OPINIÃO – Cara gente branca, quem deve falar sobre racismo?

Em agosto de 1963 acontece a Marcha dos Direitos Civis em Washigton, nos Estados Unidos, sendo liderada pelo  Dr. Martin Luther King, um dos mais importantes líderes do movimento dos direitos civis da população negra americana. A passeata reuniu 300 mil pessoas.  E quem eram essas pessoas? Não eram só negros lutando pelos seus direitos, o movimento contou com o apoio também da população branca americana.

Luther King acena para multidão na Marcha sobre Washington, em agosto de 1963

Nesse contexto, percebe-se que a noção de luta e medidas antirracistas são de todos e, quando todos tiverem compreendido tal questão,  conseguiremos caminhar para uma tentativa real de mudança. Por isso, é fundamental o papel da população branca na luta antirracial. Claro que devem haver certos limites para essa questão e também a ciência de quem é protagonista da causa e, principalmente, o quão prejudicial foi e ainda é o ideal do colonizador que pune e sentencia a população negra.

É percetível que nos é vendida uma ideia que a democracia racial existe perfeitamente bem e que  brancos e negros vivem geralmente em harmonia. Contudo, esse ideal está distante de se tornar realidade, na medida em que a branquitude convive predominantemente entre si e a negritude  do mesmo modo. É importante destacar que essas relações não se constituem categoricamente, mas sim porque há espaços que são seletivos a um certo grupo de pessoas. 

Estamos e sempre estivemos convivendo com o racismo institucionalizado. O racismo não é  somente uma verdade impregnada, mas um projeto que foca e direciona privilégios para um grupo específico e dominante. Por conta disso, o racismo não deve ser encarado como um problema causado pelo povo preto, ainda que estes reproduzam sem intenção,  mas sim de inteira responsabilidade de pessoas brancas. 

O sujeito branco ao levantar a pauta antirracial e apresentar suas percepções teóricas precisa, antes de mais nada, saber ouvir.  O branco precisa ter maturidade e discernimento. Vivemos historicamente um processo insistente de opressão que não muda, apenas usa  outras roupagens e se atualiza devido às circunstâncias das épocas. É muito comum, principalmente para fins didáticos e escolares, afirmarmos que o fim da escravidão no Brasil se deu com a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888. É como a  opressão se atualiza junto ao seu tempo, logo, antes se tinha navios negreiros, se tem os carros blindados (monstruosos caveirões).  E são exatamente fatos como navios negreiros, caveirões é situações semelhantes de opressão cotidiana que a branquitude precisa saber ouvir antes de verbalizar o racismo. 

Ouvir o que nós, negros, passamos, e como o racismo agride nossos corpos e todo uma cultura, é o passo inicial na luta contra o racismo. Manifestações  como a Marcha dos Direitos Civis são exemplo para discussão e entendimento dos limites do branco no contexto racial. O entendimento, é claro, deve passar por todos: pessoas negras e brancas. Tais eixos, de culturas distintas, precisam trazer à tona a colonização e, a partir disso, refutar as ações do colonizador sobre o colonizado. 

Em debates abertos e principalmente nos espaços acadêmicos, se vê um branco falando ignorantemente a partir da perspectiva do negro. O caminho  é outro, argumentando-se pelo viés de si mesmo, do próprio branco e reconhecendo seus privilégios. Essa inversão precisa existir, ser compreendida e feita todo dia já que a branquitude em hipótese alguma saberá o que passamos. 

Estamos cada vez mais num Brasil sem ordem e longe do progresso. O país se estrutura por meio do racismo, do patriarcal branco e rico e da homofobia. Isso precisa ser derrubado! A branquitude deve se policiar: se colocar no seu lugar. Eles não são protagonistas. Nunca poderão ser. Temos produção, engajamento, ação e manifestação artística e intelectual. Sempre tivemos.  O que nos falta é oportunidade, que justamente acontece gerando efeitos do racismo institucionalizado, a manivela da desigualdade.Os brancos precisam entender que quem grita e levanta a bandeira de fogo nos racistas  somos nós, negros. A branquitude apenas aplaude e apoia. E, portanto, por conta desse processo histórico, que ainda continua vivo, devemos fortalecer os debates étnicos-raciais pondo o sujeito  branco no seu lugar e encarar essa situação como afirma a filósofa Angela Davis “Numa sociedade racista não basta não ser racista. É necessário ser anti-racista”.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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