Olhar a favela de cima ou de baixo é, praticamente, enxergar um mosaico. Telhados parecidos, lajes de diferentes tamanhos, paredes coloridas, outras nem tanto. Diante de toda esta arquitetura característica, ainda vendo de cima ou de baixo, é difícil encontrar, entre as casas, praças, largos ou pequenos espaços de lazer público.
Antes de subir, o cartão de visita e porta de entrada da comunidade é a Praça do Vidigal. Em formato de palco a céu aberto, ali se reúnem comerciantes, mototaxistas e um intenso movimento de trânsito na região. A praça tem uma característica cultural, dando boas vindas a quem chega para visitar. Subindo em outro espaço, que não é bem uma praça, mas se identifica como uma pequena área de lazer público, é o conhecido Cantão. Com uma vasta vista para as praias do Leblon, Ipanema e Avenida Niemeyer, que contornam os pés do Morro Dois Irmãos, o Cantão se tornou ponto para mototaxistas e trabalhadores públicos descansarem durante o horário de almoço. Silencioso, lá está com mata densa que até atrapalha a vista, sem falar de alguns resíduos de lixo. Rodrigo Monteiro, mototaxista e artista independente, relatou que o Cantão é o lugar mais destinado a turistas, sendo raro a visita de moradores. “Vem muita gente aqui de fora pra tirar foto. Quem mora aqui já desce pra praia, nem passa por aqui.”, contou
O Vidigal até conta com outros lugares para lazer, porém muitos estão localizados na parte alta. Ao lado da Quadra do Alto, por exemplo, há uma pequena praça com algumas mesas e bancos de concreto, que, de vez em quando, são utilizados por moradores. A própria quadra é o espaço favorito da criançada da região, principalmente pelas ações sociais que ocorrem ali, como os ensaios e apresentações do grupo BatucaVid.
Caminhando, a parte baixa se concentra muito mais no comércio, mas é possível encontrar duas praças públicas, localizadas próximas à Associação de Moradores do Vidigal. A Praça Adélio Santos se localiza no encontro de três vielas, próximo ao Centro Municipal de Saúde Rodolpho Perisse. Antigamente, havia brinquedos, como balanços, gangorras e uma mesa de concreto com o tabuleiro de xadrez. Atualmente, só a mesa resiste, além das pinturas nas paredes, enfeitadas com mosaicos de pedras. A moradora Agatha Araújo, 25 anos, é mãe de duas crianças (cinco e sete anos) e se lembra de que a Praça já foi muito mais movimentada. “Quando eu era pequena, vinha brincar nessa praça aqui. Tinha balanço e tudo mais. Hoje não tem mais nada. E aqui alaga bastante. Às vezes, nem precisa ter chuva pra criar um lodo”, conta ela enquanto aponta para um canto úmido do espaço com um pouco de água parada.
Já a praça Noronha Filho, também localizada próximo ao Centro Municipal de Saúde, vive outra realidade. O espaço foi revitalizado há 4 meses por conta de ação realizada pela Associação de Moradores do Vidigal, em conjunto com o Mirante do Arvrão. Brinquedos reutilizados vieram da Vila Olímpica, que fica situada no alto do morro, e ganharam uma nova pintura. Contudo, também já apresentam desgaste do tempo. O lugar possui grama sintética e até um painel colorido, pintado numa parede da casa, representando um garoto lendo um livro com as cores e formas do litoral das praias do Leblon e Ipanema, exatamente como vistas do alto do Vidigal. E ainda assim, embora a praça se encontre em total revitalização, livre para uso, se mantendo bem conservada, poucos usuários frequentam. No dia em que nos deslocamos para lá, não havia ninguém.
Segundo a Associação de Moradores, a Prefeitura do Rio de Janeiro não tem realizado intervenções na área de infraestrutura dentro da comunidade. Mesmo que o Vidigal receba serviços públicos, como Águas do Rio, Light e Comlurb, os espaços de lazer só existem graças ao trabalho dos próprios moradores em preservar o local, tanto na praça Adélio Santos quanto na Noronha Filho.
Já em relação ao CPX do Alemão, a imensidão abriga alguns espaços públicos de lazer, entretanto estes espaços já não são invisíveis para quem olha de cima. A conhecida praça da Nova Brasília se desenha em uma leve curva e reúne o CineCarioca Nova Brasília e a Nave do Conhecimento, locais que proporcionam cultura e cursos profissionalizantes aos moradores da comunidade. Infelizmente, já não dá pra falar o mesmo da Praça do Areal. Localizada na região da Grota, a pequena praça se divide entre estacionamento, comércio e é palco de ações solidárias de grupos de projetos sociais. O grupo Alemão em Arte é um desses que realiza ações socioculturais em épocas festivas às crianças no local. Com as obras do teleférico do Complexo do Alemão, algumas áreas de lazer estão ressurgindo nestes determinados pontos da comunidade. A estação Palmeira, Baiana e Central se encaixam nesse contexto. Em volta do teleférico, espaços públicos serão revitalizados e reabertos para os visitantes. Entretanto, nem todas as áreas do CPX conseguem receber atenção das autoridades de forma plena. Um exemplo expressivo disso é o Campo da Mina, localizado na Serra da Misericórdia, um dos pontos mais altos do Complexo. Se não fosse a altura das árvores, o espaço proporcionaria uma visão panorâmica de quase toda a cidade do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense. O Campo da Mina até recebeu uma atenção das autoridades, com uma revitalização parcial. Foi construído um campo de futebol, quadra de areia, alguns brinquedos, pavimentação e mesas de concreto. Mas, uma parte deste espaço se encontra em pleno abandono.
