Foto: Josiane Santana
Texto: Kananda Ferreira
“Revolucionário é todo aquele que quer mudar o mundo e tem a coragem de começar por si mesmo”, diz o poeta Sérgio Vaz. Jovens de todo o país, mesmo tendo as suas diferenças em relação às classes sociais, etnias, crenças, identidades, valores e espaços geográficos, têm em comum a capacidade de serem lideranças capazes de influenciar e potencializar os seus territórios por meio das suas ações dentro ou fora deles. As juventudes que se encontram dentro das favelas, diante do contexto social e histórico que nos cerca, tem se mostrado cada vez mais presentes no papel crucial de disseminar ideias e construir novas maneiras de interferir nas imposições da sociedade.
A luta para reafirmar a sua existência desde o seu surgimento, diante das ações de remoção realizadas pelo Estado e a conquista de direitos básicos fundamentais por meio de seus moradores, se intensificou ainda mais diante das políticas públicas de desumanização inseridas nas periferias para promover uma “guerra” em que não existem vencedores, apenas perdas e mortes de ambos os lados, especialmente de crianças e jovens.
A participação governamental dentro desses lugares, que deveria estar ligada à efetivação de atribuições garantidas e ampliadas pela Constituição de 1988, vão na contramão do consenso social de garantir o bem-estar, de reduzir as desigualdades sociais e o acesso aos direitos humanos. Pelo contrário, interfere no exercício da cidadania e estimula o distanciamento de jovens oriundos das favelas de refletirem e participarem efetivamente na elaboração de diálogos entre o governo e o território. A morte da juventude que está crescendo no país é a morte do próprio futuro, só que no presente, e isso se acentua quando são provindas de espaços criminalizados historicamente e socialmente.
Tiros no CIEP Presidente Samora Machel, na Maré. Foto: Elisângela Leite.
O aumento e banalização da taxa de violência pela cidade através de genocídios nas periferias e da incitação do próprio contexto político atual, junto a questão de que a Segurança Pública não entra nas favelas como um direito, agrava a marginalização de quem reside nelas, desvaloriza ainda mais a Justiça e insere ainda mais brutalidade, ódio, caos e medo. As consequências atingem principalmente as estratégias voltadas ao desenvolvimento social, ético e coletivo de crianças e adolescentes, cujas atividades para manter suas vidas fora das taxas de mortes são interrompidas, e a elevação dos estereótipos de que somos “ameaças sociais” a serem combatidas.
A exclusão do processo decisivo e discursivo da gestão política, já corrompida por políticos através da despolitização planejada ao longo dos séculos e tentam a todo custo proteger seus “benefícios” ligados ao poder, não provém só das ações de dentro dos espaços populares, mas também fora deles como o uso do espaço acadêmico como um disseminador de catequização social e a universalização restrita a um grupo de pessoas privilegiadas de tal direito. Tais efeitos estão associados ao atendimento de interesses de uma determinada classe, cuja desigualdade social e a pobreza está mantida na manutenção de privilégios ligados a estruturas de poder como o racismo, nepotismo, hierarquia, meritocracia, entre outros.
Futuros jovens. Fé na favela. Foto por: Bento Fábio
Mais importante do que dar a opinião, é ser exemplo para quem está ao redor de não só acrescentar, mas interferir no curso do mundo. A necessidade de se apropriar dos lugares negados a muito tempo (por exemplo as universidades) ou que já existem por intermédio de ferramentas de comunicação, expressão e ação é apenas uma das várias formas de ampliar a criação de outras oportunidades para multiplicar as vozes silenciadas e potencializar suas habilidades, mesmo diante dos obstáculos que o próprio contexto social, político e econômico impõem.
A produção de narrativas e interpretações sobre o meio que vivem auxiliam na participação e no questionamento nos debates políticos que envolvem o seu território e da sociedade em si, sempre buscando novas formas de modificar os olhares sobre a realidade ao lado da democracia, cidadania e ética. Transmitir essas práticas são necessárias, a fim de que construam seus próprios palcos e o futuro como sujeitos de transformação e agentes da sua própria história, não mais como “objetos de estudo” ou meros “espectadores”. Retomando ao poeta do começo deste artigo, “enquanto o futuro não se decide, o agora me parece uma boa opção”.