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Neste 8 de Março, conheça duas mulheres que potencializam outras no Morro da Providência

Miriam Generoso e Titi Constantin estão à frente de projetos que impactam a vida de todas da comunidade
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

A Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou na década de 1970 que 8 de março seria o Dia Internacional da Mulher. Apesar de comemorada no mundo todo, a data tem um recorte histórico racial bem delimitado: mulheres brancas que lutam pela equidade de direitos com homens brancos. Historicamente, a data foi escolhida após uma série de movimentos entre o final do século 19 e o início do 20, e um deles foi em Nova York, 1911. No entanto, para se ter ideia, o ano que marca a primeira conquista dos direitos civis da população negra nos Estados Unidos é 1964. 

Levando para o Brasil, o que essa data significa para a favela, que é um lugar marginalizado e atravessado pela violência? Quem são as mulheres que estão à frente de projetos que impactam a vida de outras que são, em sua maioria, negras e não-brancas? O Morro da Providência, localizado na Zona Central do Rio, conta com duas potências que fazem a diferença no cotidiano da comunidade. São elas: Miriam e Titi. Duas histórias distintas que se cruzam em uma sintonia que promete, e, aos poucos, vai cumprindo, potencializar ainda mais a Providência. 

Miriam Generoso, Coordenadora do Coletivo MIP

Miriam dos Santos Generoso, de 35 anos, é cria do Morro do Encontro, que ficava na Estrada Grajaú-Jacarepaguá, mas atualmente mora no Morro da Providência. Ela é coordenadora do Coletivo Mulheres Independentes da Providência (MIP), que faz parte da Casa Amarela e tem como objetivo emancipar mulheres do território financeiramente, além de ser um lugar seguro e acolhedor para elas. É também quem fundou o Afro Cine Ípádè.

O MIP começou com “o pé na porta”, oferecendo cursos de Costura, Culinária, Massoterapia, Cosméticos Naturais, entre outros. Inclusive, já há alunas empreendendo e fazendo sua própria grana. Além disso, desde 2019, ela tem o Afro Cine Ípádè, também na Casa Amarela. “Eu gosto muito do nome Ípádè porque é uma palavra em iorubá que significa reunião. Dentro das atividades religiosas, é uma das oferendas que se dá para Exu, no começo de qualquer atividade. E, em algumas casas, o Ípádè é realizado por mulheres. Ou seja, fazemos um encontro entre mulheres, que conversam, que choram…”, explicou ela sobre o cineclube, que exibe filmes protagonizados e produzidos por pessoas negras e geram debates sobre as temáticas que as obras trazem.

Miriam Generoso também é fã de anime e de dançar, além de bacharel em Direito e mestranda em Justiça e Segurança. 
Foto: Selma Souza/Voz das Comunidades

“O cineclube foi também um processo interno de apoio em que eu aprendi muito. Foi um norteador da construção da minha identidade atual de mulher negra. Esse meu processo começou aos 29 e com o Cine todas as fichas caíram de uma vez só. É muita informação, muitos sentimentos, muitas pessoas compartilhando similaridades e tantas dores em comum”, desabafa. 

Ela confessa que tem ficado observando e absorvendo muitas das falas dessas mulheres. “Eu quero que a Casa seja um lugar seguro. Se elas não estiverem se sentindo bem, a gente vai até o quarto, fecha a porta e conversa. Sempre falei isso para elas, porque às vezes elas mandam mensagem no WhatsApp. Não tem tempo hábil na vida para responder todas! Então, eu falo: ‘quem precisar conversar, venha na casa, estou todos os dias’”, contou Miriam sobre a relação dela com as mulheres que frequentam o espaço. “Partindo desse lugar seguro, sugeri que o tema do próximo Afro Cine seja o Amor, em suas várias perspectivas, principalmente em família”, disse.

“Eu aprendi com uma turma muito pontual, com uma situação que poderia ter ido para um conflito maior justamente em um dia em que eu não estava! É como se eu fosse um ponto de referência para elas. Uma aluna me disse: ‘é você quem comanda a gente’. Nessa turma, pontualmente, eu tive que ser mais incisiva; dei esporro em geral e acabei me sentindo mal. Mas, ao mesmo tempo, parece que foi a melhor turma. Porque, depois disso, elas conseguiram se alinhar de tal forma que dentro dessa turma não teve mais nenhum conflito e também não teve desistências. Então, tenho aprendido muito”, relata Miriam sobre sua posição no MIP.

