Engajamento no combate aos crimes de racismo tem crescido nas redes sociais
Segundo uma pesquisa desenvolvida pelo Observatório de Favelas em parceria com a Secretaria Estadual de Cultura, 90% dos jovens moradores de comunidades cariocas já tem acesso à internet de seus computadores pessoais. Essa coleta de dados foi realizada em uma mostra de dois mil entrevistados na Rocinha, Cidade de Deus, Manguinhos, Complexos do Alemão e Penha.
Na favela, o uso e a apropriação da internet e das novas tecnologias da comunicação significa a visibilidade do jovem de origem popular, geralmente estigmatizado e desconhecido na cidade. É o que acredita Jorge Barbosa, geógrafo e coordenador geral do Observatório de Favelas. “É uma possibilidade formidável de ampliação de sua experiência de tempo/espaço, uma vez que sua mobilidade urbana na comunidade é reduzida e constrangida por situações econômicas, sociais e raciais”.
Segundo o IBGE, 34 milhões de brasileiros entre 15 e 24 anos têm convivido com uma maior apropriação das tecnologias de comunicação através da internet. Está cada vez mais acessível produzir um vídeo, postá-lo no YouTube, criar um blog, ter uma página pessoal no Facebook e expôr suas opiniões, projetos e ideologias. O uso da internet e das redes sociais estão também associados à exposição de ideias e liderança de movimentos e de coletivos ligados a uma cultura de liberdade, em que o jovem se apropria da tecnologia como dispositivo de autonomia, afirmação de suas identidades e ideologias.
Na última década, a interação e participação da juventude em causas sociais tem crescido consideravelmente. Um dos motivos para esse aumento se deve a maior acessibilidade à internet e ao uso das redes sociais, aumentando a possibilidade do encontro entre pessoas engajadas em um mesmo assunto e também abrindo espaço para militância na web. Um dos exemplos é como a internet, principalmente as redes sociais, contribuíram para dar mais atenção à discriminação racial. Em março de 2011, o pastor da Assembléia de Deus e deputado federal brasileiro eleito pelo Partido Social Cristão (PSC), Marco Feliciano, postou em sua conta no Twitter frases de cunho racista, como “africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé” e que “a maldição que Noé lança sobre seu neto, Canaã, respinga sobre continente africano, daí a fome, pestes, doenças, guerras étnicas”, entre outros. Em 2013, Feliciano foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados do Brasil e desde então começou as denúncias contra Feliciano nas redes sociais. Também foram organizados, virtualmente, protestos de repúdio ao deputado em diversas cidades do país.
Com o aumento do acesso á informação por meio da internet, casos que incitam a discriminação e o racismo passam a ter maior divulgação com o intuito de se fazer justiça. Em 2013, um trote realizado na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais -UFMG, gerou protestos nas redes sociais por ter sido considerado um ato racista. Duas fotos foram parar nas redes sociais gerando discussão, em uma delas mostrava o veterano de direito segurando uma corrente, pela qual estava presa uma moça com o corpo pintado de preto e cartaz preso ao pescoço, na qual se lia: “Caloura Chica da Silva”.
Com a ascensão do uso das mídias sociais, os crimes de racismo passaram a ter maior visibilidade e alcance dos internautas engajados na causa. Um outro exemplo é o número de campanhas contra o racismo, com ações nas redes sociais, umas delas é a campanha ‘Juventude Marcada para Viver’, contra a violência letal de jovens negros, que será lançada em abril de 2013. A campanha é uma realização do Observatório de Favelas em parceria com os alunos da Escola Popular de Comunicação Crítica – ESPOCC e tem como base o diagnóstico de que o o Brasil é considerado o 4º país na lista dos que mais matam jovens no mundo e o risco de um brasileiro ser vítima de homicídio é 14 vezes superior para os adolescentes do sexo masculino e três vezes mais alto para os negros.
Segundo o Mapa da Violência do ano de 2012-2013, anualmente cerca de 50 mil pessoas são assassinadas no Brasil, desses, 27 mil são jovens, sendo 72% negros. De acordo com a publicação, as armas de fogo são a principal causa de morte no próprio segmento. Neste ano, foram registradas 75.553 mortes de jovens de 15 a 29 anos de idade, sendo que 1/3 (22.694) foi decorrente do uso de arma de fogo, tendo como a impunidade o principal fator. Segundo a publicação, “O índice de elucidação dos crimes de homicídio é baixíssimo no Brasil. Estima-se, em pesquisas feitas, inclusive a da Associação Brasileira de Criminalística feita em 2011, que [a elucidação] varie entre 5% e 8%. Esse percentual é 65% nos Estados Unidos, no Reino Unido é 90% e na França é 80%”.
A campanha foi baseada no trabalho de conclusão de curso da turma de 2012 e além de conscientizar, a campanha tem com o objetivo mobilizar a sociedade civil em torno das pautas: policiamento comunitário, investigação dos homicídios, controle de armas e políticas públicas para juventude. Uma das estratégias de engajamento é a cobertura colaborativa da campanha nas redes sociais.
Segundo Dríade Aguiar, gestora nacional de mídia do coletivo Fora do Eixo, o Brasil inteiro está se apropriando das redes para chegar ao seu público. “A rede social é o campo onde temos contato com mais pessoas ao mesmo tempo. Uma mobilização que começa nas redes tem sempre grande potencial de crescer e repercutir também nas ruas ou em ações outras ações offline, nos cursos de cobertura colaborativa que a gente oferece, sempre vemos experiências como essas por todo o país”, contou.
Para Raull Santiago, 24 anos, morador do Complexo do Alemão e militante de questões sociais, “as manifestações virtuais são de grande importância, pois se propagam com extrema rapidez, tem grande visibilidade e causam pressão popular. Eu uso a internet com o intuito de atingir um maior número de pessoas, chamando atenção para aquilo que estou buscando dar visibilidade”. Raull diz utilizar o Facebook, Twitter e Google+ com o intuito de articular coletivos, dando visibilidade ao conteúdo através do compartilhamento em suas redes.
A utilização das redes sociais como militância e ativismo abre espaço para novos discursos e olhares sobre um único tema. Nas redes sociais todo mundo pode ser, naquele instante, comentarista, sugerir pautas, levantar debates e contribuir para a descentralização da informação e do discurso hegemônico. Mas é todo mundo que tem voz nas redes sociais? Não!
Mesmo nas redes, quem ganha mais visualizações ou curtidas é quem tem mais credibilidade, número de seguidores, redes, quem posta a melhor foto ou quem constrói o melhor discurso. Entretanto, por mais que você não possua uma rede grande ao ponto de “ditar” ideias e tendências, nas redes sociais existe um maior número de lados e ideologias a seguir.
O compartilhamento de uma informação pode não ser a solução para aniquilar de vez o racismo, mas ajuda a disseminar a conscientização entre os cidadãos. Isso é importante no engajamento de novos atores para a causa social. O uso da internet favoreceu esta militância nos últimos anos, provando, mais uma vez, que redes sociais não é apenas brincadeira, mas também um meio no qual podem se combater ideologias e disseminar novos discursos. E que vença quem gritar mais alto.