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Sobre tilápias, tubarões e a organização do jornalismo comunitário no Brasil

Jornal Fala Roça e Consulado dos EUA organizam primeira edição de conferência nacional de jornalismo comunitário
Foto: Allan Benigno
Foto: Allan Benigno

Por: Wesley Brasil para o Voz das Comunidades

Ainda não encontrei no Google de onde o Emicida tirou essa: “a organização faz os tubarão temer as tilápia”. Mas tem tanta poesia nessa ideia, que sigo acreditando e creditando essa linha ao Zica.

Por outro lado, pelo menos encontrei quem é a tilápia. Resumindo: a vira-lata das águas. A tilápia se adapta em qualquer lugar que você a colocar. Vi um papo que tem tilápia de água doce e salgada, que, inclusive (veja só a ironia), é original da África e foi adaptada em outros continentes. Da até pra botar em aquário e nem precisa ser muito grande. É apontada como um animal fácil de criar, procriar e, claro, servir de alimento à espécie dominante: o ser humano.

Aí tem coisa.

Algumas tilápias da comunicação se encontraram pra organizar o cardume no Rio de Janeiro. A turma do Fala Roça se organizou com apoio do Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro pra trazer comunicadores da Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro – inclusive este que vos escreve, original da Baixada Fluminense, espalhando a Palavra Cruel por onde passo. Prazer, Wesley Brasil, tô de volta ao Voz.

Foto: Allan Benigno

Nesse baile das tilápias, enquanto a Baixada é cruel, os sinistros são de Bel, Salvador (BA), Vitória (ES), CPX, Maré, Rocinha, Compton (LA), Brooklyn (NYC)…

“Meu bairro é minha Pátria”

Na faixa ‘Soldado sem Bandeira’, onde Emicida faz essa menção às tilápias, o peso do território é alçado ao de um país. O morador não levanta bandeira na disputa pelo território. Ele só defende o seu lugar a partir do pertencimento, ao invés de participar do conflito armado. E foi a partir desse lugar que a programação da Conferência de Jornalismo Comunitário teve início.

O primeiro dia da Primeira Conferência de Jornalismo Comunitário trouxe a potência sinistra de atores importantes em seus territórios para se inspirar, como Gizele Martins (Frente de Mobilização da Maré) e Geisiane Teixeira (Calango Notícias), correrias em territórios distintos que trabalham a identidade de gente que é tratada como tilápia.

Como tornar viável esse tipo de trabalho? Cristina Tardaguila (Agência Lupa) e Vagner de Alencar (Agência Mural) trouxeram pistas para esta verdadeira investigação sobre os caminhos do dinheiro, desde os potenciais investidores até às iniciativas de comunicação. E não tem atalho: é preciso se organizar individualmente (estruturando o negócio da comunicação) e se organizar como rede ao pensar estratégias de captação de recursos.

Pra construir táticas assertivas, tanto para captação de recursos quanto para entender a audiência, é importante reunir dados. São os números que vão dar uma visão ampla das histórias que contamos e dão sentido para potenciais investidores aplicarem seu dinheiro. De olho nas estratégias para levantamento de dados, a Jéssica Pires (Maré de Notícias) trouxe exemplos tanto de levantamentos, quanto de uso de dados na favela.

Fechamos o dia na casa de Jacqueline Ward, Cônsul dos Estados Unidos, que recebeu a turma pra entender a sua visão sobre assuntos mundiais e profundos como a mudança climática, a economia e a política. Mas os nossos anseios, enquanto periféricos cidadãos dos nossos bairros, são os mesmos: pagar as contas no fim do mês e garantir o mínimo de dignidade no processo.

No caminho pra casa já de noite com o buchinho cheio, cruzando a Linha Vermelha de Uber, o pensamento de rede fervilhava na mente: se no primeiro dia nos conhecemos, no segundo nos conectaríamos.

Na manhã seguinte, na sede do Fala Roça (Rocinha), Artur Romeu (Repórteres Sem Fronteiras) nos ensinou a protegermos a nossa integridade física e digital. Fizemos uma rodada de apresentações dos nossos trabalhos também e fechamos a programação com o Rene. Sim, o Silva, aquele menino do jornal, aquele cara que foi preso ao reportar o esculacho do Estado sobre os moradores da sua área, aquele do boné CPX…

Fechar essa programação ouvindo Rene trocando experiências faz a gente pensar até onde um comunicador favelado pode chegar. Rene rodou o mundo falando sobre o Complexo e simbolizando uma mensagem. E ouvir esse cara na sede de um outro jornal comunitário, falando olho no olho com outros jornalistas comunitários, só aumenta o peso dessa organização.

Essa foi apenas a primeira edição, cujo recorte geográfico acompanhou os territórios com atuação do Consulado Geral dos EUA. O encontro serviu como ponto de partida para encontros maiores no futuro com mais territórios e em mais territórios.

De volta à frase do Emicida, ainda insisto na poesia dessa mensagem. Caramba, tilápias organizadas… Tubarões saindo da frente. É a tropa, disposta a atropelar tudo que quiser atrapalhar o sonho de quem mal pode sonhar.

Cuidado, tubarões. As tilápias estão se organizando.

Participaram desta primeira Conferência de Jornalismo Comunitário: 

A Voz do Lins de Vasconcelos – Rafael Souza

BA Cultural – André Oliveira 

Calango Notícias – Geisiane Teixeira e Thais Gobbo

Coletivo Papo Reto – Lana Souza

Entre Becos – Gabrielle Guido 

Fala Roça – Michel Silva, Camila Perez, Osvaldo Lopes e Monique Silva

Frente de Mobilização da Maré – Gizele Martins 

Maré de Notícias – Jéssica Pires

Nordeste Eu Sou – Jefferson Borges

PPG Informativo – Ana Muza 

Portal Correio Nagô – Valéria Lima

Site da Baixada – Wesley Brasil

Voz das Comunidades – Melissa Canabrava e Rene Silva

Favela em Pauta – Daiene Mendes

O evento é realizado pelo Fala Roça e o Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro com apoio institucional da Agência de Redes para Juventude.

Wesley Brasil
Baixada Fluminense até o osso: Wesley Brasil é um tradutor das ruas da metrópole carioca que mobiiza pessoas a favor do seu território.

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PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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