Com rodas de samba e culinária artesanal, Manga Bar se destaca como ponto cultural do Rio de Janeiro

Espaço na Mangueira mistura samba, culinária caseira e tradição carioca. Um ambiente familiar com cores da verde e rosa
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

“Mangueira teu cenário é uma beleza…” a música escrita por Aloisio Augusto Costa e Aeneas Brites da Silva, já foi interpretada por grandes baluartes do samba como Beth Carvalho e Jamelão. Esse trecho inicial descreve a figura utópica do Morro da Mangueira, que se mistura à realidade, resultado de uma imersão que só pode ser explicada por quem mora na comunidade. Já para quem visita, dá pra sentir o gostinho.

O Morro da Mangueira fica localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro. E não é difícil localizá-lo, afinal muitos dos “seus barracões de zinco”, assim como seus becos, ruas e vielas, são pintados nas cores verde e rosa. Então o reconhecimento é imediato, o que confirma o trecho “todo mundo te conhece ao longe”. É na Rua Visconde de Niterói que estão localizadas as principais atrações do Morro da Mangueira . A pista, que anda em paralelo com a linha do trem e do metrô por cerca de 1 km, contorna a comunidade e nela que está o Palácio do Samba da Estação Primeira de Mangueira e o Museu do Samba. Mas um novo local vem se destacando no cenário emblemático da comunidade. Um empreendimento familiar que cultiva a tradição do samba e do carnaval, conquistando o coração tanto de quem mora na comunidade como também que vem apenas para visita. Sejam bem vindos, caros amigos, ao Manga Bar.

A primeira impressão que o Manga Bar causa nos visitantes é na sua decoração. Ele também segue a tradição do morro, mas o detalhe é que seu verde e rosa é mesclado com frases de efeito do cotidiano da favela, brinca com a rivalidade de São Paulo x Rio de Janeiro e estampa recados próprios donos para quem visita o lugar. Curiosamente, todos os elementos presentes no ambiente do Manga Bar se encaixam, expressando uma perfeita harmonia.

Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Fomos ao Manga Bar no final de uma sexta-feira ensolarada. O astro rei jogava seus últimos raios na cidade do Rio de Janeiro e o céu laranja se mostrava como arauto para uma noite sem nuvens. Perto das 17h, o Manga Bar se assemelha a uma escola de samba prestes a entrar na Marquês de Sapucaí, quando os últimos retoques são feitos. A música alta abafa o falatório, o barulho do rodo puxando a água no piso, o toque da colher na boca da panela e o som de confirmação das maquinhas de cartão. Dentro do bar verde e rosa, cerca de 15 pessoas conversam, trocam sorrisos e conferem detalhes. Atrás do balcão, na área da cozinha, encontramos Jocileia do Carmo e Silva, 58 anos. Com olhar atento ao fogão, Jocileia mexe o conteúdo de uma das panelas com uma colher de madeira. Atrás dela, gravado na parede entre dois corações, está escrito “Com amor, Dona Jô”, a identificando e mostrando que tudo é feito com muito apreço. Arrisco em dizer que o ‘Dona’ não vem só do tratamento respeitoso dos outros com ela, afinal, ela é dona do Manga Bar.

Dona Jô me cumprimenta por cima do balcão e diz que já vai nos atender. Super compreensível, pois é ela quem coordena a cozinha e sua equipe, formada por sua sobrinha e sua neta, que também estavam atentas no fogão. “O Michael já está chegando. Ele só foi comprar algumas coisas pra cá”, ela diz. “Pode ficar tranquila, Dona Jô, a gente espera”, respondo. Uma das atendentes, Paula, prepara uma mesa para entrevista. Sentamos e esperamos.

Tudo é em família no Mangar Bar

O Michael que Dona Jô se refere é Michael Silva, de 34 anos que é seu filho e seu sócio no Manga Bar. Ele chega apressado e vem direto falar com a gente. Atencioso, nos cumprimenta, pega uma água e senta à mesa para a entrevista. Michael começa explicando que o Manga Bar nasceu em 2017, quando o Rio de Janeiro ainda respirava aquele turismo das Olimpíadas. “Vimos que a Mangueira era preterida em relação ao turismo, tendo muito pouco acesso em relação ao fomento que a comunidade é, assim como sua história e legado. E a gente nunca conseguia chegar perto disso.”

Michael é sócio do Manga Bar
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Até o Manga Bar chegar ao que se tornou, Michael conta que teve capítulos difíceis. Tentou comprar uma laje na região da Olaria (parte baixa do morro), mas sem sucesso. Entre as tentativas, chegou o momento que o espaço do Bar da Miga ficou vago. “A dona do bar faleceu e deixou o ponto para ser alugado. Aí a família dela entrou em contato comigo e perguntaram se eu ainda estava com a ideia do projeto. E eu confirmei. E aí que começa a história do Manga Bar.”

