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Vila Cruzeiro no mapa cultural da cidade

Foto: Divulgação
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Formado por moradores da comunidade, o grupo promove um diálogo entre a favela e elementos da dramaturgia universal

Típica de qualquer favela, a laje virou sinônimo de diversão. Essa instituição cultural das favelas cariocas é o local preferido para festas, encontros, churrascos, banhos de mangueira, pegar aquele bronzeado no verão, e teatro. É isso mesmo que você leu, na Vila Cruzeiro foi o local, onde, por anos, ensaiaram os atores do Teatro da Laje. Desde sua fundação, em 2003, o grupo superou dificuldades e buscou caminhos para transformar o medo e a insegurança, em poesia.

Conhecido e consolidado no meio artístico, o Teatro da Laje se destaca por fazer um teatro territorialidade, contextualizado, como descreve o fundador do grupo Veríssimo Junior. “A gente se preocupa em colocar em cena os mitos, a poética da Vila Cruzeiro, mas sempre em diálogo com as questões universais, não interessa para a gente fazer gueto. Procuramos identificar elementos da dramaturgia universal, os textos dramatúrgicos e traduções teatrais que refletem em nosso cotidiano”.

Veríssimo, que também é professor na escola Leonor Coelho há 19 anos conta como foi o inicio e as resistências que ele enfrentou naquela época. “As resistências foram de diversas ordens, a primeira foi a minha própria , pois em vim da Escola de Teatro da Unirio, tenho origem popular, fui criado na periferia do Recife, mas adquiri hábitos e visões de classe média, então eu cheguei aqui cheio de teorias, ideias, técnicas teatrais e queria enfiar a rapaziada naquela realidade, quando eu vi que não cabia, então eu decidi que era hora de redescobrir e reinventar todas essas técnicas que eu aprendi, ou criar novas teorias e novas formas de fazer teatro aqui dentro. A questão étnica ainda é presente, por exemplo se nos apresentarmos em uma praia em um final de semana, podem nos confundir com um arrastão, pois o padrão é racista, essa preocupação ainda existe, o país nesse aspecto ainda não mudou”.

A companhia também enfrentou o preconceito vindo da própria classe artística, sobretudo pelo fato dos teatros se concentrarem em sua maioria, na Zona Sul do estado. “A Zona
Sul ainda não se acostumou com o fato de que ela não possui mais o monopólio sobre as narrativas da cidade, dos discursos cênicos. Antes ele desconhecia completamente o que acontecia do lado de cá, depois tentaram colocar essas manifestações, nas chamadas periferias da cidade, no lugar de projetos sociais, e entendiam que tínhamos valor só por isso. Já na década de 2000, eles deslocaram o discurso, e passaram a não mais tratar-nos como projetos sociais, e apareceram novos sujeitos como criadores de novos padrões estéticos, de novas linguagens, novas narrativa se de novos modos de fazer arte e cultura. Então começamos a ser tratados como algo potente, interessante, mas que carecia de sofisticação, o que é uma pena. Alguns se aproximam muito com essa visão, de que somos algo potente, mas que não alcançamos padrões estéticos, de níveis superiores, de que eles que vão trazer isso. Em consequência disso, faz com que esse seja uma relação muitas vezes, conflituosa. Mas faço questão de frisar que isso acontece por parte de alguns. Cito aqui Hamilton Vaz Pereira e o Aderbal Freire Filho, que são companheiros nossos, que nos tratam com respeito absoluto”.

Foto: Divulgação
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O teatro da Laje fez da Vila Cruzeiro um lugar onde a arte brota nos becos e vielas da favela, e da arte, os talentos. Yago França,22, é um deles. O estudante de direito acredita no poder da dança com a realidade, e o encorajou a expressar o que pensa. ” Integrar o teatro da laje me ajudou muito na faculdade, na forma com que eu olho as coisas ao meu redor, com mais realidade”.

Larissa Cazé, 19, é outro exemplo. Ela é cria da comunidade, e foi aluna de Veríssimo, no colégio Leonor Coelho. A atriz e técnica de enfermagem fez parte da montagem e apresentação do espetáculo “Posso Falar!?”, e se tornou professora da Escola do Teatro da Laje, na Arena Dicró. “O grupo me ajudou muito, sobretudo, em ter orgulho de vir da comunidade, que daqui podem surgir coisas boas, inovadoras e limpas, que somos mais do que a mídia sempre diz a respeito da Vila Cruzeiro, é uma resposta plausível a todos que minimizam os jovens de comunidade. “

Os talentos mirins também estão presentes no grupo. João Victor Medeiros, 12 anos, entrou na companhia assim como Larissa, através das aulas de artes cênicas do professor Veríssimo. O garoto que antes quase não falava e vivia em jogos de computadores, hoje perdeu a vergonha e fala com todos na comunidade. João começou a atuar em maio desse ano e não pretende parar por aí.

Atualmente o Teatro da Laje está em fase de seleção do novo elenco. Os candidatos já estão há dois meses vivendo a rotina do grupo para poderem compor o elenco do próximo espetáculo. Mas na Escola Teatro da Laje que exerce as suas atividades na creche comunitária da Associação de Moradores, qualquer interessado pode se inscrever.

Em 2006 Teatro da Laje recebeu o Prêmio Cultura Viva, do MinC; em 2010 o prêmio do Programa Mais Cultura Para os Territórios da Paz, uma iniciativa conjunta do MinC e do Ministério da Justiça; de 2014 a 2016 receberam financiamento do Programa Fazendo à Cultura Cari- oca, da SMC, para realizar o projeto de residência artística na Arena Carioca Dicró; e em 2016 foram indicados ao Prêmio Shell na categoria Inovação. Nesse ano receberam o Diploma Heloneida Studart de Cultura, concedido pela Comissão de Cultura da ALERJ pela relevância cultural no estado.

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Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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