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Salvador Dalí, aqui no Vidigal: Artista Mano Benke retrata personalidades em muros e fachadas na comunidade

Com pinturas espalhadas, o artista traz mais cores para o cenário da favela da Zona Sul do Rio
(Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades)

“Eu sou o Surrealismo!!”, bradava Salvador Dalí. A excentricidade e extravagância do artista o coloca como uma das mentes mais brilhantes e icônicas de sua geração. Extravagante, excêntrico e dono de uma das mentes mais criativas da Arte Moderna, mesmo falecendo em 1989, suas obras são reconhecidas até hoje pelo grande público. Relógios derretidos sobre as árvores e cavalos com longas pernas são marcas do surrealismo produzido pelo artista. Além de sua marca nos trabalhos artísticos, Salvador Dalí expressava sua genialidade muito pela sua figura. O bigode espetado se caracterizava como o ponto de presença do artista, que inspira outras grandes personalidades das manifestações artísticas do mundo inteiro.

O Vidigal é mais um ponto onde Dalí deixou a continuidade de sua arte, mesmo que com algumas alterações, mas que estas são advindas do próprio estilo do nosso personagem. Mano Benke nos encontra na primeira curva fechada da Estrada Vidigal, na subida da comunidade. De longe, é possível identificar o artista. O bigode se projeta em diferentes direções, espetado, como Dalí fazia. Mano Benke traz sua apresentação junto com o seu trabalho, já que o bar à nossa frente, o Estação Vidigal, é um dos locais que recebe sua atenção artística. O estrado do piso se assemelha a um trilho de madeira, em um tom de roxo que se aproxima do vinho.  “Parece madeira, mas não é”, desmente ele para a nossa conclusão precipitada. Fizemos uma pré-entrevista com Mano Benke ali mesmo, mas o barulho produzido pelo intenso trânsito de mototáxis, misturado com um caminhão de obras que insiste em subir a Estrada do Vidigal na marcha ré, atrapalha a nossa comunicação. Combinamos de andar pela comunidade, enquanto Mano Benke nos mostra sua galeria a céu aberto.

Trabalhos de Mano Benke estão espalhados pelos muros da comunidade do Vidigal
Foto: Jorge Castro Henriques

A sombra dos morros Dois Irmãos já se projeta sobre a comunidade enquanto damos os primeiros passos pela Estrada do Vidigal. O artista vai nos guiando e mostrando sua arte estampada nos muros da favela. Retratando personalidades da cultura, música e do esporte, Mano Benke traça o seu traço no compasso da inspiração. Passamos Babu Santana com pente garfo na cabeça e Fernanda Montenegro vestida de nossa senhora, imagem que retrata a atriz no filme O Auto da Compadecida, dos anos 2000. Ambos estão imortalizados em muros das comunidades. Alguns metros acima, duas mulheres conversam num intervalo pequeno entre duas casas, na frente de um portão. A primeira, de costas pra rua, gesticula para a colega, toda de preto, que segura um cigarro na mão direita na altura da boca. Atrás delas, o rosto de Marilyn Monroe em fundo escuro está pintado na lateral do comércio. Nos aproximamos para tirar uma foto do “criador com a criatura”. Ao falarmos com elas, a fumante exclama para Mano Benke. “Foi você que fez?! Nossa! Eu adoro esse desenho! Aqui é meu cantinho de fumar. Parabéns viu?!”.

Entre as tantas personalidades registradas por Mano Benke, passamos por Roberta Rodrigues, Cristiano Ronaldo, Frida Kahlo e João Paulo II. Sob a imagem do falecido Papa, está escrito: “Vim aqui não por curiosidade, mas porque amo vocês”, frase do próprio João Paulo II, no dia 02/07/1980, em visita ao Rio de Janeiro. O cheiro da tinta fresca entra em acordo com a data da pintura, registrada no muro. “Terminamos antes de ontem”, anuncia o artista. A pintura do Papa foi feita em parceria com o seu pai, Nildo Brasil, que mora na baixada fluminense.

Enquanto subimos a comunidade, Mano Benke fala um pouco sobre a sua arte no Vidigal. “As pessoas param, olham e isso é muito bacana. Mas, as vezes, eles mesmos perguntam o motivo de eu ter feito uma ou outra personalidade no muro. O Neymar, por exemplo, eu pintei ele por ser um grande representante do Brasil lá fora. Ele prende a admiração de várias pessoas, mesmo que outras pessoas não gostem. Mas quando me questionam isso, eu pego aquela crítica como forma de absorver a ideia. Quem sabe eu não pinte essa determinada personalidade em outro lugar?” No caminho para o Arvrão, depois da Quadra do Alto, dentro da comunidade, encontramos mais desenhos de Mano Benke. O Poderoso Chefão, Arlequina, Coringa e Tony Montana estão imortalizados nas paredes ao longo de um corredor de concreto. Antes de posar para foto, Mano acena para conhecidos. E foi assim durante todo o caminho.

(Foto: Jorge Castro Henriques)

Mano Benke mora no Vidigal há 6 anos. Natural de Pernambuco, já morou em Minas Gerais antes de desembarcar no Rio de Janeiro. O artista explica que sempre observou a favela do Vidigal como um lugar sagrado, que respira arte e cultura na Cidade Maravilhosa. “Aqui é um local que eu tive uma receptividade muito grande. É uma comunidade que promove muita cultura e isso é algo maravilhoso para o artista. Os projetos são abraçados pela pessoas que moram aqui.” Sobre as artes, o artista é enfático e decidido na resposta. “Acredito que os trabalhos trazem muito significado. O morador que passa por uma parede se identifica com uma pintura que tem, por exemplo, um cantor com um trecho de uma das músicas dele. “O primeiro trabalho realizado pelo artista foi a Roberta Rodrigues, atriz que Mano Benke admira muito. “A recepção é gigante! Ela me mandou um áudio emocionada e me agradeceu muito pelo reconhecimento. E aquilo me deu força pra ir cada vez mais longe no meu trabalho”. O processo criativo de Mano Benke é algo que vem muito do momento. Mas, ele relata que “a imagem expressa muito mais do que escrita e que eu consiga transmitir a mensagem em relação ao sentimento que eu coloco naquela arte e naquele momento.” Por fim, Mano Benke, ao ser questionado sobre o seu grande objetivo dentro da arte, ele visualiza o projeto de fazer dela um projeto social dentro da comunidade, de forma que pessoas e crianças aprendam o dom das cores, de forma a perpetuar não só a arte, como também a cultura viva que o Vidigal respira.

Elis Regina é uma das personalidades que Mano Benke retratou em suas obras e seu trabalho foi reconhecido por Maria Rita, filha da cantora. (Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades)

Texto: Rafael Costa
Produção / Fotos: Selma Souza
Participação Fotos: Jorge Castro Henriques
Revisão: Jonas di Andrade

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Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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