Com muita frequência o Complexo do Alemão tem sido pauta nos noticiários da cidade e do mundo. O cenário de frequentes conflitos entre policiais e traficantes atraem os olhares para aquilo que “é notícia”, desde a pacificação, em 2010. O fato é que toda essa cobertura midiática em torno da “guerra” deixa de lado a realidade dos que vivem os reflexos desse caos.
Um levantamento realizado por Betinho Casas Novas, revela que em 2014, cerca de 77 pessoas entre policiais e moradores foram atingidos por balas perdidas no interior da comunidade. Desses feridos, 27 eram moradores e 14 morreram. Os mesmos dados revelam um total de 50 policiais baleados, dos quais, três morreram.
Para os mais otimistas, o início de um novo ano poderia trazer a esperança de um “vidanova’’, mas a conta de “Cem dias Sem Paz”, iniciou-se logo na noite em que se comemorava a chegada do novo ano. Muitos ros foram ouvidos, confundindo-se ao desejo de um “feliz ano novo” e de algumas queimas de fogos. Logo na primeira semana do ano, essa foi a rotina: disparos eram ouvidos logo ao amanhecer, na hora em que trabalhadores seguiam seus caminhos, tentando retornar à rotina diária.
No dia 17 de janeiro o Complexo do Alemão “inaugurava” sua primeira vítima de bala perdida para as estatísticas de 2015. Fernando Santos, de 28 anos, foi baleado no braço esquerdo enquanto voltava do trabalho na localidade conhecida como “Largo do Bulufa”, uma das áreas mais violentas do conjunto de favelas. Felizmente nada grave aconteceu com Felipe, que após ser baleado, foi socorrido de imediato para o Hospital Getúlio Vargas (referência para atendimentos de vímas da violência na região), na Penha, um outro complexo que também sofre com a violência diária.
Outros prejudicados pela violência no Alemão foram os comerciantes que ganham a vida com o lucro de seus estabelecimentos. Por muitas vezes, lucro maior é a preservação de suas próprias vidas, pois estando em meio a uma troca de ros é necessário agilidade para fechar seus estabelecimentos com rapidez e procurar um local seguro. Na localidade conhecida como “Rua 2”, uma das mais violentas e com casos de feridos graves, é notório observar paredes, muros, portas e janelas de bares, comércios e casas, perfurados por balas perdidas. A comerciante “X”, de 61 anos, moradora do Morro do Adeus, uma das 13 comunidades que envolvem o Complexo do Alemão, trabalha vendendo “sacolé” e comentou sobre as dificuldades que está vivendo. “Eu trabalho com isso há bastante tempo, e com essa violência toda os comércios fecharam e eu não posso comprar as frutas que utilizo para fazer os sacolés. Complicado”, revela “X”. Preferimos chamar a comerciante de “X” para preservar a sua segurança.
No inicio do ano de 2014, novos estabelecimentos comerciais surgiam a cada semana. Por conta das ondas de violência, que sempre eram televisionadas mundialmente, os comércios permaneciam vazios, por conta da pouca quantidade de turistas que visitavam o Alemão em busca do famoso teleférico , inaugurado em julho de 2011. A Por muitas das vezes, os passageiros do teleférico tiveram que desembarcar às pressas das gôndolas, por motivos de “segurança pública”, nota que a concessionária responsável dava para os usuários, o que traduzindo, significava que em algum ponto do Alemão acontecia um roteio.
Para a Polícia Militar não foi diferente, a estatística se abria ainda no mês de janeiro. A onda de violência atingiria a todos na comunidade. No dia 26 de janeiro, três policiais militares foram baleados em um único dia. Os soldados Emanuel, Uziel e R. Machado, foram atingidos em uma violenta troca de ros na comunidade do “Sabino”. Nesse mesmo dia, mais um morador entrava para a lista de feridos de 2015. Conhecido como “Guaribará”, Rafael, de idade não revelada, foi atingido no campo do Seu Zé, comunidade da Fazendinha, levado para o hospital Getúlio Vargas e liberado posteriormente.
A guerra parecia sem fim e moradores desesperançosos buscavam soluções nas redes sociais, com pedidos de “Paz”, correntes de forças, textos elaborados relatando o dia a dia na região, marcando pessoas famosas, jornais internacionais, entre outras possíveis fontes de ajuda, a fim de serem ouvidos. No dia 7 de março, a Polícia Militar registrou seu primeiro ferido fatal envolvido em confrontos no Alemão. No dia em questão, dois policiais foram feridos.
