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Favelas do Rio fazem a festa com o camarão barato

Mais de 60 toneladas de camarão são vendidas por mês nas comunidades do Rio; preço acessível e geração de renda anima moradores

O camarão na favela tá barato pra caramba! O camarão, que já foi vendido por preços exorbitantes em supermercados da capital do Rio de Janeiro, está sendo comercializado em favelas da cidade com preços a partir de 16 reais o quilo. Tem quem diga que é possível encontrar sempre um vendedor do crustáceo em frente a um famoso mercado aos pés do Complexo da Penha, perto do BRT, por R$ 20. No asfalto de Bonsucesso, o graúdo é fácil de ser encontrado por vintão também. O que sempre foi visto por muitos da periferia como a tal  “comida de rico”, está chegando com um preço acessível e os moradores fazem a festa.        

“Eu não compro com esses pessoal que tá vendendo tão barato. Não sei a procedência desse camarão…”, comentou Graca Oliver, desconfiada, enquanto Solange Santana comparava com um ingrediente popular na culinária brasileira. “Comprei por 20 reais bem graúdo ali em frente à Grota. Estava bem conservado no isopor e gostei do atendimento. Tá mais barato que o alho!”. Já Elaine Pacheco trouxe uma suposição do que pode ser a resposta para a pergunta que geral está fazendo. “Esse ano se reproduziram muito”. Mas afinal, por que o camarão está tão barato?

Foto: Kamila Camillo / Voz das Comunidades

Em tempos de pandemia, camarão é vendido que nem água na favela

O empresário Leonam Pereira explica que a demanda do camarão mais caro diminuiu consideravelmente devido à chegada da pandemia da Covid, que resultou no fechamento de bares e restaurantes da cidade, principais compradores do fruto do mar até então. Com a menor procura, os praticantes da Carcinicultura, que é uma técnica de criação de camarões em viveiros, optaram em investir no camarão popular.

“Os criadores optaram por um camarão menor, que cresce mais rápido e gasta menos ração. A demanda do camarão pequeno, que é o mais barato, cresceu, e o pessoal de baixa renda que não consumia começou a comprar”, conta Leonam.

De acordo com a Associação Brasileira de criadores de camarão, em uma comparação entre os meses de janeiro a maio do último ano é possível ver que o volume e o valor da exportação foi de 42,1 em 2019 e caiu consideravelmente em 2020 para 16,5. Contudo, por que só agora começou o interesse em comercializar o camarão pequeno? “Acho que não existia a noção que o mercado de compra e venda de camarão pequeno também dava lucro”, explica Leonam.

A história do empresário no ramo de camarão começou há pouco mais de 3 meses, na feira de Vista Alegre, Zona Norte do Rio, próximo aos bairros da Penha, Irajá e Brás de Pina. Após fechar seus negócios, quando o governador decretou no dia 19 de março a suspensão do funcionamento de bares e restaurantes, Leonam viu no camarão solução não só para obter, mas também gerar renda.

“Um amigo que já trabalha nesse ramo vivia me chamando, mas eu nunca tinha me interessado, até que foi confirmada a pandemia. Ai fui lá ver para entender um pouco. No primeiro dia peguei 4 bandejas, cada uma com 16 kg e vendi as 4 muito rápido. Logo voltei e peguei 10 bandejas. Depois comecei a pegar 15 bandejas de 16kg a cada dois dias, até a hora que percebi que, com o preço que estava, era possível vender 20 bandejas em poucas horas. Nesse momento pensei em chamar meus amigos, e fiz a conexão. Eu tinha vários amigos desempregados e queria aumentar minha demanda, e para isso precisava de mão de obra. Fui chamando quem estava desempregado, sem trabalhar. Conversamos e eles gostaram da ideia, viram que é rentável e que ia dar um lucro maneiro. Hoje em dia o trabalho tá fluindo. Todo mundo ganhando, todo mundo sorrindo. Somos um time”, conta o dono do delivery Camarão Carioca.

