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Capão? Só existe em época de eleição!

Talvez você não conheça, mas já tenha ouvido falar. Capão é uma das comunidades que teve menos investimento do Governo.

O abandono do Poder Público é visível seja do teleférico, seja do asfalto. Falta de saneamento, coleta de lixo, área de lazer, precariedade no atendimento médico, no sistema de ensino, risco de desabamentos, entulho de obras inacabadas e muitos outros temas tem sido discutidos desde que o Voz da Comunidade teve início. O Capão, uma das comunidades do Complexo do Alemão, é um dos locais que chocam até mesmo aqueles que vivem essa realidade. Ganhando apelidos sugestivos como “Terra do nunca”, “Vila dos esquecidos”, “Vila Miséria”, ao jogar a palavra “Capão” no Google, notícias boas não existem. Cerca de um ano atrás, algumas obras foram feitas para minimizar os esgotos a céu aberto e os alagamentos que as chuvas causam, mas os moradores parecem não ter aprovado:

“O pouco que fizeram, foi uma maquiagem. Dei uma entrevista para o “Parceiros do RJ” e algumas semanas depois, vieram aqui e taparam algumas coisas com cimento, mas quando chove, parece que piorou. O que tinha de ser resolvido, não foi!” Exclamou indignada Andréia Soares, moradora do Capão desde seu nascimento, que afirma que nesses 37 anos de vida, as mudanças foram sempre para pior. Exemplificou falando das áreas de lazer que sempre foram escassas e a única praça que havia, foi reduzida até virar um espaço vazio.

capao-1Ao andar pelo Capão, as primeiras imagens são de muito esgoto a céu aberto e terrenos abandonados que foram transformados em lixeira. Um dos pontos que mais chama atenção é embaixo do teleférico, ao redor da pilastra, transformado em lixão, que inutilizou o caminho e contrasta gravemente com o “ponto turístico”. Em todo o Complexo do Alemão, é fácil notar sacos de lixo pela rua, em valas e isso nos faz voltar a questão de coleta e responsabilidade social que todos temos: ” Tem morador e gente de outras áreas que, ao invés de procurar a caçamba, preferem alimentar essas lixeiras a céu aberto.” Disse uma moradora que preferiu não se identificar. Vale a observação de que No capão, apenas seis caçambas de lixo pequenas foram encontradas, que não comportam o lixo de 20% do local.

A necessidade de alguma estrutura é gritante, principalmente pelas crianças, grávidas e idosos, que tendem a ter suas vidas mais arriscadas diariamente. O asfalto está totalmente gasto e moradores contam que alguém sempre cai, revelaram o medo de acontecer algo mais grave e que isso os faz se unir, fazer a famosa “vaquinha” e tentar resolver as emergências, assim foi feita a última obra, na tentava de amenizar os buracos no asfalto.

Criança que não brinca, com certeza perde a melhor parte da infância e o único jeito de brincar no Capão, é convivendo com a falta de limpeza das ruas, o que resulta em doenças. Mãe de 4 filhos e avó de uma criança de 3 anos, Andréia pontuou algo que se tornou normal na vida daqueles que residem no Capão: “Meus filhos já pegaram micoses de vários tipos, os esgotos vivem entupindo e quando chove o Capão se transforma em cachoeira de água e lixo. Parece impossível viver assim, mas é a nossa realidade. A única quadra de lazer, é na Nova Brasília. Não dá para deixar as crianças irem sozinhas, tem um roteio, eu faço o que?”

No primeiro contato que tive com o Capão, conheci uma família que vivia em uma das situações mais precárias que já pude ver. A mãe, Vera Lúcia dos Santos com seis filhos e seu marido, que se encontrava doente devido á falta de saneamento e acúmulo de lixo no local, o que tornava a casa um “playground” de ratos e outros animais transmissores de doenças graves. E Andréia, falou sobre a mesma situação: “Rato aqui é quase bicho de estimação. Tem que trancar a casa inteira e, ainda assim, existe o risco de entrar rato em casa. Eu e minha irmã já fomos mordidas, graças a Deus não contraímos nenhuma doença séria.” Além de toda a situação de Vera, sua casa corria risco de desabamento. Ao voltar lá, não a encontrei, mas os mesmos problemas vistos em 2013 foram encontrados, sim.

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Ao conversar com diversos moradores, algumas das frases que ouvi, foram: “O Capão é uma tragédia anunciada ou uma sucessão de tragédias”, “Aqui no capão, vem muito político! Em época de eleição, para pedir voto e fazer promessas que nunca são cumpridas.” Pedi a Andréia para que mandasse um recado as autoridades: “Pelo amor de Deus, não olhem só para Nova Brasília, não embelezem somente ela. O capão precisa de mudanças, aqui também tem morador e ninguém faz nada.”

Como de costume, procuramos a Prefeitura do Rio de Janeiro e a Comlurb, questionando-os sobre a situação do Capão. Leia, na íntegra, a resposta da Comlurb:

“A Comlurb, por meio da Gerência de Limpeza do Alemão, realizou agora à tarde (25/06) vistoria no local e constatou que a Comunidade se encontra limpa e quanto aos terrenos citados, alguns estão cercados e outros com obras. Não estão abandonados e nem com lixo. A coleta domiciliar na Comunidade do Capão é realizada diariamente, de segunda a sábado, em dois turnos e aos domingos, pela manhã.

Para atender melhor a comunidade foi instalado no local um eco ponto com duas caixas metálicas, para entulho de obras e móveis imprestáveis, além de uma caixa compactadora para receber o lixo comum. As caixas são limpas diariamente. Pede-se a colaboração dos moradores para que mantenham a comunidade limpa, não depositando o seu lixo em local indevido e respeitando os horários da coleta domiciliar.”

A Prefeitura do Rio de Janeiro, até a publicação desta matéria, não respondeu nosso contato.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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