O inicio da quinta-feira, 19 de março, não começou bem para os moradores, visitantes e policiais das Unidades de Polícia Pacificadora do Conjunto de Favelas do Alemão. Logo pela manhã, uma intensa troca de ros pegou de surpresa centenas de crianças e jovens que iam para as suas escolas. A maioria dos alunos não foi à aula por conta dos intensos disparos. Esse foi o 81o dia seguido de violência no Complexo. Já na parte da tarde, as estatísticas infelizmente aumentariam, com dois baleados no mesmo local e na mesma hora. Vanessa Aparecida Abcassis, de 38 anos, foi atingida com um tiro na coxa próxima a região do abdome. Imediatamente, a mulher foi socorrida pelos os agentes da UPP Alemão e levada para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Estrada do Itararé, mas chegou sem vida ao local. Junto com Vanessa, um homem não identificado teria sido baleado com um tiro de raspão nas costas. A UPP negou essa última informação.
O dia ainda seguia com intensos tiroteios por todas as dezoito comunidades do Alemão, sem dar trégua para Paz alguma. Vários moradores precisavam retornar aos seus lares, mas precisaram esperar por uma calmaria no lado de fora da comunidade. No mesmo dia, por volta das 22:30, a estatística aumentaria novamente, dessa vez, para o outro lado, o da PM. Dois militares, identificados como Costa e Fontes, foram baleados na comunidade da Grota, parte interna do Alemão.
Em apenas 81 dias, o Complexo do Alemão já somava 28 feridos entre policiais e moradores do conjunto de favelas. Destes, 18 são moradores (7 mortos) e 11 são policiais (1 morto).
Após duas semanas de confrontos intensos por todas as partes do Alemão, não havendo local para se chamar de “seguro” ou afirmar que “tá tranquilo”, percebendo o Alemão sendo noticiado diariamente nas redes de televisões nacionais e internacionais, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, fez uma visita surpresa a comunidade complexa. Na ocasião, Pezão havia inaugurado um novo sistema de trens urbanos e aproveitou para visitar o conjunto de favelas, indo de teleférico para a Estação Central, que fica no alto do Morro do Alemão. Em uma curta conversa, Pezão afirmou que estaria disponível para qualquer tipo de contato com os moradores locais, e ainda afirmou que se fosse possível ser feita uma reformulação para o combate a violência no alemão ele faria, até mesmo se fosse nas Unidades de Policias Pacificadoras.
Alguns dias após a visita do Governador no Alemão, uma intensa troca de tiros deu início na tarde de quarta-feira (01/04). Pelas redes sociais, circulavam as fotos de mais uma pessoa morta. Se tratava de Rodrigo, de sobrenome não revelado, 24 anos, morto com um tiro na cabeça em um ponto conhecido como “Rua Dois”, na comunidade da Alvorada. Segundo a nota da assessoria das UPPs, Rodrigo, conhecido como “Farinha”, morreu em uma troca de ros com policiais na localidade.
No Mesmo dia, mesma hora e mesmo local, outra vítima entrava para a estatística de baleados e mortos. Imagens desesperadoras de um socorro improvisado por moradores comoveu todo o país em questão de minutos. Elizabeth de Moura Francisco, 41 anos, foi atingida por um tiro no pescoço dentro de casa enquanto assisa à TV com sua filha, Maynara de Moura Alves, 14 anos, que também foi atingida por um disparo no braço direito. Vizinhos rapidamente fizeram o socorro das duas vimas, mãe e filha Duas vímas da mesma família, atingidas por balas perdidas, ao mesmo tempo e dentro de casa.
Em questão de minutos, a imprensa de todo o mundo noticiava as mortes no Alemão. Nas redes sociais circulavam, sem censura, as imagens dolorosas do resgate das vímas, do desespero de um pai próximo ao corpo de seu filho, entre outros relatos de moradores.
Posteriormente ao caso da dona Elizabeth, na tarde de quinta-feira (02), a Polícia Civil realizava uma operação para a reconstituição de sua morte na comunidade. Quatro carros blindados das Polícias Civil e Militar, percorriam toda a comunidade patrulhando os locais próximos ao ocorrido.
Ao anoitecer, no mesmo dia da reconstituição, José e Tereza Maria perdiam seu filho, Eduardo de Jesus, de apenas 10 anos de idade, em outra favela, porém no mesmo complexo, atingido por um tiro na cabeça. Eduardo foi mais uma vítima da violência que bateu na porta de sua casa.
“Meu filho era só uma criança, ficava o dia inteiro no colégio, e só tirava notas boas”, diz a mãe sobre o filho, cujo sonho era ser bombeiro. Segundo o relato da mãe, dona Tereza Maria, Eduardo estava assistindo à TV, quando saiu para esperar sua irmã, que chegava do trabalho, na porta de sua casa.
“Ele estava na sala comigo, quando sentou na porta e ficou brincando no celular enquanto esperava a irmã, e depois eu ouvi o ‘baque’. Só escutei o ‘baque’ do tiro que matou o meu filho”.
Após a morte da criança, moradores realizaram um protesto pacífico, com cerca de 500 pessoas caminhando pelas as ruas da comunidade, com faixas, carros de som, balões brancos e rostos pintados, pedindo paz e o fim da violência no Complexo do Alemão, que está há mais de 100 dias sem Paz.