Pesquisar
Close this search box.

Filho de peixe… Peixinho não é

Foto: Betinho Casas Novas/ Voz das Comunidades
Foto: Betinho Casas Novas/ Voz das Comunidades

A trilha que estão percorrendo dois dos seis filhos de Marcio Santos Nepomuceno, o Marcinho VP

É comum quando os filhos, qualquer que seja a carreira que seus pais tenham, sigam pelo mesmo caminho. Mas não é a regra. É o caso de Débora Gama, 19 anos, e Lucas Nepomuceno, 21. Ela, está no terceiro período de arquitetura e é cantora profissional do segmento gospel desde os 10 anos, e ele, está no oitavo período do curso de Direito. Os dois cantavam juntos até um ano atrás e possuem dois CD’s independentes gravados.

Ambos, junto com outros quatro, são filhos de Marcio Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, preso há mais de 20 anos e considerado pelas autoridades como chefe, traficante de drogas, e inimigo número 1 do Estado do Rio de Janeiro. Com a colaboração do jornalista Renato Homem, Marcio lançou no sábado, 21 de outubro na quadra da Mangueira, o livro “Marcinho Verdades e Posições, o direito penal do inimigo”.

No mesmo dia, Débora vai cantar as músicas de seu primeiro CD solo – agora sem o irmão – que vai contar com três músicas de autoria de Marcinho, que hoje cumpre pena no presídio federal de Mossoró, no Rio Grande Norte. Ela conta que está ansiosa para cantar sozinha, mas no dia em que a equipe de reportagem do Jornal Voz das Comunidades foi até a casa da família em um bairro da zona oeste da cidade, uma segunda-feira de céu cinza e tempo quase frio, a jovem estava era debruçada com os trabalhos da carreira de arquitetura.

Era véspera da apresentação de um projeto de moradia multifamliar para faculdade, que entrou por orientação do pai. “Eu queria fazer design de interiores, aí meu pai não aceitou muito porque design é só um tecnólogo de dois anos, e arquitetura abrange muito mais coisa. Eu gosto muito da área da construção, sempre gostei. Aí ele falou, já que você gosta dessa área, faz arquitetura”. Do lado de fora, num jardim com flores rosas, um culto com Marcia Gama, mãe dos cinco dos seis filhos e esposa de Marcinho VP há mais de vinte anos, e outros familiares. A família inteira é evangélica da igreja Assembléia de Deus e até os repórteres foram chamados para serem abençoados pelo pastor.

Antes, ainda na sala que exibia na estante livros como “Da favela para o mundo” sobre a história do Grupo Cultural Afro-Reggae e “Novo dicionário da bíblia”, enquanto trabalhava para repetir a nota máxima do semestre anterior, Débora contou que sofreu muito com a escolha do curso e que teve momentos que pensou em desistir porque achava que não conseguiria de jeito nenhum. Mas persistiu. “Eu mergulhei assim de cabeça sem saber nada e fui. Agora estou gostando. Período passado teve um projeto que eu fiquei desesperada, minha mãe queria me tirar da faculdade. Eu chegava em casa chorando. O que me animou foi que no final do período eu fiquei com dez no projeto. Agora estou gostando”.

Mesmo com a veia musical tão presente, ela explicou que queria fazer música, só que fora do Brasil. “Sempre tive vontade de estudar música, sempre fiz aula de canto, cursinhos, agora faço aula de teclado e teve um tempo que eu estudei a teoria da música, mas nunca quis estudar música no Brasil. Queria ir pra fora. Tem uma escola de música lá fora que é focada no Ministério da pessoa, então eu já iria aperfeiçoar meu inglês e estudar música. Só que meu pai queria muito muito muito que eu fizesse a faculdade, então eu falei assim, vou fazer a faculdade, depois eu estudo música lá fora”. Sobre o futuro, Débora palpita que não deve exercer a arquitetura porque acha que “a música vai ganhar, cantar é o que eu amo fazer”.

Estudiosos, Lucas Nepomuceno e Debora Gama almejam um futuro diferente do pai. Foto: Betinho Casas Novas/ Voz das Comunidades
Estudiosos, Lucas Nepomuceno e Debora Gama almejam um futuro diferente do pai. Foto: Betinho Casas Novas/ Voz das Comunidades

Contando da carreira, Débora fala sempre de Marcinho, mostrando uma presença de quem tem um pai que vai chegar no fim do dia para conversar como está os afazeres da graduação. Ela, sem tom de tristeza mas também sem naturalidade, explica: “Não me entristece, levo de boa. Como eu nunca tive meu pai por perto, então meio que a gente não sabe como é ter ele, mas toda vez que eu vou visitar é uma sensação boa e ao mesmo tempo estranha de não poder ter ele sempre perto, sabe?! Mas… é isso”.

Assim como a Débora, Lucas sempre fala em nome dos irmãos. “Eu e meus irmãos”, “para mim e para os meus irmãos”. Todos estão animados para o lançamento do livro. Débora diz que o pai está ansioso, que é a realização de um sonho pra ele que, segundo ela, é um leitor voraz. “Ele só não tem a carteirinha da OAB, sabe tudo de direito”. E foi essa a escolha de Lucas, o primogênito, que está no oitavo período da faculdade e quer, em um futuro breve, fazer uma pós-graduação em processo penal. Márcia também fez faculdade de direito. Ela é uma mãe cuidadosa. Quando o filho Mauro, autor de um poema que vai estar no livro e que o próprio vai declamar no dia do lançamento passou por nós, ela disse: “Vai ajeitar esse cabelo, menino”.

Depois sentou no chão e lavou a louça do copo que bebeu água sem pena de estragar o esmalte vinho. Márcia fala que criou os filhos dentro dos princípios da igreja, que é possível escolher uma nova história para vida e com a testa franzida em sinal de convicção completa “O que me move para educar meus filhos é a fé”. Lucas reconhece o esforço da mãe e do pai para educar eles. Com fala bem mansa e fisicamente muito parecido com o pai, ele diz que ser juiz é sonho de criança, mas não sabe se vai conseguir priorizar o objetivo já que tem outros projetos. “Eu gosto da política, quero ajudar as pessoas, fazer por elas com projetos sociais”.

Com 21 anos, idade em que o pai foi preso, ele estagia em um escritório de advocacia da área criminal, motivo que o leva quase que diariamente ao centro, no Tribunal de Justiça. Entendido das leis, com propriedade mostra clareza para entender a situação do pai com a justiça do estado e escapar do martelo pesado da sociedade. “Filho não tem culpa de erro de pai e filho também não escolhe pai. Entendeu? Mas mesmo se eu tivesse oportunidade de escolher eu escolheria o meu porque ele foi perfeito pra mim e para os meus irmãos”. “Pelo fato dele ser quem ele é, as pessoas acabam já atribuindo tudo a isso, mas eu digo que filho de peixe, peixinho não é. E a gente é a prova disso. E meu pai por mais que ele tenha ido por esse caminho, ele sempre ensinou a gente da forma certa, e isso (seguir para o caminho do crime) está fora de questão”.

Compartilhe este post com seus amigos

Facebook
Twitter
LinkedIn
Telegram
WhatsApp
Casibom GirişDeneme Bonusu Veren Sitelercasibomholiganbet girişmarsbahis güncelJOJOBETjojobet girişgrandpashabet

EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

Contato:
[email protected]