Cracolândia: A terra que seria mais feliz se teu nome fizesse jus à este único problema

O cheiro estonteante, o sabor amargo, a visão de Dante, a tristeza batendo aos murros na porta do seu coração… quanta poesia e reflexões uso para proferir as primeiras constatações sobre o caos que flui por ruas indiscretas de SP… Não existe amor em SP, equívoco ou sensatez de Criolo? Um labirinto místico, bares cheios de almas vazias, lindo arranjo de flores mortas, é… não precisa morrer para ver Deus, assim como o Diabo se você estiver, por exemplo, na Praça Princesa Isabel, quanta ironia, escravos do crack na praça que homenageia quem aboliu a escravidão no Brasil.

Antes de irmos aos dados, já lhes adianto que a fofoca que corre solta em seu bairro entregando cartas de informações falsas sobre você nas caixas de correio de cada residência também acontece em escala nacional com outros personagens que a mídia fica de olhos grudados. A Cracolândia seria muito mais feliz se seu nome fizesse jus somente ao crack, mas infelizmente, este não é o único problema por lá. Segundo dados da ONU, Organização das Nações Unidas, mais de 30% dos frequentadores da Cracolândia não usam crack, 15% apenas bebem, 46% dos freqüentadores não são da cidade, 30% dos que moram na Cracolândia viveram pelo menos um mês na rua, quase 50% diz não ter familiares à quem recorrer, a proporção de mulheres passou de 16,8% para 34,5% e cerca de 6% dos moradores têm AIDS.

Bem, creio que dados não foram suficientes para lhes trazerem a dimensão do Leviatan entorpecido no centro de SP. Segundo a Denarc, Delegacia Especializada na Repressão à Narcóticos, cerca de dois mil usuários de droga frequentam a Cracolândia. Mas, bem, o que é que leva as pessoas a escolherem este tipo de vida? Primeiramente não é uma escolha, as vezes é pura rebeldia ou depressão ou desistência ou falta de oportunidade na vida, sabe-se lá o passado de cada usuário, para alguns o êxtase, a fome, a doença, a sujeira e toda aquela miséria seja um céu perto do que viveram, parece difícil de acreditar, mas tanto o céu quanto o inferno não possuem limites e por isso são relativos. Difícil julgar…

Mas, e quanto à polêmica ação proferida à mando do prefeito João Dória que desobstruiu três ruas ocupadas por viciados? Será que estes receberam a devida assistência constante nos planos do prefeito? Não, houve problemas na justiça que ainda não viabilizaram internação à estes cidadãos, mas certamente sei que o prefeito luta para que haja. Leandro Karnal, renomado pensador contemporâneo, assim como Sérgio Cortella, definiram a ação como uma medida precipitada, um deles fez uma analogia com uma espinha, se você a espreme acaba por espalhar o seu conteúdo, ou seja, expulsar os moradores da Cracolândia acaba por distribuir os viciados para outras zonas da cidade… a pergunta que não cala é: A tentativa de Dória de solucionar um problema que acabou se tornando mera maquiagem não dificultará o combate às drogas já que não há mais um pólo fácil de identificar os seus usuários? Meu bom senso diz que sim.

Mas, não façamos julgamentos precipitados. Imagine-se como prefeito, como se comportar diante de um problema dantesco e tão evidente diante de seus olhos, um problema que acomete poucas capitais do Brasil, um problema que demanda muita frieza para se ignorar? Seria fácil para você enquanto detentor de certo poder não agir diante da Cracolândia para tentar promover uma ajuda àquelas pessoas? Será mesmo que o mundo é tão simples que eu possa julgar alguns como mal intencionados e outros como bem intencionados? Não é tão simples assim, não somos obrigados a sermos os melhores solucionadores de problemas do mundo. A atitude de Dória foi corajosa, pode não ter sido implementada da melhor forma, mas lembremos também que ele mesmo foi limitado a implementá-la da forma que queria, então não sabemos o resultado que sua intenção almejava de fato alcançar.

O importante e óbvio a se dizer neste momento é: Que as políticas de combate às drogas não cessem, que sejam fortificadas, mas que as pessoas também em seus corações que com certeza possuem espaços amplos para a bondade sejam mais solidárias à causa das drogas… O político é um solucionador de problemas da cidade, mas não espere ser eleito para ser um político, seja um político mesmo que apenas com um voto, o voto de Deus, faça o bem sem recursos, partidos, coligações, favores, faça apenas com o pouco que tens nas mãos, sei que não é fácil… Mas, a verdadeira caridade é a de quem se doa e não a de quem simplesmente doa algo que não o doa faltar.

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Esta coluna é de responsabilidade de seus atores e nenhuma opinião se refere à deste jornal.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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