Mais de 10 favelas são abastecidas pelo Camarão Carioca através de delivery

Atualmente a equipe vende de 700 a 800 caixas de camarão cinza por semana nas comunidades do Rio de Janeiro, em torno de 12 a 15 toneladas por semana. O novo empreendimento de Leonam gera trabalho para mais de 30 moradores das favelas que vendem Camarão Carioca, como Complexo do Alemão, Penha, Mangueira, Tuiutí, Chapadão, Barreira do Vasco, Pinheiro, Nova Holanda, Parque União, Baixa do Sapateiro, entre outras regiões da Maré, além da Vila Kennedy e Senador Camará, na Zona Oeste. “É o estouro nas comunidades. Todas tem um trabalho maneiro e estamos sendo bem correspondidos, a demanda tá grande”, comemora Leonam.

Não é novidade que os produtos nas favelas são comercializados de acordo com o poder aquisitivo de quem compra. As feiras livres são sempre um sucesso e o fluxo de compra e venda nesses territórios é grande. Diante disso, o que tudo indica é que o camarão ainda vai ser fácil de encontrar por muito tempo e quem sabe, pode ter chegado para ficar no prato do morador de favela.

“O empresário vai sempre lutar por um lucro maior, mas acho que vai ficar difícil deixar de vender o camarão pequeno. Ele pegou, a galera está gostando desse camarão mais pupular e tá vendendo bem. O lucro é menor, mas a gente ganha na quantidade, então as vezes vale mais do que se tivesse mais caro.”, ressalta Leonam.

Perfil de quem vende

Ele acorda às 7h da manhã, escova os dentes e toma um copo de Nescau. Espera a mãe, dona Valdirene Rosa, que é empregada doméstica, se arrumar e juntos, e descem o morro. Aos pés do Complexo do Alemão, Higor Vinícius, de 27 anos, aguarda o irmão mais velho, Thiago Vinicius, de 32 anos, trazendo as caixas com camarões. Eles formam o Bonito Camarão, e fazem ponto na Estrada Ademar Bebiano, próximo ao número 360, a antiga Estrada Velha da Pavuna, de segunda a sábado de 8h às 17h. O camarão é vendido por R$ 24,99 o quilo.

Thiago entrega camarão para o cliente. Foto: Kamila Camillo / Voz das Comunidades
O vendedor Higor com a mãe,
dona Valdirene Rosa. Foto: acervo pessoal

Higor dedica-se ao empreendedorismo desde muito novo, e diz que a necessidade de trabalhar veio desde cedo para ajudar a família, e com isso acabou se prejudicou nos estudos. “Eu não terminei os estudos ainda porque eu morava com meus pais e só meu pai trabalhava na época. A gente teve que correr na frente, falo sempre assim. Para poder arrumar um trabalho e ajudar dentro de casa. O horário que saia do trabalho dava conflito com o horário das aulas na escola.”

A história de Higor se repete em várias famílias, porém o morador da rua Malacacheta, perto da Relicário, que já foi caixa e trabalhou em uma hamburgueria, promete voltar com o supletivo. Enquanto a pandemia não passa, o jovem diz que está feliz por conseguir ganhar uma grana com as vendas de camarão. “A renda do dia depende muito do movimento. Tem dias que vende tudo, igual água, mas outros nem tanto. O movimento é normal, sexta e sábado já esquenta mais. Vai muito rápido o camarão, graças a Deus!”.

Higor vende camarões enquanto investe no Closet da Morango. Foto: Kamila Camillo / Voz das Comunidades

Além de empreender aproveitando a onda do camarão nas favelas, Higor também aposta na moda através de sua loja online, o Closet da Morango, na qual vende vestidos temáticos para crianças de 1 a 6 anos e de festa para meninas de até 8 anos. Os preços variam de R$80 a R$120 e, além de optar por receber o produto pelo entregador, Higor também faz as entregas no ponto onde vende o crustáceo.  

“Quando tem uma encomenda eu marco com a pessoa aqui mesmo. Quando o cliente chega para buscar aproveito para fazer a venda do camarão também. Me vejo como um microempresário.”

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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