Por: Wesley Brasil para o Voz das Comunidades
Ainda não encontrei no Google de onde o Emicida tirou essa: “a organização faz os tubarão temer as tilápia”. Mas tem tanta poesia nessa ideia, que sigo acreditando e creditando essa linha ao Zica.
Por outro lado, pelo menos encontrei quem é a tilápia. Resumindo: a vira-lata das águas. A tilápia se adapta em qualquer lugar que você a colocar. Vi um papo que tem tilápia de água doce e salgada, que, inclusive (veja só a ironia), é original da África e foi adaptada em outros continentes. Da até pra botar em aquário e nem precisa ser muito grande. É apontada como um animal fácil de criar, procriar e, claro, servir de alimento à espécie dominante: o ser humano.
Aí tem coisa.
Algumas tilápias da comunicação se encontraram pra organizar o cardume no Rio de Janeiro. A turma do Fala Roça se organizou com apoio do Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro pra trazer comunicadores da Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro – inclusive este que vos escreve, original da Baixada Fluminense, espalhando a Palavra Cruel por onde passo. Prazer, Wesley Brasil, tô de volta ao Voz.
Nesse baile das tilápias, enquanto a Baixada é cruel, os sinistros são de Bel, Salvador (BA), Vitória (ES), CPX, Maré, Rocinha, Compton (LA), Brooklyn (NYC)…
“Meu bairro é minha Pátria”
Na faixa ‘Soldado sem Bandeira’, onde Emicida faz essa menção às tilápias, o peso do território é alçado ao de um país. O morador não levanta bandeira na disputa pelo território. Ele só defende o seu lugar a partir do pertencimento, ao invés de participar do conflito armado. E foi a partir desse lugar que a programação da Conferência de Jornalismo Comunitário teve início.
O primeiro dia da Primeira Conferência de Jornalismo Comunitário trouxe a potência sinistra de atores importantes em seus territórios para se inspirar, como Gizele Martins (Frente de Mobilização da Maré) e Geisiane Teixeira (Calango Notícias), correrias em territórios distintos que trabalham a identidade de gente que é tratada como tilápia.
Como tornar viável esse tipo de trabalho? Cristina Tardaguila (Agência Lupa) e Vagner de Alencar (Agência Mural) trouxeram pistas para esta verdadeira investigação sobre os caminhos do dinheiro, desde os potenciais investidores até às iniciativas de comunicação. E não tem atalho: é preciso se organizar individualmente (estruturando o negócio da comunicação) e se organizar como rede ao pensar estratégias de captação de recursos.
Pra construir táticas assertivas, tanto para captação de recursos quanto para entender a audiência, é importante reunir dados. São os números que vão dar uma visão ampla das histórias que contamos e dão sentido para potenciais investidores aplicarem seu dinheiro. De olho nas estratégias para levantamento de dados, a Jéssica Pires (Maré de Notícias) trouxe exemplos tanto de levantamentos, quanto de uso de dados na favela.
Fechamos o dia na casa de Jacqueline Ward, Cônsul dos Estados Unidos, que recebeu a turma pra entender a sua visão sobre assuntos mundiais e profundos como a mudança climática, a economia e a política. Mas os nossos anseios, enquanto periféricos cidadãos dos nossos bairros, são os mesmos: pagar as contas no fim do mês e garantir o mínimo de dignidade no processo.
No caminho pra casa já de noite com o buchinho cheio, cruzando a Linha Vermelha de Uber, o pensamento de rede fervilhava na mente: se no primeiro dia nos conhecemos, no segundo nos conectaríamos.
Na manhã seguinte, na sede do Fala Roça (Rocinha), Artur Romeu (Repórteres Sem Fronteiras) nos ensinou a protegermos a nossa integridade física e digital. Fizemos uma rodada de apresentações dos nossos trabalhos também e fechamos a programação com o Rene. Sim, o Silva, aquele menino do jornal, aquele cara que foi preso ao reportar o esculacho do Estado sobre os moradores da sua área, aquele do boné CPX…
Fechar essa programação ouvindo Rene trocando experiências faz a gente pensar até onde um comunicador favelado pode chegar. Rene rodou o mundo falando sobre o Complexo e simbolizando uma mensagem. E ouvir esse cara na sede de um outro jornal comunitário, falando olho no olho com outros jornalistas comunitários, só aumenta o peso dessa organização.
Essa foi apenas a primeira edição, cujo recorte geográfico acompanhou os territórios com atuação do Consulado Geral dos EUA. O encontro serviu como ponto de partida para encontros maiores no futuro com mais territórios e em mais territórios.
De volta à frase do Emicida, ainda insisto na poesia dessa mensagem. Caramba, tilápias organizadas… Tubarões saindo da frente. É a tropa, disposta a atropelar tudo que quiser atrapalhar o sonho de quem mal pode sonhar.
Cuidado, tubarões. As tilápias estão se organizando.
Participaram desta primeira Conferência de Jornalismo Comunitário:
A Voz do Lins de Vasconcelos – Rafael Souza
BA Cultural – André Oliveira
Calango Notícias – Geisiane Teixeira e Thais Gobbo
Coletivo Papo Reto – Lana Souza
Entre Becos – Gabrielle Guido
Fala Roça – Michel Silva, Camila Perez, Osvaldo Lopes e Monique Silva
Frente de Mobilização da Maré – Gizele Martins
Maré de Notícias – Jéssica Pires
Nordeste Eu Sou – Jefferson Borges
PPG Informativo – Ana Muza
Portal Correio Nagô – Valéria Lima
Site da Baixada – Wesley Brasil
Voz das Comunidades – Melissa Canabrava e Rene Silva
Favela em Pauta – Daiene Mendes
O evento é realizado pelo Fala Roça e o Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro com apoio institucional da Agência de Redes para Juventude.
Wesley Brasil
Baixada Fluminense até o osso: Wesley Brasil é um tradutor das ruas da metrópole carioca que mobiiza pessoas a favor do seu território.