Na rotina de quem reside nas comunidades do Rio de Janeiro, a presença da arte tem sido um diferencial no desenvolvimento social destas regiões. No Complexo do Alemão, na região mais conhecida como Mirante do CPX, desde 2017 a Roda Cultural da Zona Norte promove manifestações artísticas e intervenções culturais na favela. Com apresentações de poesias, batalhas de rimas entre MC ‘s (Mestres de Cerimônias), performance de dançarinos e até show de artistas locais, o evento acontece a cada 15 dias e reúne cerca de 300 pessoas.
Segundo os organizadores do evento, Flávia Costa, JP Black, Iasmin Nóbrega, Lis MC, Kalen e Thiago Pato, a Roda Cultural da Zona Norte tem a missão principal de aproximar os conhecimentos e conceitos da cultura do Hip-Hop com os moradores das comunidades. Nas palavras de Flávia, que atua como produtora social da organização, uma das características mais marcantes da iniciativa é possibilitar conexões reais entre os participantes.
“Então, a roda começou em 2017, quando eu e uns amigos resolvemos ter um canto só nosso para ler, conversar e também apresentar nossas ideias. Com isso, decidimos nos encontrar regularmente atrás da Escola Tim Lopes. Naquela época, a região que é conhecida como Mirante do CPX era um local abandonado. Hoje, transformamos em um ponto de encontro cultural”, explica Flávia.
Conectada com a cultura de rua desde jovem, Flávia, que hoje tem 27 anos, percebe a Roda Cultural da Zona Norte como uma ponte para novos artistas de favela, onde eles estimulam e trabalham toda a potencialidade e bagagem artística. Por lá, tornou-se normal a trajetória de artistas conhecidos no meio do rap, como Thai Flow, que comparece com frequência no evento, e Lis MC, a apresentadora principal da iniciativa.
Moradora do Complexo da Penha, Lis conta que chegou na iniciativa como telespectadora e, com o tempo, recebeu o convite para apresentar o evento. Para ela, esse espaço cultural é uma forma de expressão essencial. É o momento que os artistas locais conseguem reivindicar os seus direitos e desejos. “É uma parada mais do que necessária. Tornou-se uma saída certa pra gente formalizar o que queremos, de lançar nossos sonhos e mostrar que a favela tem direito e voz”, explica a rapper que produziu recentemente o EP (Extended Play – um formato de CD) chamado “Infernal”.
Além de ser um espaço que possibilita a conexão da arte com os moradores da comunidade, a Roda Cultural também oferece as primeiras oportunidades para uma área que possui um mercado de atuação bem disputado: a de DJ. Por ser uma profissão que exige um tempo de dedicação maior e a existência de uma rede de contatos que acredite no seu trabalho, quem trabalha como “toca-discos” acaba enfrentando diversas barreiras.
Entretanto, a iniciativa mudou esses paradigmas e disponibilizou essa chance para Mateus, de 25 anos e mais conhecido como RPS, que hoje é o DJ residente do evento. Apaixonado por música, o morador de Olaria passa, praticamente, 24 horas imerso no mundo musical. Segundo ele, essa paixão pelo som é muito antiga e traz uma conexão muito forte consigo mesmo.
“A música pra mim é uma vida. Sou apaixonado pelo que faço e sempre estou ligado nas novidades que saem na “gringa”, mais especificamente nos Estados Unidos. No Hip-Hop, sou muito fã do Drake, por exemplo. Porém, ser DJ é uma carreira difícil, mesmo praticando há 10 anos, demorei muito para ter uma oportunidade de ser o DJ residente de uma festa, isso só aconteceu aqui na Roda Cultural, que me chamou e me abraçou”, revela.