OPINIÃO: A Intervenção que já sofremos

Lembro como se fosse ontem…

Gritos dos moradores, choros, pedidos de justiça, sangue, manifestação e ônibus queimados. O motivo? A revolta pela morte de três jovens da comunidade da Providência, zona portuária do Rio. David Wilson Florêncio da Silva, 24, Wellington Gonzaga da Costa Ferreira, 19, e Marcos Paulo Rodrigues Campos, 17, teriam desacatado os militares do exército na manhã de um sábado em 2007 na praça Américo Brum, que fica na comunidade, quando voltavam de um baile funk. A comunidade então, era controlada por 200 homens do exército, sob alegação de execução de um projeto social e reforma de residências na comunidade.
Os três jovens foram capturados, julgados e sentenciados por traficantes rivais do morro da Mineira, a cerca de 2km de distância da Providência, onde foram torturados e assassinados com 46 tiros. Foram levados pelos militares do exército dentro da caminhonete militar até a comunidade rival e entregues aos traficantes. E encontrados dias depois, mortos dentro de uma caçamba de lixo próximo a comunidade. Algum tempo depois, onze militares do exército foram denunciados, sendo quatro deles condenados e presos.

Em uma manhã de domingo violento, no final do ano de 2010, moradores do Conjunto de favelas do Alemão acordaram assustados com o forte aparato militar que invadiam as entradas e vielas do Alemão, sob os sons dos rasantes das aeronaves e das sequências de tiros, disparados por toda região. Iniciava ali mais uma ocupação militar feita pelas forças armadas em apoio às autoridades do estado. Cerca de 1.800 homens das forças armadas ocuparam o Alemão por dois anos. ”Esse trabalho prossegue, não acaba aqui. Ao contrário, abre-se um novo capítulo. Nós vamos chegar ao momento em que não haverá no Rio de Janeiro nenhum território dominado pelo tráfico de drogas ou pela milícia” afirmou Sérgio Cabral, então Governador do Rio de Janeiro na época.

Seis anos depois, Cabral foi preso e cumpre pena, condenado em 45 anos de prisão por crimes de corrupção, acusado de ser o idealizador do gigante esquema criminoso institucionalizado no Governo do Estado do Rio de Janeiro. Após dois anos no Alemão, o exército então se retirou, dando entrada para as Upps atuarem com cinco bases de polícia pacificadora. Começava ali, outra ocupação militar, só que pelas forças do estado.  No Complexo da Maré, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio, localizado às margens da Avenida Brasil e da Linha Vermelha, mais uma vez as forças militares se viam ocupando um território. As tropas militares ficaram durante um ano, preparando o território que, segundo o Governo do Estado, seriam criadas novas instalações e estruturas de segurança no Complexo de Favelas.

Até os dias de hoje, militares reclamam da falta de apoio que não tiveram na ocupação da Maré. O Palácio Guanabara havia se comprometido a instalar uma delegacia da Polícia Civil, um juizado especial e um núcleo de promotores no complexo. Mas nada disso foi feito. Nove pessoas morreram em tiroteios no Complexo da Maré, entre elas o sargento Michel Augusto Mikami, de 21 anos, e 27 militares ficaram feridos durante troca de tiros nas 16 comunidades ocupadas.

“E um dia me dei conta, nossos soldados, atentos, preocupados, nas vielas, armados, e passando crianças, senhoras, pensei, estamos aqui apontando arma para a população brasileira, nós estamos numa sociedade doente” disse o então comandante das Forças de Pacificação do Exército, General Villas Boas.

Com todo esse histórico do uso das forças militares, vemos que os resultados não foram tão positivos quanto esperávamos e que a falta de investimentos nos outros setores, ajudaram a complicar mais ainda a situação do Rio. Com a crise na política, financeira e saúde, o Estado do Rio se via afundado em dívidas, indo cada vez mais ao descontrole, esquecendo de investir nos principais setores, focando apenas na segurança pública como se ela fosse a única política pública do Estado.

Só com as forças armadas na Maré, foram gastos mais de 600 milhões de reais para as tropas se manterem no conjunto de favelas. Nas Olimpíadas, outro emblemático momento para o Estado do Rio, mais de 1,5 milhão por dia para manter os militares das forças armadas nas ruas do Rio. Enquanto a educação do Estado sofria com a crise que a corrupção criou, com professores e alunos em greve, servidores públicos revoltados com a falta de salário, setores sociais, educacionais e culturais fechando as portas por conta da falta de verba, até mesmo o Teatro Municipal, cessou alguns espetáculos e serviços.  Sem contar na saúde pública, que cada vez mais era sucateada.

As Upps, projeto modelo que serviu como bancada eleitoral para reeleger e eleger dois governadores, cada vez mais abandonadas, enquanto o índice de policiais e moradores mortos em comunidades pacificadas só aumentava.  Quando na verdade, o que o Estado do Rio precisava realmente na época, era de investimentos nos mais importantes e diversos setores sociais, culturais, educacionais e na saúde, fazendo assim, não ser necessário uma intervenção federal na segurança do Rio nos dias de hoje. 

 

 

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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