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#ArtigoDeOpinião: A cultura da favela que só serve fora dela

Texto: Rennan Leta

“A partir de agora considero tudo Blues

O Samba é Blues, o Rock é Blues, o Jazz é Blues

O Funk é Blues, o Soul é Blues  (…)

Tudo que quando era preto, era do demônio

E depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de Blues”

O trecho da música Bluesman, do rapper Baco Exu do Blues, retrata o ciclo cultural histórico entre a favela e a burguesia: diversos ritmos musicais periféricos sofreram uma grande rejeição até serem apropriados por quem domina o poder financeiro.

Hoje é comum vermos shows de pagode e rodas de samba em todos os bairros, mas isso não era rotina no asfalto há uns anos atrás. As “bolas da vez” que trilham esse crescimento são o funk e o rap. Desde o início dos anos 2000 vemos estes ritmos chegando em lugares que muitos diziam que não chegaria. Temos como exemplos Anitta, Ludmilla, Emicida e muitos outros que fazem, hoje, turnês internacionais e lançam músicas em outro idioma; além do Espaço Favela no Rock in Rio, um dos maiores eventos musicais do mundo.

Capa do clipe da música ‘Will I See You’, uma parceria da Anitta com o cantor americano Poo Bear / por Junior Marques

O baile no asfalto

Vemos cada vez mais blocos de carnaval sem as tradicionais marchinhas e com DJ’s de funk; além de eventos com o nome de algum baile em grandes locais, como no Maracanã.

A apropriação cultural se torna mais uma ferramenta da segregação de classe. Já que a maioria destes eventos têm o preço do ingresso bem alto, impedindo que a favela curta aquilo que ela mesma criou.

Evento levando o nome do baile na Boate AllIn, na Barra da Tijuca

Enquanto o baile na favela

“Baile da Penha sempre lotado, todo sábadão eu tenho que partir…”

A letra do Mc Kevin O Chris se popularizou não só pelo Complexo da Penha, mas por toda a cidade. No entanto não é assim que tem acontecido, os bailes na favela, onde tudo começou, são cada vez menos frequentes e a forma que o Estado tenta lidar com a situação é fazendo operações, deixando inocentes feridos no dia de baile.

Indo na contramão do movimento cultural dentro das favelas, o governador Wilson Witzel já se posicionou contra os bailes e chegou a cogitar a exoneração dos comandantes dos Batalhões de Polícia Militar que não os impedissem de acontecer. Ou seja: a burguesia gosta da nossa cultura e lazer, mas não permite que isso exista no nosso próprio ambiente.

Baile da Gaiola, no Complexo da Penha / Facebook DJ Rennan da Penha

Afinal, esse crescimento faz bem ou mal para a favela?

É verdade que, conforme esses ritmos crescem e se expandem por novas áreas, o espaço para novos talentos surge e mais gente pode alcançar uma carreira de sucesso. Porém, se tratando de fonte de cultura e lazer para a grande parte da favela, essa apropriação se torna prejudicial.

A história mostra que isso é uma fase natural, como foi com o samba e o pagode. Ambos conseguiram superar essa apropriação, se manter com as raízes na favela e ocupar lugares importantes, como a TV e rádio. Que assim se repita e a cultura da favela seja apreciada, não apropriada.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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