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2015… Um ano que devemos esquecer?

Assim como 2014, o novo ano já começava violento, com mortes, baleados e feridos. A esperança dos moradores do Alemão, para o ano de 2015, era de uma mudança tranquila, próspera e de paz, levando em conta o ano violento que havia sido o anterior. Mas os primeiros meses mostraram que, cada vez mais, os moradores precisam conviver e resistir a toda violência e aos problemas da comunidade. Ao invés de uma virada com gritos de “paz”, “prosperidade”, “saúde” e “amor”, eram ouvidos novamente “Justiça”, “Fora UPP”, “Basta”, “Paz no Alemão”.

Foto: Betinho Casas Novas
Foto: Betinho Casas Novas

Já no dia 19 de março, mais uma vítima de bala perdida chocou toda a comunidade. Vanessa dos Santos Abcassis, 38 anos, foi alvejada na porta de casa enquanto conversava com um vizinho. O disparo foi após uma troca de tiros na comunidade da Central, no alto do morro do Alemão, atingindo sua coxa, próximo do abdome. Vanessa chegou a ser levada para a unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas já chegou sem vida na unidade. Revoltados, familiares de Vanessa desabafaram em protesto nas redes sociais.

No mês seguinte, duas mortes revoltaram os moradores do Alemão e do Brasil. Entre elas, uma senhora e uma criança de apenas dez anos. Elizabeth Moura, 41 anos, estava com a família em casa, sentada em seu sofá, na sala, quando foi atingida por um tiro no pescoço. No momento do disparo, uma intensa troca de tiros ocorria na região. Junto com Elizabeth, outra pessoa era atingida na mesma ocasião. A vitima era sua filha, Maynara Moura, 14 anos, ferida no braço, ao lado de sua mãe. Mãe e filha foram levadas pelos moradores ao pronto-socorro mais próximo. Maynara foi atendida e liberada em seguida, já sua mãe, não resistiu e morreu no hospital.

Elizabeth Moura, 41 anos, estava com a família em casa, sentada em seu sofá, na sala, quando foi a ngida por um ro no pescoço.
Elizabeth Moura, 41 anos, estava com a família em casa, sentada em seu sofá, na sala, quando foi atingida por um tiro no pescoço.

No dia seguinte à morte de Elizabeth, a Polícia Civil do Rio fez uma operação de reconstituição do acidente, na localidade onde a senhora e sua filha foram atingidas. A operação demorou o dia inteiro. À noite, imagens circulavam pelas redes sociais, apontando mais uma vítima de bala perdida. Dessa vez, era uma criança de apenas dez anos de idade. “Assassino, assassino!” – gritavam os moradores, no vídeo compartilhado por mais de mil pessoas na mesma hora.

Eduardo de Jesus Ferreira foi atingido por um tiro na cabeça enquanto aguardava, na porta de sua casa, sua irmã chegar do trabalho. Em questões de minutos, as imagens do menino morto circularam pelo mundo.

“Um minuto que meu filho saiu para a porta de casa, esses desgraçados (referindo-se aos PMs) mataram meu filho…” – contou, revoltada, a mãe do menino, Tereza Maria de Jesus. Nossa equipe foi uma das únicas a cobrir no local, em tempo real, a morte do menino Eduardo. Solicitada pelos moradores, a equipe do Jornal Voz da Comunidade chegou uma hora depois da morte do menino. Na mesma noite, cerca de 200 moradores fizeram um protesto simbólico na entrada da comunidade com velas, gritos de justiça e faixas.

Foto: Renato Moura
Foto: Renato Moura

Três dias depois deste triste episódio, cerca de mil moradores invadiram as ruas do Alemão em protesto pelas mortes ocorridas. Com faixas, bandeiras e lençóis brancos, os moradores andaram por toda comunidade. Na parte baixa do Alemão, a Polícia Militar entrou em confronto com os manifestantes, dispersando a multidão com bombas de efeito moral e gás lacrimogênio. Cerca de cinco pessoas deram entrada na Unidade de Pronto Atendimento do Alemão, feridas na confusão, atingidas por balas de borracha e estilhaços das bombas lançadas pelos policiais militares.

O ator Paulo Betti também esteve na manifestação do Complexo do Alemão. Cerca de 500 pessoas estavam reunidas na praça de inhaúma. - Foto: Morador/Via WhatsApp
O ator Paulo Betti também esteve na manifestação do Complexo do Alemão. Cerca de mil pessoas estavam reunidas na praça de inhaúma. – Foto: Morador/Via WhatsApp

Um ato pela paz, organizado por um grupo de ativista do Alemão, foi realizado uma semana após a morte do menino Eduardo. Dessa vez, evitando um possível confronto com a PM, o ato foi organizado com carro de som, camisas, faixas e intervenções culturais, além da presença de artistas e da imprensa nacional e internacional. Cerca de duas mil pessoas participaram da caminhada, que saiu da comunidade da Grota, indo em direção à praça de Inhaúma, onde finalizou o ato. Os policiais militares acompanharam tudo de perto.

A morte do menino Eduardo foi o estopim para a revolta dos moradores do Alemão. No ciada em todos os telejornais do mundo, fazendo o caso ser chamado de “Guerra no Alemão” ou até mesmo de “Caos no Rio”. Em pouco tempo, o Governo do Estado do Rio, representado pelo Governador Pezão, assumiu a culpa do Estado nas mortes de Eduardo e de Elizabeth Moura. Entretanto, os agentes envolvidos no caso da morte do menino Eduardo não foram indiciados pela morte, sete meses após o ocorrido.

Um levantamento realizado pela Organização Voz das Comunidades mostrou que, em 2015, 44 pessoas foram atingidas em troca de tiros no Complexo do Alemão. Destas, 22 pessoas morreram. Superando o ano de 2014, quando 27 pessoas foram atingidas, com 14 mortes, o ano de 2015 se tornou o mais violento desde a ocupação de 2010, pelas forças militares.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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