O Campo da Mina está localizado na região da estação Central do teleférico e foi reinaugurado durante o governo de Cláudio Castro, no dia 1º de maio de 2021. E, ao que parece, desde então, nunca mais viu manutenção. Além dos brinquedos quebrados e mato alto, fezes de animais também estão presentes lá. Não há uma lixeira na Rua Alemão, que passa pelo Campo da Mina. A quadra de areia também está em completo estado de abandono, com a vegetação alta, que está tomando conta, aos poucos, do local que poderia receber esportes praianos, como vôlei, futevôlei e futebol, além de outras atividades físicas. O descaso também atinge iniciativas que foram prometidas à população, como o descarte de vidro. Logo atrás do Campo da Mina, garrafas de cerveja formam montanhas de descarte inapropriado do material. Segundo os moradores, o descarte de vidro fazia parte de um projeto das autoridades, que recolhia as garrafas. Com o tempo, e com a falta de ação, esse serviço acabou parando. Moradores da região do Campo da Mina, que preferiram não revelar a identidade, defenderam que o campo recebesse atenção do estado. “O mato está alto demais e não tem uma lixeira nesta região. Eu trago meu filho pra brincar aqui e o campo está sempre assim”, diz um morador que é dono de um bar próximo. Outro morador já defende que uma revitalização a mais no Campo da Mina resultaria em mais visitantes ao local. “Uma quadra de tênis aqui, por exemplo, já daria uma outra visão. Atrairia os moradores daqui mesmo para virem ao Campo da Mina”. A Rua do Alemão que passa pelo Campo da Mina leva a outras regiões do CPX, como a Mineira e a Pedreira, que termina na Terra Prometida, onde já é o Complexo da Penha. Seu trajeto passa por mata densa, mas também é possível encontrar os chamados “largos”, que são clareiras dentro da floresta do Alemão. É em um deles que encontramos uma única estrutura esportiva presente que resiste ao tempo. O gol, feito de madeira, é um personagem solitário na clareira de grama baixa.
Descendo o Alemão pela Avenida Central, já é possível conferir uma obra de revitalização da prefeitura. O local intitulado Ponto Central, na altura do número 68, está recebendo obras de construção de uma quadra de futebol. O serviço ainda está no início, mas já se pode conferir a forma que o espaço terá. Curiosamente, o Ponto Central foi o local onde foi lançado o Plano de Ação Popular do Complexo, que reúne demandas dos moradores da comunidade, identificando, conceituando e aconselhando soluções para questões que atingem a comunidade.
(Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades)
Sobre o Campo da Mina, a Secretaria de Estado do Ambiente informou que a limpeza e coleta de lixo é atribuição da prefeitura do Rio de Janeiro. Conforme a nota, a pasta estuda alternativas para a implementação de contrato de manutenção dos equipamentos e reforça a importância da população cuidar e manter o espaço conservado. Atualmente, no local funciona uma das duas unidades do projeto de Educação Ambiental “Ambiente Jovem”.
Já a Prefeitura do Rio informou, por meio da Secretaria Municipal de Habitação, que não há projetos de revitalização de praças e áreas de lazer na comunidade do Vidigal. A nota também informa que a SMH é responsável somente sobre as obras, a conservação destes locais não é de responsabilidade.
Por fim, a nota da Secretaria relata que a região da Avenida Central é uma área de responsabilidade do governo do Estado, sendo que a prefeitura não lida com contratos de infraestrutura e urbanização da área. Entretanto, a equipe do Voz das Comunidades registrou uma placa da Prefeitura informando a respeito da revitalização do espaço.
Áreas de lazer são locais que estão em falta nas comunidades. As que existem atualmente sofrem com o descaso do poder público na área de manutenção, uma vez que a preservação do local é realizada pelos próprios moradores. O Campo da Mina, como exemplo principal, poderia oferecer de maneira ampla serviços esportivos e sociais às crianças e jovens, ainda mais em época de férias. Mas sem os serviços essenciais, como limpeza e urbanização desses espaços, torna-se inviável o acesso, ocasionando em áreas inapropriadas para aproveitamento de todos. No Vidigal, as principais atividades se concentram na Vila Olímpica, localizada na parte alta da comunidade. Para moradores da parte baixa do Vidigal, são poucas as opções de lazer. Ainda que o Cantão e as praças citadas na reportagem sejam alternativas, becos, vielas da comunidade ainda seguem sendo uma das principais opções de áreas de diversão. Lazer é um direito!
Reportagem: Rafael Costa
Fotografia: Selma Souza
Produção: Redação Voz das Comunidades