Sem passe universitário, estudantes de favelas podem ter sonho de cursar a faculdade interrompido

A expectativa é que o benefício, suspenso desde início da pandemia, seja liberado somente no segundo semestre do ano que vem
Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades
Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Entrar na universidade é uma grande conquista para muitos estudantes, principalmente para os que são negros, de baixa renda e moradores de favelas. Conseguir permanecer nela, então, nem se fala. No entanto, o passe livre universitário, que garante a permanência estudantil, não voltou a ser oferecido pela prefeitura do Rio mesmo depois da Justiça determinar o retorno das aulas presenciais em instituições federais. A expectativa é que o benefício seja liberado somente no segundo semestre do ano que vem. Até lá, pode ocorrer uma enorme evasão nas universidades por estudantes que necessitam urgentemente de auxílio transporte.

Esse é o caso da Alicia Lima, de 19 anos, moradora do Complexo da Penha. Ela, que está no início da graduação de Ciências Sociais na UNIRIO, fica preocupada com o possível retorno neste momento, já que, sem o passe universitário, precisaria desembolsar um valor alto de passagem para continuar os estudos. A quantia é simplesmente inviável, considerando a renda da sua família. “Sem o bilhete único universitário, seria impossível permanecer na universidade. Um salário mínimo não me dá o luxo de gastar quase R$ 400 só com passagens, sem contar a minha alimentação. Não dá!”, desabafou. A UNIRIO publicou um comunicado em seu site informando que encaminhou à Justiça um documento no qual expõe todos os desafios para a volta às aulas, inclusive a questão do transporte. 

Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades

Em julho deste ano, o Voz das Comunidades entrou em contato com a prefeitura do Rio para obter informações a respeito do assunto. Na ocasião, foi dito que o tema estava em avaliação para que o benefício voltasse a ser concedido. Entretanto, após alguns meses, nada foi feito. Por esse motivo, em novembro, a prefeitura voltou a ser procurada e, em nota, respondeu que a reativação do passe livre só será possível depois que o novo concessionário da bilhetagem digital começar a atuar. 

A bilhetagem digital é um novo modelo de gestão, no qual o município passará a ter controle sobre o sistema geral. Como todos os processos administrativos ainda estão em andamento e os novos validadores não foram instalados, o início do funcionamento desse modelo está previsto apenas para julho de 2022. Também foi dito que hoje não há transparência no que se refere aos dados informados pela Riocard e que existem desafios orçamentários, cenário que mudaria com a instauração dessa bilhetagem.

No entanto, enquanto todo o processo não é finalizado, estudantes estão inseridos em um contexto de incertezas. Tal como a UNIRIO, a UFRJ deve retornar, uma vez que a decisão também vale para a instituição. E, Luiz Xavier, de 23 anos, que é estudante do curso de História, assim como Alicia, não teria como manter os estudos. “Não conseguiria me manter por uma semana. Estou há quatro anos na universidade. Já estou relativamente próximo de me formar, então é muito tenso observar um movimento como esse”, disse o morador do Complexo do Alemão. 

Foto: Reprodução

Uma questão que vem sendo muito abordada pelas instituições de ensino, e que foi até citada por Luiz em entrevista, é a autonomia universitária, que, segundo eles, está sendo desrespeitada com essa determinação. Ela pode ser definida como a garantia da autogestão das universidades. 

A preocupação de estudantes que precisam do passe livre universitário é uma realidade com os gastos de transporte, porque o sonho de cursar uma graduação pode ser interrompido. No Twitter, por exemplo, outros estudantes vêm manifestando indignação. O educador Laerte Breno, do Complexo da Maré, publicou recentemente: “Eduardo Paes, quando o senhor vai se movimentar para pensar no retorno do bilhete único universitário?”. 

Entre as diversas publicações só nessa rede, esta se destaca: “Espero, de verdade, que reativem o bilhete, se não vou pagar uma fortuna de passagem”. Portanto, a não liberação do passe livre representa a dúvida sobre o amanhã. Considerando todo esse contexto, Alicia, que é a primeira mulher da sua família a estar cursando uma faculdade, deixou um recado para a prefeitura: “O meu recado é que não existe a necessidade de dizimar o sonho das pessoas”.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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