21 de janeiro. Nesta data, desde 2007, é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. O dia foi escolhido em homenagem à Iyalorixá Mãe Gilda de Ogum, que faleceu em 2000, vítima de um infarto por ver o seu terreiro ser atacado e outros seguidores agredidos. Em novembro de 2014, foi feito um busto em homenagem à Mãe Gilda, no bairro de Itapuã (BA). Dois anos depois, o busto foi alvo de vandalismo e acabou destruído. A história da Mãe Gilda de Ogum reflete o que milhares de pessoas passam e o quanto é preciso debater sobre a laicidade do Estado. A intolerância com as religiões afro-ameríndias é um retrato do racismo cultural presente desde o tempo da colonização. O Brasil tenta apagar 400 anos da sua história, apagar elementos que ajudaram na construção do país. Esse apagamento da cultura das pessoas trazidas da África e do povo nativo foi uma missão iniciada com os Jesuítas e que é feita até hoje. Em fevereiro deste ano, por exemplo, o The Intercept publicou uma matéria sobre um pastor que está na Funai para converter índios que vivem em terras isoladas. Por outro lado, vemos culturas não-cristãs europeias, como Nórdica e Grega, sendo aceitas e seus deuses até como heróis em filmes – Thor, Hércules, Perseu, Loki etc. Outro exemplo é que a Mitologia Grega é ensinada nas escolas, enquanto a Mitologia Iorubá, tão rica quanto, não.
Segundo o historiador Luiz Antônio Simas, tal racismo continuou muito escancarado mesmo após o fim da escravidão. “Há um projeto de Estado para promover o embranquecimento não só da pele, mas também da cultura. Em 1890 foi criada a lei da vadiagem, mas sem estabelecer o que de fato é vadiagem. Essa punição afetou ao samba, às religiosidades, foi uma rejeição a tudo que era afro-ameríndio”, afirma Simas. Além disso, criou-se um forte estereótipo em cima das religiões afro-ameríndias, chamando-as de bruxaria e demonizando os cultos. Isso gerou ainda mais intolerância e reforçou o racismo trazido com os cristãos colonizadores. Até hoje a Umbanda e Candomblé sofrem pelo fato de não terem um livro base – como a Bíblia para os cristãos. Por este motivo, a maior parte da população acaba não conhecendo realmente os costumes, tradições e dogmas destas religiões. O resultado é que a ignorância acaba virando violência.
Não são casos isolados
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 assegura a igualdade religiosa e reforça a laicidade do Estado brasileiro. Mas tal liberdade de crença não é respeitada por aqui. O Brasil tem o Disque 100, número de telefone do governo que funciona 24 horas por dia para receber denúncias de violações de direitos humanos. O serviço começou, em 2011, a contabilizar os casos de intolerância religiosa. No primeiro ano de balanço, foram 15 casos registrados, número que passou a crescer muito logo após: foram 109 no ano seguinte e 201 em 2013 – um aumento de 1240% em dois anos. Mesmo sendo crime que dá de um a três anos de reclusão, os índices de intolerância religiosa seguem grandes. De acordo com a secretaria de Direitos Humanos, entre 2015 e o primeiro semestre de 2018, foram 1.729 casos de intolerância religiosa, uma média de 42 por mês. A análise de 2017 aponta que 39% das 537 denúncias foram feitas por pessoas de religiões afro-brasileiras.
Entre as denúncias, são diversas formas de agressão provocadas por este racismo cultural. Em 2015, a jovem Kailane, então com 11 anos, foi apedrejada por estar vestida de branco ao sair de uma gira no terreiro da sua avó. Há anos existe a perseguição contra umbandistas e candomblecistas por parte do chamado “Bonde de Jesus”, que são integrantes da facção TCP (Terceiro Comando Puro) da Baixada Fluminense que se converteram a uma igreja neopentecostal. No dia 24 de fevereiro deste ano, um terreiro de Candomblé que fica em Santa Cruz foi invadido e gravemente depredado – “o que mais assusta é saber que o autor dessa safadeza saiu impune porquê (sic) nossa autoridade é falha. A indignação é grande só de saber que estamos em um mundo cruel onde não temos liberdade pra cultuar nossa religião”, relatou Juliana, neta da dona do terreiro, em seu Twitter.
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Obrigação histórica
As religiões afro-ameríndias são pilares fundamentais para a construção de boa parte do Brasil. O nosso país tem uma obrigação história não só de respeitar esses cultos, mas de protegê-los. A partir destas culturas que muitos de nossos costumes foram formados. Além disso, religiões como Umbanda e Candomblé também são responsáveis por grandes trabalhos sociais em áreas periféricas e movimentam uma grande ala da economia. No Rio de Janeiro, por exemplo, temos o Mercado Popular de Madureira, que tem diversas lojas que vendem artigos religiosos e geram empregos. A intolerância religiosa e racismo cultural são assuntos que devem ser debatidos e alarmados. Queremos que a laicidade do Estado seja real e não apenas imaginária. Como cito na poesia: a nossa principal missão sempre foi espalhar e trazer muita paz e caridade. Axé para toda a humanidade!