Família, escola e sucesso escolar dos jovens de camadas populares

Registro fotografico- viagem para Altamira-Pa 13 a 17 de agosto de 2012 EMEF São Raimundo (acesso de voadeira pelo rio xingu) Osvaldina Souza de Moraes, 10 anos na educação, Trabalha na Escola São Raimundo Ribeirinho á 1 ano, 27 alunos na Classe, multiseriado, Ilha dos Arara/Altamira-Pa

A relação entre famílias mais pobres e escolas públicas é um assunto crucial para o debate sobre a escolarização dos jovens, em especial nas redes públicas de ensino. Uma coluna do jornalista Antonio Gois, no ano de 2017, utilizando dados de 2015, mostra que professores tendem a responsabilizar alunos e suas famílias por seu baixo desempenho na escola e esse dado ajuda a explicar a baixa expectativa de professores sobre sucesso de seus alunos. Por outro lado, é interessante quando observamos que estudos mostram que a baixa expectativa de professores sobre os seus alunos têm impacto negativo no desempenho estudantil. Ou seja, há professores que culpam os alunos e suas famílias, acabam por desresponsabilizar a escola e criam baixas expectativas sobre seus alunos, sendo que essas baixas expectativas prejudicam o desempenho estudantil.

Em relação a culpabilizar as famílias, principalmente de camadas populares, há professores que agem como se as famílias não promovessem ações que visassem o sucesso escolar das crianças e jovens. Contrariando essas percepções de educadores, as pesquisas mais recentes, especialmente após a década de 1980, demonstram o contrário e a minha pesquisa vai nesse mesmo sentido. Na pesquisa “Trajetórias escolares no município do Rio de Janeiro: estratégias familiares de escolarização” (2018), que me conferiu título de Mestre em Educação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, eu entrevistei 10 famílias de camadas populares nas zonas norte e sul da cidade do Rio de Janeiro, que são zonas socioeconomicamente diversas, populosas e que têm escolas vistas como “boas” e “ruins” pelas famílias que habitam os bairros. Essas 10 famílias matricularam seus filhos na rede municipal de educação do Rio de Janeiro (que oferece o Ensino Fundamental) em 2013 e, em 2017, fui nas residências de cada família para verificar o que havia ocorrido com os alunos após todos esses anos, bem como mapear as ações familiares mobilizadas nesse tempo.

 

Os dados mostraram que estudar na mesma escola de Ensino Fundamental não faz com que os alunos sigam para a mesma escola de Ensino Médio e pude observar que as trajetórias escolares dos jovens entre 2013 e 2017 puderam ser entendidas a partir das ações familiares. Dentre as ações familiares que se destacaram, pude observar o ato de “conseguir intimidade com o diretor” de uma escola de Ensino Médio para ter sucesso na busca por uma vaga. Acompanhar dever de casa, acompanhar as notas dos filhos na escola, ajudar nos deveres de casa, cobrar por desempenho escolar e até o caso de uma mãe que voltou a estudar para estimular os filhos, foram outras ações dentre as que foram analisadas. Também foi destaque a importância dada para a educação escolar por todas as famílias entrevistadas e o desejo de algumas que os filhos ocupem posições sociais superiores às dos pais e/ou que estudem mais que os pais estudaram.  Olhando isso, alguma pessoa pode dizer “mas, afinal, tudo depende da família, portanto”…não exatamente. Esses dados mostram que as famílias de camadas populares atuam segundo o que acham importante para o sucesso escolar de seus filhos, contrariando o que diz parte dos agentes escolares. E é necessário notar que muitas das ações familiares mobilizadas estão indireta ou diretamente ligadas às percepções que as famílias constroem acerca das escolas, como uma mãe que tirou a filha de uma escola porque disse que a menina foi agredida e a escola não tomou atitude. Em outro caso, a mãe sinaliza que se acostumou com os problemas da escola e diz, inclusive, que houve casos de racismo por parte de uma professora da escola. Esses e outros dados parecem ter guiado muitas das ações familiares entre 2013 e 2017, sem falar nas próprias ações escolares (ou falta delas) que tiveram efeito indireto ou direto nas trajetórias estudantis, como casos de alocação de alunos em projetos de aceleração, não passar dever de casa e a ação já descrita de “intimidade” de um diretor com responsáveis.

Portanto, ao mesmo tempo que as famílias podem fazer diferença nas trajetórias estudantis acompanhando o dever de casa dos filhos, cobrando resultados escolares, indo a reuniões, promovendo apoio emocional, estimulando práticas de leitura, promovendo horas para estudar em casa, conseguindo aulas particulares, buscando conhecer o sistema educacional em que seu filho está inserido, dentre outras ações, a escola não está passiva na construção das trajetórias. Muito pelo contrário: ela pode atuar e, de fato, atua segundo seus percepções acerca dos estudantes e de suas famílias. Com isso, se, por um lado, os estabelecimentos escolares também possuem capacidade de reduzir o impacto que a origem social tem sobre os desempenhos escolares, por outro, podem reproduzir as desigualdades sociais.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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