Do amanhecer ao esplendor

“Manga Bar era só uma ideia. Fomento financeiro? Zero. Eu tinha 143 reais na conta e minha mãe, um cartão de crédito. Ela chegou pra mim com o cartão e disse ‘toma aqui. Sou tua sócia. Vê o que dá pra fazer.’”, conta Michael. Ele foi até o local, olhou o bar e começou a trabalhar. Começou com a pintura. Dispensando o trabalho de um pintor que cobrou R$4.500, Michael defende que “depois que inventaram o YouTube, eu nunca mais fui burro”. Vendo vídeos, ele aprendeu a técnica para pintar o espaço, que é de azulejos. E além de economizar no dinheiro, Michael também economizou na tinta. “Pela projeção, aqui eu gastaria 5 latas, gastei 3. O que sobrou, deu pra pintar aqui fora”

Dona Jô, se junta a nós na mesa, também dá seu parecer. “Olha, o início…”, ela suspira, “se não fosse tão difícil, não teria graça e não daria prazer. Na pré-inauguração, eu cozinhei tudo na minha casa e depois trazia tudo pra cá porque a gente não tinha nada. Eu lembro que quando eu vim aqui depois que alugamos, eu sentei, olhei e falei ‘Meu Deus, o que vamos fazer com isso?!’ porque estava muito desconstruído o espaço. Mas deu muito certo. Eu agradeço muito que hoje, o pessoal que vem pra cá, vem com a mesma ideia com a gente. Vem pra ajudar e pra se divertir. E o bar é aberto. Vem criança, vem adulto, vem idoso… O Manga Bar é pra todo mundo”.

Dona Jô e Michael, sócios, lideram a equipe e constroem juntos o Manga Bar
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Respeite quem pôde chegar onde a gente chegou

A popularização do Manga Bar foi da forma mais orgânica possível: o boca a boca. E, de forma atualizada, nas redes sociais, o Manga Bar chama a atenção de fato, pelas suas cores e clima que é mostrado em perfis do Instagram. “Todo mundo que vem aqui tem algo pra compartilhar com os seus amigos. E eu vejo essa interação nas redes sociais. Vindo pessoas que são influentes e vindo nesse intuito de ajudar, é ótimo. A gente não tem grana pra pagar influencer, a gente não tem grana pra pagar bons fotógrafos, mas nós temos muitos amigos. E eles estão fazendo por onde, chegando junto e nos ajudando a traçar um caminho longo.”

O Manga Bar se concretiza como uma grande realização em curso, segundo os sócios. Com mais de 10 mil seguidores no Instagram, o local já aparece como um ponto de encontro de grandes rodas de samba e uma vitrine de terapia popular. Toda sexta-feira, por exemplo, o grupo Batuque Suburbano, que também compõe o Samba da Volta, celebra sua noite no Manga Bar, que também cultiva a culinária local. “Aqui é um lugar de comida suburbana, com tempero de verdade, com carinho, com paixão e grandes rodas de samba. É o casamento perfeito.”, afirma Michael. “Tudo que a gente cozinha é prazeroso. É tudo fresquinho, é tudo pensado, tem todo o cuidado”, detalha Dona Jô, “Estamos montando a nossa estrutura, e enquanto caminhamos, vamos construindo, cantando, sambando, todos juntos”, finaliza a dona.

Da comunidade para a comunidade

Algo que é muito importante para Dona Jô e que ela cobra do filho é o abraço do Manga Bar com toda a comunidade da Mangueira. É um elo que precisa ser firme e que tenha um retorno positivo para ambos os lados. “Eu acho que nós, os empreendedores da comunidade, a gente tem que enaltecer a comunidade. Por exemplo, se você quer almoçar fora, almoça na comunidade. Às vezes eu preciso ir lá no mercado comprar batata. Eu não vou lá fora, eu compro aqui na Mangueira, entendeu? Eu compro com uma pessoa daqui porque ela vai comprar com outra pessoa também daqui e assim a gente vai alimentando e fortalecendo o que é nosso. Eu pretendo enaltecer isso”.

Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Michael dá eco ao recado. “A gente sabe que o nosso público é muito de fora da Mangueira, mas a gente tem que devolver para dentro da comunidade. A gente tem ciência dessa devolução. E é isso que ela falou. Não precisa comprar uma verdura lá. Pode ser aqui, aqui na Mangueira. E a gente se apoia aqui dentro como a gente pode. Inclusive, agora, estamos fazendo uma vaquinha para mandar duas crianças para lutar um campeonato de taekwondo na Bahia. É mais uma ação, do Manga Bar, que a gente quer realizar”. 

“O que você fez é o que a gente precisava há muito tempo”

Essa é uma frase que Michael conta que ouviu sobre a trajetória do Manga Bar. E, de fato, um sonho concretizado. Diz o ditado que “a fruta não cai longe do pé” e a relação Mangueira e Manga Bar é exatamente isso. O resultado se vê na construção coletiva que o empreendimento tem e se mantém. Com as portas abertas, o Manga Bar reúne, canta e celebra a tradição popular mangueirense, oferecendo refeições em ambiente verde e rosa, cultivado por uma família Silva para todas as famílias.

Como uma semente que floresce, o Manga Bar se levanta, despertando sorrisos para todos aqueles que curtem a boêmia da favela, com a tradicionalidade carioca e muitas mãos que dividem o mesmo sobrenome. Vida longa ao Manga Bar.

Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

O Manga Bar está localizado na Rua Visconde de Niterói, 1170 – Mangueira e abre a partir das 18h. Na internet, o bar está no perfil Manga 🥭 (@man.ga.bar) • Fotos e vídeos do Instagram.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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