Crianças e adolescentes ficaram com bastante tempo livre devido à paralisação das aulas presenciais em escolas. Muitas delas, principalmente aquelas que moram nas favelas do Rio, também ocupavam seu tempo em projetos sociais dentro das comunidades. As atividades propostas nesses espaços são, em sua maioria, complementares ao que é ensinado nas salas de aula convencionais e, às vezes, fundamentais para alguns jovens. Esse é o caso de Matheus Lopes, que faz reforço escolar e curso de Informática em uma instituição comunitária. Como as aulas estão suspensas, ele se tornou voluntário na ONG que o auxilia e passou a ajudar em atividades internas e externas.
Matheus tem 18 anos e desde os sete frequenta o Espaço Democrático de União, Convivência, Aprendizagem e Prevenção (Educap). O Educap é uma instituição de base comunitária, que fica na localidade conhecida como Matinha, no Complexo do Alemão, zona Norte do Rio de Janeiro. “Os projetos estão parados. O único que está funcionando de forma on-line é o pré-vestibular comunitário, os alunos do reforço escolar estão estudando em casa. Em breve, iniciaremos o de Tecnologia, também pela internet. Mas o atendimento social não para, nós nunca chegamos a fechar as portas”, explica Lúcia Cabral, diretora geral e idealizadora do Educap.
Iniciativas como o Educap fazem total diferença na vida de crianças e adolescentes. Matheus tem dislexia, o Educap teve papel fundamental em sua trajetória, e ele ter se tornado voluntário da organização orgulha Lúcia. “Ele está com a gente desde os sete anos. Cresceu, hoje está cursando o segundo ano do ensino médio e desde que se tornou um dos nossos voluntários vem todos os dias trabalhar na ONG”.
Matheus conta que tem usado o tempo livre para ajudar em casa nas tarefas domésticas e também a cuidar dos irmãos. E explica porque se tornou voluntário do Educap: “Me tornei voluntário para ajudar as pessoas mesmo. Gosto de ir nas casa e entregar cestas básicas, por exemplo. Atendo as pessoas, faço alguma coisa, uma diferença e fico feliz por isso. Nesta pandemia, durante toda semana vou até a ONG para colaborar com a tia Lúcia de qualquer forma que seja possível no dia”.
Aulas no projeto Vidançar passaram a ser on-line
Outro projeto que tem feito falta para crianças e adolescentes é o Vidançar, que é uma escola de dança preparatória e gratuita no Complexo do Alemão. O Vidançar já inseriu vários alunos, moradores da favela, em escolas profissionalizantes como Bolshoi, Theatro Municipal, Petite Danse e Deborah Colker. As aulas são de balé clássico, jazz e dança contemporânea. Durante a pandemia, as aulas estão sendo on-line.
“Estão todos em casa mas o projeto os ajuda a fazer uma atividade física e a ocupar o tempo ocioso nesses períodos de isolamento. Infelizmente, nem todos estão conseguindo fazer as aulas on-line, muitos não têm acesso a internet”, comenta Ellen Serra, coordenadora do projeto Vidançar.
Crianças sentem ainda mais falta das atividades do dia a dia. Kethlyn Rangel, de 10 anos, é aluna no Vidançar, e sua mãe, Rafaela Rangel, conta que tem sido difícil manter a filha ativa. “A rotina está sendo em casa. A Kethlyn faz todas as atividades on-line. Ela está no projeto desde os 6 anos e através dele conseguiu ir para a companhia de dança do Theatro Municipal, há dois anos. O que ela mais sente falta é de fazer as aulas pessoalmente. É como ela mesmo diz, pessoalmente é muito melhor”.
Rafaela explica que Kethlyn tem sentido falta de estar nos lugares e principalmente de dançar com seus colegas. “On-line é mais difícil de estudar e praticar. Não dá para tirar dúvida e não tem muita interação nem com os professores nem com colegas, ela está com saudade de todos. Ela tem uma rotina muito agitada, até o corpo dela sente falta. Mas com as aulas on-line ela consegue, pelo menos, movimentar o corpo”.
Além de tudo, mães e pais de crianças e jovens que agora estão em casa têm tido gastos extras. E o apoio de ONGs, coletivos e projetos se torna ainda mais importante. “Às vezes a internet não ajuda a Kethlyn nas aulas também. Tivemos de apertar um pouco aqui outro ali para poder pagar a internet, porque tinha que ter. O que a gente espera é que essa pandemia passe mesmo e tudo volte ao normal. O bom é que o projeto não abandona a gente. Ele sempre está junto. Sempre perguntam se está tudo bem, tem os ensaios toda semana, é bem bacana. Eles tem atenção e amor pelas crianças e isso é muito importante, principalmente nos momentos difíceis como esse”.