Rock in Rio: Dona de uma voz potente, Marvvila vem furando a bolha masculina do pagode

A pagodeira, uma das poucas mulheres sendo reconhecidas no gênero musical, será uma das atrações do Espaço Favela, um dos palcos do Rock in Rio
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Nascida e criada em Bento Ribeiro, bairro da Zona Norte do Rio, Kassia Marvila, de 23 anos, vem de família evangélica e iniciou sua carreira artística no gênero gospel, ainda pequena. Mas, ao atingir a maioridade, mergulhou onde seu coração batia mais forte: no pagode. Sim, o tal do “R&B brasileiro” dominado por homens. Ao participar do The Voice, em 2016, Lulu Santos chegou a dizer que a cantora tinha “um timbre único”. Hoje, ela soma quase 800 mil ouvintes mensais no Spotify e será uma das atrações do Espaço Favela, no Rock in Rio 2022.

Marvvila começou a cantar na igreja com apenas cinco anos. “O pagode veio depois, na adolescência, quando comecei a escutar na escola. Era aquela coisa ali ‘meio escondidinha’, já que venho de família cristã e eu não tinha acesso a outros shows musicais”, conta. Na adolescência, a cantora se referiu aos seus 13 anos. “Naquela época ouvia Belo, Exaltasamba e Ferrugem, por exemplo, que estava começando a estourar. Para você ver como sou nova”, ri, ao contar. “Mas depois, eu fui me aprofundando mais no gênero”, relembrou. 

Nos intervalos da escola em que Kassia Marvila estudava, havia aulas de música. E foi ali que ela começou a frequentar e cantar o novo estilo. “Mas eu não imaginava que poderia levar aquilo adiante, porque eu vivia naquele lar cristão. Foi só depois dos 18 anos que eu saí de casa e percebi que o gospel não era o que eu queria seguir. Eu não me identificava”, pontuou.

No entanto, Marvvila ainda não sabia que se tornaria “A Pagodeira”. Ao desistir do gospel, ela conta que percebeu que, por não ter sido apresentada de fato a outros gêneros musicais, não tinha muita informação. “Eu pensava: vai ser difícil, né?! Mas, quando eu comecei a sair, fui me achando ali. E, quando eu fui ver, já estava cantando tudo que é pagode!”, disse, pontuando, porém, outro obstáculo: a falta de mulheres pagodeiras. 

Marvvila tem apenas 23 anos e já é uma das referências femininas no pagode
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

“Não pensava em seguir no pagode porque eu achava que não iriam me abraçar por ser mulher. Falava: cara, no pagode da geração atual, você só vê homens dominando a cena. No samba, a gente tem muitas mulheres incríveis! Mas na nossa geração não tem mulheres dominando como os homens”, compartilhou, acrescentando que pensou até em escolher outra coisa para cantar, porque acreditava que, dadas as circunstâncias, ninguém a aceitaria no gênero.

Ainda bem que não desistiu! Marvvila desabafa que decidiu seguir seu coração e, além do apoio de algumas pessoas, o seu canal no YouTube, em que ela publicava vídeos de covers de sucessos do pagode, não parava de dar resultado. “Quando tentei cantar outro estilo, comecei a perder seguidores porque me queriam cantando pagode”, conta. 

Ela ia na cara e na coragem! Chegava nas casas de shows onde aconteciam as apresentações de pagode da Zona Norte e perguntava se podia cantar. Ah! e sobre sua equipe: “Minha amiga fingia ser minha produtora para passar mais credibilidade, porque quando eu chegava sozinha pedindo para cantar, não levavam a sério”, relembrou, rindo da época. “Foi assim que, aos pouquinhos, eu fui de fato conseguindo”, completou. 

Nesse mesmo período, os tais vídeos da menina do timbre único cantando Imaginasamba, Péricles, Ferrugem e outros pagodeiros, batiam milhares – e até milhões – de visualizações. As páginas de pagode, que ela aponta como essenciais em sua carreira, começaram a compartilhar os covers de forma orgânica e, óbvio, as pessoas amavam! 

