens negros e, em último lugar, estão as mulheres negras. 

Mulheres do partido dos Panteras Negras, movimento anti racista americano da década de 1960.

A base sofre ação intensa tanto do machismo quanto do racismo e, por isso, é a classe menos favorecida dentre todas. Isso explica a facilidade com que essas mulheres são esquecidas pela história em qualquer âmbito. Mas o foco aqui é o hip-hop. Quantas MCs  negras você conhece? O número total ultrapassa os dedos de duas mãos?

A primeira rapper brasileira de quem se tem notícias é Sharylaine, que também fez parte do primeiro grupo feminino de rap: o Rap Girls, formado lá em 1986. Além disso, a paulistana também é uma das fundadoras da Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop, coletivo que atua em mais de 15 estados pelo Brasil. Saudade  é uma das músicas da MC que entrou para a história do rap nacional como um de seus mais importantes capítulos. 

VÍDEO:

LEGENDA: Música Saudade da rapper Sharylaine.

E a contribuição feminina não termina por aí! Conquistando um público cada vez mais novo através de seus versos nos mais recentes vídeos da série “Poesia Acústica”, Negra Li foi uma das principais agentes na popularização da cultura hip-hop por todo o Brasil, com seu hit Você Vai Estar Na Minha (2006). Os mais de 20 anos de carreira da cantora são cheios de história para contar, desde seu início como integrante do grupo de rap RZO até suas participações em músicas de artistas como Akon, Belo e Charlie Brown Jr. Lauryn Hill abriu caminhos para um novo estilo de rap nos Estados Unidos, aquele mais cantado mas com rimas potentes, e Negra Li fez o mesmo no Brasil. 

Bacharel em Direito reconhecida pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Eliane Dias trabalha por trás das cortinas, se certificando de que tudo corra bem para que seus artistas brilhem no palco. A paulista do Capão Redondo comanda a gravadora Boogie Naipe, que cuida de artistas como o grupo Racionais MCs, Mano Brown e a rapper Alt Niss. 

Ela foi uma das responsáveis pela volta do Racionais ao estúdio, após 12 anos sem lançar nenhum disco novo, que rendeu o álbum Cores e Valores (2014). Uma curiosidade sobre a empresária é ela quase ter se tornado a primeira vice-presidente negra da história do Brasil, na chapa da ex-deputada estadual Manuela d’Ávila (PCB), durante as eleições de 2018. Sonho não realizado por causa de todas as responsabilidades de Eliane como gestora de negócios e mãe. 

Eliane Dias. (Foto: Lucas Tomaz Neves)

Resgatar e divulgar as histórias dessas mulheres é essencial. São contribuições grandiosas demais para ficar nas sombras da história. Ignorar ou não buscar conhecer esses relatos é o mesmo que não apreciar o hip-hop da maneira correta. 

Em um cenário atual que conta com nomes como Karol Conká, Tássia Reis, MC Stephanie, MC Martina, Rimas & Melodias, Drik Barbosa e muitas outras mulheres negras das mais talentosas, não acompanhar seus trabalhos deveria ser motivo de vergonha para os fãs da cultura hip-hop. 

Além disso, a visão de que é possível combater opressões motivadas por gênero, classe ou sexualidade, sem falar sobre raça é inocente demais. Afinal, é como diz a ativista do movimento negro americano Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta junto com ela”. 

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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