ARTIGO DE OPINIÃO: As cotas não deveriam existir se não tivéssemos essa ferida social que tende a sangrar e aparenta não estancar nunca. Antes de definir o que é, começar a traçar uma linha histórica e pontuar dados estatísticos, é bom deixar algo bem claro: o sistema de cotas não é, em hipótese alguma, um mecanismo de privilégios! Argumentar contra a existência desta é muito fácil quando o sujeito não é o agente que se enquadra nos índices de desigualdades sociais no Brasil.
Entende-se como Sistema de Cotas (chamada também de ações afirmativas) a modalidade que reserva 50% das vagas para grupos específicos. Pessoas autodeclaradas negras, indivíduos de baixa renda, indígenas, deficientes físicos são alguns dos atributos para se enquadrar nesse sistema.
É de total importância a existência dessa ferramenta sociopolítica, uma vez que a desigualdade social no território brasileiro é, infelizmente, um elemento vivo. São muitos os problemas que estão presentes na educação brasileira, especialmente na educação pública. São diversos os fatores que proporcionam resultados negativos, um exemplo disso são as crianças que se encontram no 6ºano do ensino fundamental e não dominam habilidade de ler e escrever.
Ademais, pontuo ainda a questão racial. Algumas pessoas explicam as cotas raciais por meio do conceito da equidade aristotélica. Aristóteles, o filósofo grego criou uma teoria que consiste em: tratar desigualmente os desiguais para se promover a efetiva igualdade. Se duas pessoas vivem em situações desiguais e forem concorrer nas mesmas condições, concretamente a desigualdade será perpetuada. As ações afirmativas seriam uma maneira de colocar essas pessoas no mesmo patamar de concorrência.
Durante 354 anos houve escravos negros no Brasil. Um censo realizado por D. Pedro II em 1872, já próximo ao ano da abolição (1888), estimou uma população de 10 milhões de pessoas, em que 15,24% eram escravos.
Essa mesma população, quando a escravatura foi abolida, não recebeu garantias do Estado nem qualquer ação de políticas públicas em seu favor. Pelo contrário, foram expulsos das fazendas – onde tinham, em condições desumanas, um teto sob onde dormir e comida para se alimentar. Tiveram de procurar empregos e casas numa sociedade racista e que não estava interessada na criação de mecanismos de inclusão, para conceder oportunidades às pessoas negras. Das senzalas, portanto, foram para onde, é hoje, conhecido como favela.
A pioneira a aderir ao sistema de cotas foi a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), por meio do processo seletivo, para estudantes de escolas públicas. Mais tarde a Universidade de Brasília (UnB) se propôs a estabelecer as ações afirmativas para negros no vestibular de 2004. A instituição foi a primeira no Brasil a adotar as cotas raciais. Desde então, diversas instituições de ensino vêm adotando sistemas de ações afirmativas para os vestibulares e exames admissionais.
Portanto, trata-se de uma medida preventiva de inclusão, porém necessária. O movimento negro, além de reivindicar cotas raciais, pede também pela melhoria do ensino de base (primário, fundamental e médio). De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), demoraria por volta de 50 anos para que a educação de base fosse de qualidade. Argumenta-se que uma bandeira não exclui a outra: ainda é requerido ensino de qualidade, mas não se pode esperar tanto tempo pelo ingresso mais justo nas universidades. As cotas são medidas emergenciais temporárias que devem existir até a desigualdade de oportunidade diminuir.