Miriam fala sobre o peso de ter sempre que ser uma mulher forte. Mas diz que com as mulheres da Providência entendeu que não precisa se preocupar com suas fragilidades. “Porque elas também procuram me amparar de alguma forma. E, me sinto muito confortável com elas nesse sentido de saber que elas também são um apoio para mim”, finaliza. 

Titi Constantin, codiretora da Casa Amarela

Tiphanie da Silva Constantin, mais conhecida como Titi, tem 34 anos e trabalha na Casa Amarela desde 2016. Formada em Letras e em Comércio Internacional, iniciou como voluntária e, nove meses depois, candidatou-se para uma vaga de cogerente. Hoje, ela é codiretora da Casa, que oferece atividades e cursos não só para as crianças e adolescentes da Providência, mas para mulheres da área, que fazem parte do Coletivo MIP. 

Apesar de sua experiência profissional, Titi conta que ela só pôde aprender a liderar um projeto social, cultural e territorial na Providência. “Quando eu cheguei, era considerada uma gringa. Com os anos, isso foi desaparecendo. As crianças novas entravam e não falavam mais isso, então, eu fui me tornando brasileira morando aqui. Fui criada por uma mãe brasileira artista que ressignificava todos os dias da vida dela a saudade que ela sentia do Brasil me apresentando as coisas daqui. Eu pensava: ‘um dia vou ter que ir lá, vivenciar tudo isso que me foi apresentado aqui’. Hoje em dia, não saio daqui!”, diz Titi, que se sente em casa.

Titi da Silva é franco-brasileira
Foto: Selma Souza/Voz das Comunidades

Filha de mãe brasileira e pai francês, Titi, que é mãe de um menino de 3 anos, chegou ao Brasil em 2015 e anos depois descobriu que seu avô era cria da Ladeira do Livramento, um dos acessos à Providência. Ela conheceu a primeira favela quando trabalhava no France Television, apresentando uma websérie que contextualizava as cenas da telenovela brasileira Lado a Lado, protagonizada por Camila Pitanga e Marjorie Estiano. 

“Eu não tinha experiência na área, mas eles precisavam de alguém que falasse português e francês para acompanhar o lançamento da novela, que seria transmitida em todos os países francófonos do mundo”, conta. Uma das pautas da websérie era o Morro da Providência, um dos cenários de Lado a Lado, que levou Titi a entrevistar Maurício Hora, morador da comunidade e um dos fundadores da Casa Amarela. Foi aí que ela se apaixonou. 

“Meses depois, mandei o episódio todo editado para o Maurício perguntando se eu poderia voltar porque gostaria de ser voluntária da Casa. Ele nunca me respondeu!”, relembra, rindo. E, completa: “Então, pensei: ‘vou lá no site do JR [fundador da Casa Amarela] ver se tem algum contato’. Mandei uma mensagem em todos os idiomas que eu sabia e, 48 horas depois, me respondeu o Mark, que é meu chefe até hoje e braço direito do JR”. Na época, a Casa Amarela abria apenas uma vez na semana e, hoje, ela se orgulha em dizer que há ao menos 6 atividades por dia lá. 

Ela desabafa que seu sonho é que a pessoa que entra na Casa Amarela precisando, saia sem nunca mais precisar. “Que ela saia com todas as ferramentas para ser o que quiser ser, lutar contra os impactos do racismo, da discriminação e opressão que são vivenciados todos os dias aqui”, reflete. Titi também reflete como trabalhar com mulheres foi um divisor de águas, já que trabalhavam exclusivamente com crianças e adolescentes. “O MIP nasce assim, com as mães de crianças querendo fazer cursos e atividades também. E, aí, quando a Miriam entrou, eu vi essa mudança nas mulheres, o que me deixou super feliz. É natural que as pessoas de frente sejam pessoas daqui e é bonito ver como elas amam a Miriam!”, contou. 

Tiphanie vem de uma família de mulheres cantoras e também era cantora na França. Nisso, ela conta como desistir da música e seguir seu plano B se tornou a sua melhor escolha. “Uma vez, uma pessoa falou para mim: ‘não é porque você não é cantora que você não é criativa. Olha o que você faz todos os dias na Casa Amarela! Você cria coisas!’”. A partir disso, ela compartilhou que a Casa Amarela devolveu muita coisa que ela achou que tivesse perdido desistindo da música. “E, com aquilo que me foi devolvido, eu vi que eu não teria feito se tivesse ficado no palco do clube de jazz. Talvez, eu não me acharia uma mulher tão braba sendo cantora como me acho sendo codiretora da Casa Amarela”, finalizou ela. 

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Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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