Luciana Bezerra, cineasta cria do Vidigal, costuma dizer que esse morro é coisa de cinema. Ela não é a única a pensar assim. Afinal, constantemente a favela é usada como cenário de produções audiovisuais.
Antônio Carlos Araújo, comerciante de 52 anos, há cinco anos aluga sua laje de vista panorâmica para gravação de clipes musicais. É da laje do Toni, como é conhecido, a visão espetacular exibida no clipe Luz da lua, do cantor Ferrugem.
“Eu só alugo para gravações. Nem é esse dinheiro todo, mas dá menos trabalho do que alugar para festas. Quase não fica bagunça ou sujeira, não tem confusão. Tenho um bar aqui embaixo, eles acabam consumindo aqui também”, disse Toni.
Segundo Walmar Oliveira, morador do Vidigal há 50 anos e produtor de locação, a primeira produção audiovisual no Vidigal foi realizada pelo programa do Fantástico, em 1980. Por conta da vinda do Papa João Paulo II ao morro, os músicos Moacyr, Marcão e Marquinhos, moradores locais, compuseram o Samba do Papa. O programa da Globo gravou um clipe e o exibiu.
Mas, naquela época, a mão de obra envolvida na produção do clipe não contou com nenhum morador. Atualmente, o Vidigal dispõe de profissionais reconhecidos no meio do audiovisual e vários outros trabalhadores capazes de dar suporte para as gravações realizadas no morro.
“No Vidigal tem todo o tipo de profissional de audiovisual. Eu sempre indico e peço para absorvermos a mão de obra local, fazer a economia girar aqui dentro. A ideia é dividir com outros profissionais os trabalhos que chegam aqui”, ressaltou Walmar.
O que motiva o interesse pelo Vidigal é a estonteante vista que a favela tem para a zona sul carioca. Tal paisagem já serviu de cenário para publicações internacionais, séries, novelas, campanhas publicitárias, programas televisivos e clipes musicais estrelados por nomes como: Buba, Plutônio, Spike Lee, Queen Latifa, Léo Santana, Ferrugem, Orochi, Jorge Benjor, Marcelo Falcão, Marcelo D2, L7nnon, Anitta e recentemente a funkeira Pocah. Só para citar alguns nomes.
Além do burburinho, tais produções têm potencial de gerar renda para alguns moradores. Wendel Piu, 49 anos, produtor de locação e cria do Vidigal, atuou na maioria delas. Segundo ele, o filme brasileiro No Meio da Rua (2004) foi o primeiro trabalho em audiovisual gravado no Vidigal a contratar locação e mão de obra dessa favela.
“A gente alugou a casa de uma moradora na Casa Verde, filmamos lá durante um mês e meio. Tinha também cenas externas do personagem pelo morro. A partir daí, as produtoras começaram a me procurar para locações aqui.”
Mas nem tudo é só glamour. Assim como Walmar, Piu afirma que algumas produções audiovisuais não colaboram com a economia local tanto quanto poderiam.
“Algumas produções já vêm com toda a equipe pronta, incluindo até serviços de alimentação e transporte. Isso é ruim para a própria dinâmica de gravação. O cara que trabalha no transporte local, por exemplo, já conhece a logística da favela”, disse Piu.
Há produções que possibilitam um impacto na economia local de forma indireta, através, inclusive, do aumento do consumo pelos próprios moradores no comércio do morro.
“A produtora do clipe da Anitta, ‘Vai, Malandra’, era de São Paulo, muitos profissionais já tinham sido escolhidos. Mesmo assim, acredito que, desde figurantes até carregadores de equipamentos, tenham sido umas cinquenta pessoas aqui do Vidigal. Só para levar as caixas de som foram umas vinte. Tenho certeza que o comércio faturou naquele dia. Era muita gente pela rua querendo acompanhar as gravações”, comentou Piu.
Importante lembrar que o grupo teatral “Nós do Morro”, através do seu núcleo de cinema, não formou apenas atores e atrizes, mas também roteiristas, iluminadores, cenógrafos, figurinistas, operadores de câmeras, assistentes de produção. Muitas vezes, esses profissionais não são contratados pelas produtoras que usam o Vidigal como cenário. Não só a paisagem é de cinema, os profissionais também são.
“Nem sempre essas produções geram renda de fato na favela. Na maioria das vezes, ou são produções pequenas ou que já vem com a equipe montada e só necessitam de umas três pessoas”, finaliza.