Esgoto toma conta do beco Travessa da Viúva após obstrução de canal

Comunidade do Areal se torna um grande valão de esgoto

O beco Travessa da Viúva, que fica na comunidade do Areal, Complexo do Alemão, é uma localidade onde vivem cerca de 50 famílias. O trecho, que foi revitalizado há pouco tempo, agora vem causando problemas na vida dos moradores.

 O resultado do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que ocorreu na região, iniciado em 2008 com o objetivo de levar saneamento básico aos moradores, agora causa problemas e prejudica a comunidade. Durante as obras, foram construídos canais para auxiliar no escoamento da água e do esgoto que descia do alto do Complexo. O sistema funcionou bem durante um tempo, porém há mais de um ano vem apresentando uma enorme obstrução, que faz com que o esgoto escorra por todo o beco, apresentando risco para todos os que vivem no local, uma vez que o chão está todo escorregadio por conta do lodo que se formou. 

Moradores acreditam que o entupimento do trecho é causado pela grande quantidade de areia e lixo que, além de serem trazidos pelas chuvas, são encontrados também no fundo do reservatório.

Foto: Renato Moura/Voz das Comunidades

“Isso aqui era uma vala limpa com mais de 2 metros de profundidade. Ela escoava água direitinho. Mas depois de várias chuvas, a areia soterrou esse canal, porque aqui é chamado de Areal por conta do subsolo que é formado por areia. Com isso não tem passagem da água, aí acumula lixo e, com a obstrução dos canos, a vala entope e o esgoto sobe e escorre pelo beco, entope o vaso e a pia da casa de todo mundo aqui. A gente chama a Comlurb, os órgãos públicos para consertar e limpar, mas aí eles vêm, dá dois tiros eles largam carrinho, tudo aí e vão embora e não voltam mais” – relata a moradora Lilian Gomes, que mora no final do beco e teve a entrada de sua casa tomada pelo esgoto.

A moradora continua seu alerta: “Isso tem causado acidentes, meu genro caiu aqui com a filha dele de 2 anos e se machucou, minha neta contraiu doenças aqui, começou com bolinhas no pé, depois passou para o corpo e foi parar no hospital”.

Foto: Renato Moura/Voz das Comunidades

Para tentar minimizar o risco de entrarem em contato com a água contaminada, moradores utilizam pedaços de pau e tábuas como pontes para andar pelo local, uma medida que, em época de chuva, fica impossível de ser utilizada, já que o nível de água e esgoto aumentam a ponto de levarem esses objetos usados como apoio.

Raiane, outra moradora, também traz o seu relato: “Minha casa fica toda fechada porque o cheiro é insuportável. Para entrar em casa às vezes eu tenho que pisar nesse esgoto, é horrível porque eu piso nessa lama e chega de noite minha pele começa a coçar, irritação por conta dessa água de fezes e bactérias. E quando chove, aumenta a pressão de água e, como não consegue passar por essa vala, enche tudo, entra na minha sala” – denuncia ela, que enfrenta o triste desafio de ter que viver diariamente com um esgoto em seu portão.

Foto: Renato Moura/Voz das Comunidades

Por conta do problema que se instalou na localidade, quase não dá para transitar pela Travessa, que é um dos principais caminhos usados por diversos moradores que precisam passar todos os dias para irem estudar e trabalhar. Entre as diversas pessoas que compõem o quadro de cerda de 50 famílias que vivem na região, é possível encontrar cadeirantes e até deficientes visuais que enfrentam o desafio de ter que passar pelo beco em dias de consultas médicas. É o caso de uma das moradoras que entrevistamos.

“Meu marido é cadeirante e é uma dificuldade enorme passar com ele lá embaixo naquele esgoto, nem sempre as pessoas podem me ajudar, então conto com a ajuda do meu filho de 16 anos, mas quando ele não está em casa, eu tenho que carregar meu marido sozinha, para ele não ter que passar pela água. Quando chove eu já ligo para o hospital avisando que ele não vai poder comparecer, porque o beco está cheio e fica impossível de passar com ele ali” – relata Maria do Carmo, esposa do senhor Matias, que depende da ajuda de terceiros para fazer sua locomoção pela comunidade.

Foto: Renato Moura/Voz das Comunidades

Outro morador corrobora os relatos: “Minha sobrinha é quem cuida de mim, eu nem enxergo mais e eu sei dessa luta aí do beco que o povo diz que está cheio de cocô, mas eu percebo, porque quando vou sair é sempre uma luta, é uma pulação, minha sobrinha vai me guiando, e diz: não passa aqui tia, não passa ali. É um sacrifício, porque minha coluna dói e tem que ficar fazendo esse esforço para não pisar no esgoto. O outro dia tinha uma moça no beco que teve que me dar água para lavar meus pés, porque eu acabei pisando, é horrível. Eu já moro aqui há quase 40 anos, lembro que quando eu enxergava, esse beco depois das obras ficou direitinho, mas quando mexeram nessa vala aí complicou tudo” – desabafa Maria José, deficiente visual que tem recordações do beco assim que foi revitalizado.

Com o esgoto a céu aberto e a falta de saneamento básico, além de prejudicar a mobilidade o problema afeta também a saúde dos moradores, que têm apresentado quadros de doenças de pele e até mesmo Chikungunya, uma vez que o local cumpre com todos os requisitos para se tornar foco do mosquito Aedes Aegypti, transmissor do vírus.

Foto: Renato Moura/Voz das Comunidades

“Eu moro na entrada do beco, e agora esses dias minha família praticamente está toda de cama: minha irmã, meu sobrinho, minhas três filhas estão doentes, isso não afeta só aqui, mas afeta o beco todo, porque querendo ou não, o mosquito não vai ficar só aqui. Isso aqui está uma vergonha, está há mais de meses. A Associação vem e tira o lixo, mas não adianta. Se todo mundo aqui do beco cair doente, a Prefeitura não vai vir aqui dar remédio para ninguém. Eu tenho minha filha que foi operada, então tenho que ter o máximo de cuidado com ela, mas fica esse esgoto aqui e toda vez que chove as casas enchem, fica difícil” – conta Luana, moradora que tem enfrentado problemas de saúde na família por causa do descaso.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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