Pra começo de conversa, precisamos pontuar que não estamos falando de uma super mega estrutura financiada por empresas e tudo mais. Não estamos falando de uma atividade popular gigante que arrasta multidões, custeadas pelos cofres públicos. Mesmo assim, o Buraco do Getúlio é um elemento fundamental para a construção de uma Baixada Fluminense melhor, tendo mobilizado pessoas para a aprovação (e queda) de leis, construção de políticas públicas, referência para produção cultural na região metropolitana do Rio de Janeiro e revelação de talentos criativos. Como isso é possível?
Ao invés de contar toda a história do “BG”, o que é quase impossível, vou contar um pouco do que ele representa pra mim.
O Buraco do Getúlio congrega pessoas dispostas a pensar uma sociedade mais afetuosa e capaz de aceitar as diferenças.
A primeira vez que fui numa sessão do Buraco do Getúlio não fiquei mais de uma hora. Uma turma que já se conhecia, em comunhão, ocupando o Ananias Bar. Filmes eram exibidos numa tela esticada do lado de dentro do boteco, enquanto uma turma prestava atenção e uma outra estava do lado de fora batendo papo e tomando uma cerveja. “Pessoal doido”, pensei, sem entender a razão de exibir um filme num bar enquanto um montão de gente não assistia.
Sem conhecer quase ninguém, resolvi ir embora e fiquei com aquela imagem na cabeça, da galera papeando e o filme rolando, e aquela profusão de sentimentos no ar e coisas acontecendo ao mesmo tempo.
Circulando mais pela cidade e conhecendo mais gente, as poucas vezes que consegui colar no BG passaram a fazer um pouco mais de sentido pra mim. E aí compreendi, ao longo do tempo, que aquele espírito de comunhão era a essência do Cineclube Buraco do Getúlio. Aquele Cineclube, assim como o Mate e o Guerrilha, não se tratava de exibir filmes apenas. Os filmes eram uma boa desculpa para reunir pessoas, congregar intelectuais, tornar-se espaço de discussão e reconhecimento entre aqueles que têm capacidade de transformar.
Além das sessões tradicionais no Ananias e na Praça dos Direitos Humanos, posso dizer que estive em sessões no mínimo inusitadas do BG. Teve a vez que rolou a manifestação contra a homofobia, por exemplo, em resposta a um grupo de motociclistas que oprimiu um homossexual. Era nitidamente uma sessão do Buraco, mas dessa vez sem filmes: “só” a militância. Teve uma outra vez em que o BG abriu a programação do Beco Festival, num lance bem solar, good vibes e tudo mais: “só” o afeto. Teve mais um tantão de vezes que, circulando por coisas que rolam em Nova Iguaçu, me deparei pensando “caraca, parece que tô no BG”: era “só” a comunhão.
Hoje compreendo o Cineclube Buraco do Getúlio como um verdadeiro zeitgeist da juventude iguaçuana da virada do século. É o espírito de época de uma sociedade insatisfeita com o rumo que as coisas tomaram pra direita. É o ponto de encontro de pessoas que compartilham das mesmas ideias e sentimentos e querem uma sociedade prafrentex.
Vida longa ao Buraco do Getúlio e a todas as pessoas que fazem parte dessa história, seja desde o início, seja desde a última edição. Que todas as gerações continuem se encontrando e trocando entre si os saberes de diferentes tempos.
Página do Buraco do Getúlio no Facebook: https://www.facebook.com/buracodogetulio/