Da Maré ao Canindé com Carolina Maria de Jesus

Rodas de leitura que contam a história de escritora brasileira vira exposição e chegam em Angola e Moçambique

A exposição que conta relatos da história da escritora mineira Carolina Maria de Jesus nasceu depois de rodas de leitura iniciadas no Museu da Maré. Ainda no Rio passou pela Favela do Cerro Corá, Morro da Providência e também por Niterói, São Gonçalo, Maricá e Saquarema. Outros estados como Espírito Santo, Pernambuco e Rio Grande do Norte, também receberam a Roda de Leitura coordenada pela professora, pesquisadora e produtora cultural Miriane Peregrino, de 33 anos. Em 2018, pela primeira vez, as Rodas de Leitura e a Exposição puderam ser levadas para outro país. Elas aconteceram em Luanda, Capital de Angola e, para encerrar as amostras, Moçambique recebeu a exposição no final do mês novembro.

Foi no Museu da Maré, em 2013, que Miriane deu início ao projeto de Rodas de Leitura em que ela e diversos jovens moradores de favelas liam partes da obra da escritora mineira Carolina Maria de Jesus. Depois, a Roda de Leitura passou a ser realizada de forma descentralizada em escolas públicas, bibliotecas e museus comunitários.

Carolina Maria de Jesus, cuja formação não ultrapassou a segunda série primária, serviu de referência para inúmeros jovens que antes das rodas, sequer tinham ouvido falar sobre ela. Joyce Rodrigues, de 22 anos, moradora da Nova Holanda, no Complexo da Maré, conta sobre a importância que Carolina Maria teve em sua vida e como as Rodas de Leitura que participava mudaram sua história. “Foi uma grande experiência, agregou muito na minha vida. Quando eu conheci a Carolina, eu não me reconhecia como negra. Foi uma época de descoberta e de reconhecimento”, contou.

Miriane Peregrino é coordenadora da roda e criadora da exposição | Foto: Reprodução
Miriane Peregrino é coordenadora
da roda e criadora da exposição | Foto: Reprodução

Miriane Peregrino organizou toda a exposição e teve seu primeiro contato com a história da escritora em 2009, durante a Especialização em Literatura Brasileira, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Segundo ela, um dos fatos que lhe impressionou foi a narrativa que Carolina usava em seus textos “Toda a narrativa de “Quarto de Despejo” tem uma força muito grande e sua relação com a favela era o que eu procurava para iniciar oficinas de incentivo à leitura com jovens moradores da Maré”.

A oportunidade de levar a Roda de Leitura e, posteriormente a exposição, para Luanda surgiu quando a professora viajou para fazer um intercâmbio da faculdade, nada ligado ao projeto. Mas, depois de passar alguns meses na capital angolana surgiu a vontade de fazer o trabalho que já colhia bons frutos nas favelas cariocas “Apresentei a proposta à diretora do Centro Cultural Brasil-Angola e depois grupos, professores e ONGs me convidaram para realizar a oficina em outros lugares. A repercussão foi ótima e depois tive a ideia de trazer a exposição que estava no Museu da Maré”, detalhou Miriane.

A iniciativa ganhou o Prêmio Todos por Um – Brasil de Leitores do Ministério da Cultura, em 2015 e também foi um dos contemplados com o Prêmio Culturas Populares 2018, também do Ministério da Cultura.

“A tontura da fome é pior do que a do álcool, porque a do álcool nos impele a cantar, a da fome nos faz tremer. É horrível ter soar dentro do estômago” (Quarto de Despejo, 1960). O trecho do livro da escritora destacado acima é um dos que mais chamaram atenção do jovem Pablo Marcelino, de 21 anos, morador da Vila do João, na Maré. Ele é sobrinho-neto da Escritora Ana Maria de Souza, que também foi homenageada na exposição de Luanda. Ana Maria foi uma das primeiras escritoras da Maré a lançar um livro e esteve na abertura da Exposição em 2014, no Museu da Maré. Faleceu em 20016, aos 86 anos de idade.

Roda de leitura chegou em Angola e Moçambique
Roda de leitura chegou em
Angola e Moçambique

“Ver a minha tia sendo homenageada foi emocionante. Ela ficaria muito feliz se ainda estivesse viva porque sempre teve vontade de ver o trabalho dela sendo exposto. Pena que não esteja mais aqui para ver que voz dela chegou em Moçambique junto com a de Carolina”

Sobre a leitura da obra da escritora Carolina Maria de Jesus, para Pablo, apesar de ter sido narrada na década de 50, ainda está muito presente no país Africano, que está entre os 50 com as taxas mais alarmantes no Índice Global da Fome, de 2016 “Nos livros, Carolina fala da fome e Angola ainda está muito ligada a isso. A pobreza por lá ainda está muito presente”, contou Marcelino.

O Primeiro grande sucesso da escritora “Quarto de Despejo – Diário de uma favelada” ficou conhecido mundo afora e vendeu cerca de 80 mil exemplares somente no Brasil. Nele, Carolina Maria de Jesus narra seus dias de luta e fome que passou ao lado dos seus três filhos. Na época, morando em um barraco na extinta favela do Canindé, em São Paulo, a autora catava papéis na rua para tentar sustentar sozinha os filhos. Nesses papéis, Carolina também alimentava um sonho: ser uma escritora mundialmente

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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