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No cantinho da família, tem a cerveja dos adultos e o doce da criançada

Comerciante dá a volta por cima e adoça a vida da comunidade

Foi em Madureira, que a dona Maria Adélia da Silva, de 62 anos, comprou os primeiros doces. Com o dinheiro que tinha na carteira deu para levar para casa 3 saquinhos de bala, uma embalagem de pé de moça e outra de molecão (doce de amendoim, parecido com pé-de-moleque). Os produtos eram vendidos em cima de uma mesa, que foi rada da cozinha de casa, ao lado de um isopor com refrigerantes e guaraná natural.

 Casada há 25 anos, Adélia usou a própria calçada, logo em frente ao seu portão, para iniciar o comércio. “Teve um dia que eu estava com os doces em cima da mesa e começou um temporal. Era muita chuva e o vento estava forte. Não tinha como sair dali carregando todos os doces. A única coisa que consegui fazer foi abaixar a cabeça e começar a chorar”, lamenta.

Dona Adélia diz que essa foi a única opção que teve. A doceira, que antes trabalhava como operadora de caixa, concluiu que foi por conta da idade que não conseguia emprego em lugar nenhum. “Minha família reagiu da mesma maneira que as outras pessoas que me conheciam. Me olhavam com pena. Diziam que bala não dava dinheiro.”

Durante a entrevista, a gravação teve que ser interrompida diversas vezes para que a comerciante pudesse atender os clientes, que não paravam de chegar. “Fui botando mesas, quando ví já tinha umas cinco. Cobrindo quase toda a parte da frente da minha casa”, diz.

Esperta, ela começou a aumentar a variedade de doces de acordo com o lucro, que, segundo dona Adélia, vem principalmente dos prédios do Condomínio da Paz, localizado em frente à loja, na Rua Engenheiro Manoel Segurado, número 120.

Com muito orgulho, a comerciante diz que em 2013, quatro anos depois de começar as vendas, conseguiu concluir as obras de extensão e inaugurou a loja física. Na garagem de casa, colocou uma televisão e nos fins de semana vende caldos. A ideia foi da própria dona Adélia, que tinha como proposta criar algo diferenciado na comunidade, onde as famílias pudessem interagir juntas.

Bala, Pé de moça e Molecão: Dona Adália segura com orgulho os primeiros doces que vendeu. - Foto: Betinho Casas Novas
Bala, Pé de moça e Molecão: Dona Adália segura com orgulho os primeiros doces que vendeu. – Foto: Betinho Casas Novas

Desde quando ampliou a loja, decidiu vender bebidas e nos fins de semana. Após as 18h a doceria vira um bar familiar. “No domingo usamos todas as mesas da loja, às vezes não tem nem mais espaço para tanta gente aqui no portão. Quando ampliamos, tive que pensar em uma novidade e pensei em criar um lugar onde pudesse vir a família toda. Tem a cerveja dos adultos e o doce e o refrigerante da criançada.”

Chupenha, dente de vampiro, Tortuguita, bala 7belo e suspiro. O diferencial é a cartela de doces oferecidos e dona Adélia fala que não cansa de ouvir a mesma frase. “Sempre que alguém entra aqui diz: ‘Nossa, tem doces de quando eu era criança!’ Fico muito feliz em trazer essas boas lembranças de volta.”

O estabelecimento funciona de segunda a segunda, e a comerciante reversa o trabalho com o marido. Quando o casal tem algum compromisso em conjunto, a loja é fechada mais cedo ou aberta mais tarde, mas nunca deixa de abrir. “Às vezes, quando temos que fechar por algum movo, as pessoas batem aqui no portão para comprar.”

A doceria tem CNPJ e aceita cartão, dependendo do valor da compra. A vontade de crescer da comerciante não para por aqui. A intenção é ampliar o segundo andar para criar um salão de festas e alugar. Adélia tem dois filhos e um deles tem o mesmo espírito empreendedor da mãe e criou o Burguer Mania, uma lanchonete delivery na mesma rua.

A doceria abre às 10h, e dependendo do movimento, fica aberta até as 22h e nos fins de semana até as 23:50. A loja vende coisas para adultos, para crianças e coisas que adultos comiam quando crianças. Em breve, uma nova fachada vai decorar o estabelecimento, que recebeu o nome de “O Canto da Família”.

“Só vivia com dor de cabeça, estressada. Agora fico aqui sentada, conversando e vendendo meus docinhos. Todo mundo me conhece e dá uma sugestão. É muito bom trabalhar. A gente sofre um pouquinho de humilhação no começo sim, entendeu? Mas depois a gente supera tudo e tem um retorno enorme”, conclui.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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