ARTIGO DE OPINIÃO: Durante a campanha presidencial em 2018, o então candidato Jair Bolsonaro prometia, para a área da Saúde, ações planejadas com foco em “eficiência, gestão e respeito com a vida das pessoas”. O trecho entre aspas está em seu programa de governo, um documento de 81 páginas em fonte grande com muitas intenções e poucas propostas. Exatos dezessete meses após a sua posse, o agora eleito Bolsonaro demonstra toda a sua noção de “respeito com a vida das pessoas” desprezando a pandemia do novo coronavírus, que se instalou no Brasil a partir do fim de fevereiro para, em apenas três meses, elevar o Brasil a novo epicentro da doença no mundo.
Enquanto o país caminha rumo ao abismo, o presidente de íntimas e perigosas ligações com milicianos e assassinos de aluguel parte para a briga com os moinhos de vento que estiverem por perto. Ainda que boa parte dos combates fosse muito mais um jeito de jogar para a galera que o elegeu, uma barulhenta e raivosa manada que o trata como deus, Bolsonaro sempre viu nos tensionamentos um jeito de proteger os próprios filhos, enrolados, cada um à sua maneira, com investidas policiais.
O primeiro foi Flavio, o zero-um, flagrado lavando dinheiro em lojas de chocolates e financiando a construção de prédios controlados pela milícia na zona oeste do Rio, deixando toda a operação na mão de Fabricio Queiroz, miliciano e amigo da família presidencial há três décadas. O segundo foi Carlos, o explosivo zero-dois, a quem se atribui o controle do chamado Gabinete do Ódio, um espaço montado na sede do governo federal e a metros da sala do pai para criar e destruir adversários políticos, os tais moinhos de vento de que Bolsonaro precisa para seguir existindo. Para manter os filhos longe da cadeia, Bolsonaro grita, ofende, tira o foco, interfere em órgãos independentes como a Polícia Federal e compra briga até com Sergio Moro, o ex-juiz que virou ministro e agora não é absolutamente nada.
E também foi a briga com um ministro, no caso o da Saúde, que fez Bolsonaro passar ao mundo a imagem de um governante incapaz de entender o que representa. Luis Henrique Mandetta foi demitido do Ministério da Saúde em 16 de abril; seu substituto, o lobista de planos de saúde Nelson Teich, durou 28 dias no cargo. Desde então, o país agoniza vendo uma curva de contágio da covid-19 disparar e matar mais de mil brasileiros por dia, alcançando nesta segunda-feira (1) a marca de 525.307 infectados, com um total de 29.777 pessoas mortas, fora as subnotificações.
(Aqui, um parêntese. Esses números são ainda mais desesperadores em favelas e periferias, espaços historicamente violentados pelo descaso do Estado e pelo oportunismo de quem nos governa. Em espaços pequenos e cheios de gente, o contágio dispara – logo, as mortes idem. E quando ela, a morte, não vem pelo coronavírus que o Estado não enfrenta, acaba chegando pelo tiro que o mesmo Estado dispara na favela contra tudo o que se mexe, incluindo crianças. Fecha parêntese.)
O fascismo, uma complexa ideologia que prega o extermínio das diferenças a partir do que pensa o ditador que o promove, é o novo quadro em uma parede verde-amarela prestes a desabar. No último domingo (31), diversos atos país afora marcaram um confronto que há muito tempo não era tão claro. Se as minorias já são assassinadas como moscas no Brasil há séculos, um projeto racista e fascista de sociedade torna isso aceitável – e pior, digno de honra.. E tudo isso acontece sob olhar conivente de um presidente da República que enxerga atos fascistas serem praticados por seus eleitores enquanto bebe leite, um ato político atribuído a supremacistas brancos e racistas e utilizado por ele como cortina de fumaça enquanto ele mesmo e sua família tentam escapar da cadeia.
E o levante do fascismo, uma ideologia de morte, é o fato após semanas de desprezo pela vida em que Bolsonaro reagiu dizendo que a pandemia, uma “fantasia”, “não era isso tudo” pois seria só uma “gripezinha”; semanas depois, com milhares de mortos a seus pés, gritou um “e daí?” no dia em que o Brasil ultrapassou a China em número de óbitos ao ser perguntado sobre. Sem contar a absoluta falta de planejamento ou de ações no combate à pandemia, tudo isso enquanto ele mesmo, um provável infectado pelo coronavírus, participou de inúmeros atos em frente ao Palácio do Alvorada, passando ao país um recado irresponsável de que o isolamento social não era importante.
E para ele o isolamento não é importante porque Jair Bolsonaro gosta da morte. O presidente cristão que passou a vida celebrando assassinos e torturadores e falando em matar “uns 30 mil” não tem a menor noção do que representa. Alçado ao cargo de presidente da República, age como o moleque que cresceu em Eldorado Paulista, no Vale do Ribeira, em São Paulo. Se comporta como o deputado deprimente que passou três décadas sem aprovar absolutamente nada no Congresso, parasitando o Estado junto com os seus filhos, tão improdutivos quanto. O sujeito “antissistema” que é a síntese de um sistema falido, o vulgo anticorrupção entupido de problemas, ele e sua família, o golpista sem rumo, sem capacidade e sem nenhum plano. Exceto por um.
Pois Bolsonaro, que se elegeu falando em “respeito com a vida das pessoas” mas não tem um ministro da Saúde há 18 dias, quer que você morra.
(O título deste texto é uma frase do rapper Coruja BC1 em “Mandume”, gravada no disco “10 Anos de Triunfo”, de Emicida.)
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