Consolidação como pagodeira

O primeiro single da carreira da cantora foi lançado em 2020, em parceria com Ludmilla. “Não é por maldade”, do primeiro “Numanice”, foi um sucesso, mas hoje a música não está mais disponível nas plataformas digitais. Ainda assim, foi quando Marvvila se consolidou no pagode. “Foi muito importante para mim. Mulher pagodeira ainda enfrenta várias barreiras, que estão sendo quebradas. Então, uma artista como ela, que já tem a força no pop e no funk, pegar e abraçar o pagode… Isso levantou a força da mulher do pagode”, explica. Em 2021, ela assinou com a gravadora Warner Brasil. Em 2022, lançou “Marvvila na Área (Ao Vivo)”, com participações especiais, como Belo, Sorriso Maroto, e até Rebecca, que é do Funk.

Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades
“Marvvila na Área (Ao Vivo)” é seu primeiro DVD gravado
Foto: Selma Souza / Voz das Comunidades

Outro episódio super importante em sua carreira foi quando gravou com sua referência: Péricles. Ela, que sonhava em um dia chamá-lo para fazer parte de algum DVD seu (mas não o fez por achar que seria audácia demais) foi convidada pelo próprio dono de uma das maiores vozes do Brasil para fazer parte do “Pagode do Pericão II, Parte 1 (Ao Vivo)”. Não foi uma, mas duas músicas que foram agraciadas com o dueto: “Nosso Amor Quer Paz” e “Te Amo”, fechando o show com muita voz e sentimento. Teve ainda uma terceira no “Pagode do Pericão II, Parte 2 (Ao Vivo)”, ao lado de Mumuzinho e Xande de Pilares: “Pagode Puro”!

Ela relembra que, quando o convite rolou, foi assim: “Se você puder, vai ser uma honra pra mim você participar”. Antes de ouvir a voz do “Pericão” ao telefone, ela jurava que ele tinha errado a pessoa. “Caramba, foi um sonho realizado! E foi além do que eu sonhava, porque eu pensava ‘um dia gostaria de ter reconhecimento para poder convidá-lo’. Mas ele pegou e me chamou!”, vibrou, relembrando. Bem, será que vai ter Péricles no próximo DVD da Marvvila? “Se Deus quiser”,respondeu. 

Ao alcançar grandes nomes do pagode, Marvvila conta que recebe diversas mensagens de mulheres falando que estão perdendo o medo de se lançar no pagode. “Conheço muitas mulheres incríveis do samba e do pagode. Já escutei muito de pessoas que ‘não tem muita mulher no pagode’. Na verdade tem, só que a gente precisa dessa atenção, porque tem há muito tempo e são maravilhosas, com talentos incríveis! A gente só precisa ser ouvida”, pondera.

Sobre sua relação com os fãs e apresentações, ela enfatiza que faz questão de cantar colocando sua verdade e sentimentos durante. “Eu quero cantar a música de fato. Eu não estou só fazendo as pessoas sofrerem, eu estou sofrendo junto! Quando eu estou cantando, eu gosto disso, sentir o que eu canto, me emocionando, sabe? Eu gosto disso. Estar ali, perto, para quando eu for cantar, entregar de fato a minha verdade”.

Alerta! Contém spoiler do show no fim da fala: “Fiquei muito muito feliz de estar representando o Espaço Favela, porque diz muito sobre mim, é a minha verdade, é de onde eu vim, é tudo que eu sei e que aprendi. Então, é a realização de um sonho, né? Para mim, eu estou sonhando ainda. A gente está preparando um show bem personalizado mesmo, sabe? Esperamos entregar um mix de emoções para a galera. Faremos releituras de músicas que não são do pagode!”.

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EDITORIAS

PERFIL

Rene Silva

Fundou o jornal Voz das Comunidades no Complexo do Alemão aos 11 anos de idade, um dos maiores veículos de comunicação das favelas cariocas. Trabalhou como roteirista em “Malhação Conectados” em 2011, na novela Salve Jorge em 2012, um dos brasileiros importantes no carregamento da tocha olímpica de Londres 2012, e em 2013 foi consultor do programa Esquenta. Palestrou em Harvard em 2013, contando a experiência de usar o twitter como plataforma de comunicação entre a favela e o poder público. Recebeu o Prêmio Mundial da Juventude, na Índia. Recentemente, foi nomeado como 1 dos 100 negros mais influentes do mundo, pelo trabalho desenvolvido no Brasil, Forbes under 30 e carioca do ano 2020. Diretor e captador de recursos da ONG.

 

 

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